Esta União Europeia tem os dias contados


Cada vez menos liberal e democrática e cada vez mais “iliberal”, a Europa é o antro ideal dos homens de negócios que realmente a comandam.


uando me ponho a observar a agitação e a excitação dos políticos que devem representar as principais “tribos” que até há pouco dominavam – em alternância muito ao estilo de “bloco central” – uma União Europeia distante dos cidadãos, sem outra história que não seja a da sujeição progressiva ao american way of life e à supremacia económica e militar dos Estados Unidos da América, penso que o seu fim é inexorável. Talvez só daqui a meio século, mas não mais.

Na realidade, esta União Europeia “unanimista” e antidemocrática é irreformável, prisioneira como está dos tecnocratas e dos burocratas comodamente instalados nas suas sinecuras – e dos políticos coniventes, conformistas ou resignados –, ao serviço duma plutocracia multinacional e sem pátria, impregnados pelo péssimo cosmopolitismo da “sociedade de mercado planetária”. Na realidade, a soberania dos “mercados financeiros” não se coaduna com a utópica “Europa dos cidadãos”, apenas a concebe como “Europa dos consumidores e dos turistas”.

Esta União Europeia precisaria duma grande barrela política e institucional, o que implicaria uma profunda reforma dos seus tratados. Mas como fazê-lo, se isso só seria possível com a aprovação unânime dos seus 27 membros? Impossível, claro! Esta Europa, politicamente cada vez menos liberal e democrática e cada vez mais “iliberal” – ao estilo da extrema-direita que vai crescendo pouco a pouco por quase todo o lado – é o antro ideal dos homens de negócios que realmente a comandam. Nem sequer consciência tem das diferentes culturas de cada povo e da fidelidade dos cidadãos a um Estado-nação democrático, republicano e laico.

O general De Gaulle, já desiludido, teve este desabafo pouco antes de morrer: “A Europa cujas nações se odiavam era bem mais genuína do que a Europa actual”. Foi dito há quase 50 anos, quando a Europa já deixara de ser “mediterrânica” e se tornara “atlântica” – o que muitos de nós aplaudimos, quando o anticomunismo se tornou moda à esquerda, seguindo as pisadas daqueles que, como escreveu Guy Hocquenghem, “passaram do colarinho à Mao para o Rotary Club”. Mas, como ele salientou, mesmo entre os renegados havia uma vanguarda. Tratava-se, então, de dar conforto e legitimidade aos vira-casacas: “Mudar o que seria possível manter – a generosidade idealista – e manter o que era preciso mudar – os pequenos chefes de mentalidade manipuladora”. E desde então foi um vê se te avias. O “ideal” dos pais fundadores desta Europa sem alma – a “americanização” e a “financeirização” da sua economia, com o “Homo economicus” no centro de tudo – logrou o apoio do “bloco central” europeu: o PPE azul-pálido mais o PSE rosa-pálido.

Esta União Europeia que, como diz Régis Debray, “se tornou Bruxelas, Estrasburgo e Frankfurt, uma Europa do Norte que já não vê na Europa do Sul mais do que um Club Med”, entregou a sua defesa à NATO, que o mesmo é dizer a Washington, e até já aceita como inevitável a inaceitável “extraterritorialidade do direito” imposta pelos EUA. E a verdade – como também lamentava Régis Debray antes da eleição de 26 de Maio passado – é só esta: “O que é que poderá mudar quando elegemos 70 deputados franceses, num total de 700, para um parlamento europeu sem real poder, sabendo desde logo que os assuntos sérios são tratados noutros lados: em Frankfurt, no Banco Central Europeu, e em Bruxelas, na Comissão Europeia, onde ninguém foi eleito?!” E o que dizer dos 21 que elegemos por cá?!

Mas será que, afinal, eu também participo no movimento geral de resignação em relação a esta União Europeia? De certo modo, sim, mas não sem reflectir sobre o que poderia – “de algum modo”, como está na moda dizer – alterar a face e o rumo desta Europa. Desde logo, seria crucial inverter a lógica neoliberal que a comanda, repudiando claramente a “americanização” e “financeirização” da sua economia. A Europa deveria tornar-se o primeiro continente ecológico do mundo, colocando a defesa do meio ambiente no centro de todas as suas políticas e penalizando todos os parceiros económicos que não respeitem os acordos de Paris.

Paralelamente, a defesa das liberdades cívicas e dos direitos sociais devia tornar-se prioritária na União Europeia. Deveriam ser combatidos com eficácia todos os abusos relativos à precariedade laboral e à concorrência desleal, tanto no plano fiscal como no plano social, abusos esses que minam seriamente a credibilidade e popularidade do projecto europeu. A União Europeia deveria optar pelo princípio da reciprocidade em todos os acordos que faz, ripostando taco a taco às sanções extraterritoriais aplicadas abusivamente por terceiros, designadamente pelos EUA, e adoptando uma estratégia de defesa dos interesses económicos e tecnológicos europeus. E devia praticar uma política de acolhimento mais digna.

Entre outras impossibilidades como as que acabo de enumerar, a União Europeia devia dispensar-se de promover trabalhos inúteis, moderando significativamente o seu “zelo normativo” (o debate sobre a uniformização da hora de verão e inverno é deveras ridículo e desnecessário). Também devia levar muito a sério uma política de atracção de milhões de jovens europeus, por exemplo: generalizando o acesso ao programa Erasmus de todos com menos de 25 anos, independentemente dos currículos escolares. E devia ainda, supremo sacrilégio, tornar a cultura europeia – aliás, cada uma das suas culturas – uma prioridade absoluta!

Tudo isto é possível? Sinceramente, creio que não! A União Europeia é, hoje, cada vez mais, um mecanismo bastante complicado sobre o qual os cidadãos nacionais – cuja cidadania europeia é totalmente ilusória – não dispõem de qualquer poder. Por isso são tão poucos os que vão votar quando ela nos pede, de cinco em cinco anos, para caucionarmos esse mecanismo tão complicado que só os tecnocratas e burocratas do tipo “Frankenstein” estão habilitados a manipular. Francamente, creio que esta União Europeia – muito antieuropeia, aliás – tem os dias, os meses e os anos contados. Até quando, não sei. Sei é que já cá não estarei…

 

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990