A IIHF (International Ice Hockey Federation) vive de boas intenções mas, delas, sabemos nós estar o inferno cheio. Ou talvez fosse melhor dizer o inverno cheio, já que é de gelo que se trata. Tudo começou em 2009 com essa ideia peregrina de realizar um Campeonato das Nações Africanas de Hóquei Sobre o Gelo, ideia desde logo aceite com deslumbramento pela South African Ice Hockey Federation, fundada nos confins de 1937, e que se perfilou de imediato para ser a organizadora da primeira edição da prova. Ninguém se opôs. Nem pelo contrário. A ideia vagueou… Até que se estabeleceu que seria realizado entre 19 e 26 de setembro. Muito bem. Uma das questões resolvida. A mais importante perdia-se nos corredores bafientos do edifício federativo e nos faxes que iam sendo trocados vagarosamente entre os possíveis candidatos a fazerem-se representar. Falou-se no Egito e no Quénia, mas a resposta nunca chegou. Definiu-se que três participantes – África do Sul, Marrocos e Argélia – seriam suficientes para dar um mínimo de dignidade à competição. Afinal, é preciso começar por algum lado. Para não decorrer à velocidade com que arde um fósforo, acertou-se um campeonato a duas voltas. Cada equipa faria quatro jogos, as duas mais pontuadas disputariam a final. A seguir começou a discussão sobre o orçamento. Patrocinadores, nem vê-los. A Argélia tratou de anunciar a sua ausência por falta de verba. A dignidade caía um bocado por terra, mas a federação sul-africana ainda acreditou que, com um adiamento, tudo seria possível. A realidade impôs-se: no dia 3 de setembro, em comunicado tornado público às 11h20, declarou solenemente que não haveria campeonato. Não se sentiu, por toda a África, qualquer frémito de desilusão. O gelo, na maior parte dos países, tinha utilidade melhor do que patinar-se em cima dele.
Sete anos depois Mas passaram-se os anos. Em 2016, Marrocos, o país africano que se orgulha de ser o mais evoluído em termos de desportos de inverno, levou a sério as tais intenções que sobejam no inferno. Avante com a organização da tal Taça das Nações Africanas de Hóquei Sobre o Gelo, como ficaria oficialmente registada. A medida da dignidade manteve-se intacta: três participantes dariam credibilidade suficiente para que não se tombasse para o nível do pindérico. Acabaram por ser seis os finalistas. E, assim sendo, Marrocos, Tunísia e Argélia entraram na liça, juntamente com Namíbia, África do Sul e Quénia. Os argelinos, por via do encurtamento das distâncias, lá conseguiram os tais fundos que permitiram a deslocação ligeira e conquistaram a medalha de bronze. A de prata ficou em casa. Os tunisinos, que tinham fama de ser os melhores patinadores do norte de África, impuseram a sua categoria e levaram a taça para Tunis. Primeira e única.
No entanto, atração grande foi o comparecimento do Quénia. Afinal, era de África que se tratava e os quenianos pareciam ser os únicos negros capazes de fazer frente aos magrebinos e aos maioritariamente brancos afrikaners. Os Leões do Gelo, como ficaram conhecidos após uma digressão ao Canadá, sonhavam com a presença nos Jogos Olímpicos de Inverno, em 2018, em PyeongChang, na Coreia do Sul, mas deram com os burrinhos na água (gelada, naturalmente). Apesar disso, a notoriedade que granjearam foi praticamente universal, isto é, se o universo tivesse erguido os olhos do seu umbigo para observar o que faziam uns rapazes que só viam neve (quando a viam) no alto rapado do Quilimanjaro procurando equilibrar-se numa pista de gelo. Entretanto espera-se ainda pela segunda edição da taça. Estava marcada para 2018. A burocracia em África emperra muita coisa. E nem sequer o gelo a faz deslizar.