Niki Lauda


Foi aí que, saído talvez de um bar ou outro tipo de estabelecimento da noite vienense, dei de caras com Niki Lauda, inconfundível pelas marcas do acidente ainda relativamente recente e pelo boné que as disfarçava.


Retomo esta coluna, após uma interrupção determinada pelas normas legais aplicáveis aos candidatos a eleições, partilhando com os meus leitores uma pequena história que envolve o grande corredor austríaco de Fórmula 1, Niki Lauda, que nos deixou aos 70 anos, no passado dia 21 de maio.

Profundamente grato às portuguesas e aos portugueses pela confiança renovada que me atribuíram na minha candidatura ao Parlamento Europeu, recordo aqui em jeito de homenagem uma memória antiga que só aparentemente pode parecer não ter nada a ver com a atualidade.

Corria o ano de 1987 e eu era um jovem assistente universitário que, no âmbito do meu trabalho de investigação, tinha visto aprovado um paper elaborado em parceria com um colega para apresentação num congresso científico na Hungria.

Por mera curiosidade, porque o paper não é central na história, o dito artigo tratava da forma como as folhas de cálculo, então a dar os primeiros passos, iriam revolucionar o planeamento nas empresas do setor agropecuário – arqueologia científica acontecida há pouco mais de 30 anos.

Naquele tempo, as viagens não eram como são hoje. Não havia low-costs nem plataformas de reserva de hotéis. Viajava-se à vista e munidos de traveller checks para descontar em cada destino. Fomos de carro, num Renault 5 branco e já com muita estrada. Com o congestionamento das autoestradas provocado pelo regresso das férias de verão, na nossa penúltima etapa até Viena só chegámos à capital austríaca no início da madrugada. O hotel disponível era uma “ourivesaria” para quem vivia do câmbio do escudo.

O meu colega, que viajava acompanhado da mulher, sujeitou-se ao contexto, mas eu, à data ainda solteiro e a viajar sozinho, decidi ficar no carro, sugestivamente estacionado junto a uma das margens do Danúbio. Ao nascer do sol deu-me vontade de arejar perto do rio. Foi aí que, saído talvez de um bar ou outro tipo de estabelecimento da noite vienense, dei de caras com Niki Lauda, inconfundível pelas marcas do acidente ainda relativamente recente e pelo boné que as disfarçava.

O piloto austríaco disse-me bom dia e meteu conversa. Falámos da Áustria e de Portugal, do rio que teimava em acelerar, das diferenças de custos de vida que me tinham levado a ficar no carro, mesmo pertencendo a um segmento relativamente elevado no padrão salarial do meu país. Falámos também do advento das novas tecnologias e de outras coisas de que já não me recordo. Ele desejou-me boa viagem até às margens do lago Balaton, onde decorria a conferência, e eu boa sorte para os negócios em que estava embrenhado e de que me tinha falado brevemente. Mais tarde, por algumas vezes viajei na Lauda Air lembrando-me sempre do momento que aqui descrevo.

Quando Lauda foi à sua vida, naquele dia, enchi-me de coragem para entrar numa das pastelarias que começavam a entreabrir as suas portas com os atrativos aromas matinais. Pedi um expresso duplo e uma torta vienense e verifiquei que, com a liberalidade, quase se tinha ido o ganho orçamental da opção de dormir no carro. Mas o saldo tinha sido muito positivo. Tão positivo que agora, quando soube que Niki Lauda nos tinha deixado de vez, esta história me veio à memória com a vontade de a contar em toda a sua simplicidade e com todo o seu significado.

*Eurodeputado