E, de repente, um hábito de conquistas tomou conta da seleção de Portugal. Esse Portugalzinho esperto e ladino, do futebol malandro, do toque e retoque, passa e repassa (do qual Eusébio foi a máxima exceção), sempre cheio de sonhos e de sonhos destruídos. Parece que o tempo passou uma esponja sobre as desilusões de Wembley (1966) e de Marselha (1984) e de Bruxelas (2000) e de Lisboa (2004) e de Munique (2006). Essas em que estivemos quase, quase, quase, mas não passámos do quase. E outras aventuras nas quais entrámos de peito feito, carregados de uma soberba que a arte dos nossos jogadores podia justificar mas que a desorganização dos que os comandavam condenaram à desgraça, como aconteceu no México (1986) ou na Coreia do Sul (2002).
Enquanto o povo invadia feliz a Avenida dos Aliados para, mais uma vez, erguer os braços para saudar, cantando, a Pátria em Chuteiras de que falava o grande Nelson Rodrigues, mestre da crónica, a memória foi apagando um sem número de tristezas e frustrações. Sim, cantaria Roberto Carlos, eles estão aí, vivendo esse momento lindo. Momento para que até Cristiano Ronaldo seja capaz de prometer que fica, que ficará sempre até sentir dentro de si a mesma chama de paixão por uma equipa nacional com a qual, como capitão, já ergueu a Taça de Campeão da Europa e a Taça da Liga das Nações.
Claro que Ronaldo é inevitável! Inevitável nesta senda vitoriosa que, de um momento para o outro, parece ter-se tornado normal, corriqueira. Claro que ele é indiscutível nas três finais jogadas pela seleção nacional durante os 98 anos da sua história, se deixarmos de lado esse momento de ternura que foi a Minicopa do Brasil em 1972. Muito se escreve sobre Ronaldo, muito se escreveu sobre Ronaldo. Até eu que o conheci adolescente ainda na equipa de Portugal em que trabalhei durante uns anos, estava ele a dar os seus primeiros passos, nem sempre ainda acertados, com a camisola dos cinco escudos azuis no emblema. Mas se há algo que não escrevo sobre Ronaldo, é a admiração pela sua vontade de ganhar, vontade de ganhar sempre, de ser o melhor, de odiar a derrota como Mafoma odiava o toucinho. Porque conhecendo-o, sendo seu amigo, tenho muitas razões para o admirar mas recuso entrar nessa ladainha tão lusitana, tão tristemente lusitana. Que seria de cada um de nós se não quiséssemos ser os melhores nas nossas profissões, se não quiséssemos viver no topo das nossas capacidades de trabalho, se não fizéssemos um esforço contínuo, quotidiano, para exprimir o máximo do nosso talento e das nossas virtudes no labor e na vida? Eu recuso o desleixo! Desprezo-o! Ronaldo recusa o desleixo e despreza-o! Pode ser um exemplo, mas é apenas um homem que está certo num país de homens errados.
Regressemos a 1933 e aprendamos a lição de Pessoa: “Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem que um sonho, no erguer de asa/Faça até mais rubra a brasa/Da lareira a abandonar!”
Cristiano Ronaldo disse não há vida/vidinha. Quer ganhar e continuar a ganhar. Quando perdemos a final do Europeu de 2004, frente à Grécia, chorou no meu ombro como menino que era num desespero da derrota que o amachucava. Disse-lhe apenas: “Tens muito para ganhar, no futebol e na vida”. Ganhou. Ganhou tudo. No futebol e na vida.
Não, não me digam que é esse o seu grande atributo, o seu grande dom. Esse é um predicado próprio dos homens que não se sentam à lareira com receio de abandonar o borralho. Não foi assim que Portugal se construiu e descobriu mundos para lá do mundo. “Triste de quem é feliz!/Vive porque a vida dura./Nada na alma lhe diz/Mais que a lição da raiz —/Ter por vida a sepultura”.
Os portugueses festejam ainda, felizes, mais um momento maravilhoso da história do seu futebol. Porque há homens que não se contentam. São Homens.