Depois da sua magnífica intervenção em Portalegre, no segundo discurso do 10 de Junho, proferido na Cidade da Praia (Cabo Verde), João Miguel Tavares não resistiu a fazer uma referência às responsabilidades dos portugueses no que toca à escravatura e ao racismo.
Se o fez por dever de consciência ou por sentir que, de alguma forma, era essa a sua obrigação para com os anfitriões, é difícil dizer. Acredito que tenha expressado uma convicção profunda; e, ainda assim, estes atos de contrição em cerimónias oficiais correm sempre o risco de parecer forçados ou ditados pelo politicamente correto.
É curioso verificar, em todo o caso, que se cumpriu da forma mais insuspeita a profecia que Catarina Martins tinha lançado há um ano: “Virá o dia em que os discursos oficiais serão capazes de reconhecer a enorme violência da expansão portuguesa, a nossa história esclavagista, a responsabilidade no tráfico transatlântico de escravos”.
Não deixa de ser sintomático e revelador dos nossos complexos que os portugueses prefiram flagelar-se com os seus erros a orgulharem-se dos seus feitos. “Seria de esperar que os lisboetas se gabassem das suas conquistas”, dizia a CNN em 2017. Pelo contrário: preferimos cultivar a autodepreciação e os sentimentos de culpa.
Muitos, como Catarina Martins, acreditarão que será através dos discursos oficiais que se poderão expiar os erros dos passado. Como se, transformando o espaço público num confessionário, pudéssemos libertar-nos dos aspetos mais controversos ou incómodos da nossa história. Mas a História não se “limpa” assim com duas cantigas. Por isso me parece que quaisquer pedidos de desculpa – digam respeito à escravatura, à colonização ou às guerras do passado – são uma espécie de exercício bem intencionado, mas condenado à irrelevância. Podem aliviar uma ou outra consciência, mas nada mais do que isso.