A crise na direita

A crise na direita


O Presidente tem feito totalmente o jogo deste Governo e deste Parlamento, tendo até abdicado de exercer os seus poderes de fiscalização da constitucionalidade das leis.


Marcelo Rebelo de Sousa decidiu comentar as eleições europeias, tendo-o feito numa intervenção na FLAD em que sustentou existir “uma forte possibilidade de haver uma crise na direita portuguesa nos próximos anos” e que, num contexto destes, o seu papel “é importante para equilibrar os poderes”. É bastante estranho o Presidente da República assumir o papel de comentador político, ainda mais para decretar a existência de uma crise na oposição ao Governo. Mas de Marcelo tudo se espera, e deste caso pode concluir-se que o Presidente entrou claramente no jogo político, efectuando o que se pode considerar uma profecia auto-realizável. Na verdade, o Presidente tem feito totalmente o jogo deste Governo e deste Parlamento, tendo até abdicado de exercer os seus poderes de fiscalização da constitucionalidade das leis. Em consequência, o primeiro mandato do Presidente tem sido caracterizado precisamente por uma absoluta falta de equilíbrio, o que tem permitido ao Governo esmagar os partidos da oposição de centro-direita. Mas, como não há vazios em política, o que o Presidente vem dizer é que no futuro, após a morte do PSD e do CDS, pretende ocupar esse espaço – isto, naturalmente, depois de ser reeleito com uma maioria esmagadora, graças ao apoio do PS.

O que espanta nesta história é a facilidade com que as actuais lideranças do PSD e do CDS se deixaram enrolar nesta armadilha. Na verdade, graças ao desastrado episódio dos professores e ao medo de serem acusados de causar uma crise política, PSD e CDS encolheram-se perante António Costa, reconhecendo assim não serem alternativa ao seu Governo. Com isso permitiram que as eleições europeias fossem um passeio para o PS. Enquanto os Governos inglês, austríaco e grego caíram em consequência do resultado dessas eleições, o Governo de António Costa saiu reforçado quando até tinha anunciado que se ia demitir na véspera dessas eleições. Bastava PSD e CDS não terem recuado e teriam a queda do Governo de bandeja, o que não deixaria de fragilizar o PS, apesar do manifesto erro político que foi a votação do tempo de serviço dos professores. Só que, neste caso, o recuo assumido do PSD e do CDS foi uma emenda ainda pior do que o soneto, mostrando que esses partidos não sabem o que andam a votar e que nem sequer têm condições de assumir o poder se o actual Governo se demitir.

E, na verdade, as medidas que estão a ser propostas pelo PSD e pelo CDS parecem mostrar que estes dois partidos estão totalmente à deriva. O PSD anuncia uma iniciativa para aumentar as penas nos crimes contra animais de companhia, parecendo estar a querer disputar eleitorado ao PAN. E o CDS anuncia a criação de um núcleo no Brasil, julgando provavelmente que é entre os eleitores brasileiros que há-de arranjar votos para vir a ser Governo em Portugal. Em consequência, estes partidos não fazem oposição efectiva ao Governo, abstendo-se de demonstrar o colapso em que o mesmo deixou cair os serviços públicos e a habitação, e não fazendo quaisquer propostas de efectiva redução da elevada carga fiscal que esmaga os cidadãos. Em consequência, não há qualquer discurso político alternativo ao Governo, parecendo que o objectivo do centro-direita é apenas integrar uma futura coligação com o PS. Só que ninguém vai votar no centro-direita se o mesmo não construir uma verdadeira alternativa, em condições de assumir o Governo do país.

Sá Carneiro tem sido muito citado, mas é muito pouco seguido. Perante um Presidente eleito pela direita que se colocou contra ela, não hesitou em negar- -lhe o apoio à reeleição, arranjando um candidato alternativo. E perante um país que achava que a direita não podia ser Governo, criou uma coligação e demonstrou que a mesma conseguia governar. Hoje continua a ser esse o caminho. O centro-direita tem de considerar Marcelo Rebelo de Sousa como seu adversário político e tem de criar uma coligação para disputar as próximas eleições. A persistir neste caminho, não vai a lado nenhum.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990