Lá do alto da sua santidade, o Papa disse: “Pedindo a Deus que continue a derramar sobre Portugal inteiro a abundância das Suas graças e favores, concedemos a todo o querido povo português, hoje espiritualmente reunido com as suas supremas autoridades, em volta do episcopado e do clero, a nossa larga e especial bênção apostólica!”
O povo português, esse, olhava para o Cristo Rei como boi olha para um palácio. Nunca se vira coisa igual. Oitenta e dois metros de altura sobre o Tejo e Almada, abraçando Lisboa do outro lado, dominando em derredor, Palença, Aldeão e Alfazinha, Ramalha, Pragal e Pombal. Em 1934, o cardeal-patriarca de Lisboa fora ao Rio de Janeiro e embeiçara-se pelo Redentor. Cerejeira, Manuel Gonçalves de nome completo, encasquinou que Lisboa não podia ficar atrás da Princesinha do Mar. Vai daí apresentou a ideia ao movimento do Apostolado Coração e, de imediato, o seu velho camarada de estudos em Coimbra, António Oliveira Salazar, que se poderia apropriadamente apelidar de Sua Eternidade, não lhe cortou as asas à imaginação.
No dia da inauguração, a 17 de maio – estão a cumprir-se agora 60 anos –, a festa foi de arromba. Jipes da Polícia Militar, uma procissão encabeçada pelo Regimento de Cavalaria da Guarda Nacional Republicana, raparigas das ações católicas, crianças das escolas juvenis da Mocidade Portuguesa, meninos de coro, alunos do Seminário de Almada, cadetes da Escola Naval do Alfeite, soldados do Destacamento de Almada, bombeiros voluntários de Cacilhas e da Trafaria com os seus estandartes ao vento. Um cafarnaum!
O longo rio Não se esqueçam que, nesse tempo, o Tejo era largo como hoje não é mais. Seriam precisos mais uns anos para que surgisse a ponte. Não admira que o rio estivesse pejado de embarcações, entupido como as coronárias de um sofredor do miocárdio a ansiar por uma angioplastia. Pela marginal da Cova da Piedade, as pessoas, fervorosas até ao derramar das lágrimas, gritavam a plenos pulmões: “Ave, ave, ave Maria…”
Pétalas de flores pairavam no ar.
Tal como o enorme quadrimotor dos Transportes Aéreos Portugueses, contornando o Cristo.
Do lado oriental do monumento, um comprido estrado forrado a flanela vermelha, carregado com mais de 300 seminaristas responsáveis pelos cânticos e três sólios: um para Cerejeira, os outros para os cardeais de Lourenço Marques e do Rio de Janeiro. Noutro estrado, forrado a verde, um cadeirão de espaldar destinado ao chefe de Estado.
No aeroporto não havia descanso. Três aviões DC-4, cada um com 44 pessoas a bordo, iam levantando e pousando consecutivamente, sobrevoando o Cristo Rei e regressando à pista. Vinte e duas viagens mobilizaram sete tripulações. Trinta e cinco minutos de voo a 500 metros de altitude, 986 felizardos que puderam assistir a tudo no conforto inconfundível que fica no cadeirão das nuvens.
Muitos destes passageiros afortunados eram neófitos. Recebiam o batismo de voo no mesmo dia em que o Cristo Rei recebia o seu batismo. Entre eles, várias velhinhas, algumas com mais de 80 anos, particulares figuras entre tanta gente e com direito a documento comprovativo passado pelos serviços da TAP.
Dizem que às 17 horas de Lisboa, todos os sinos das igrejas de todos os pontos do Império Português repicaram de felicidade. O cardeal-patriarca ordenou: “Portugueses de aquém e além mar! Portugueses dessa outra pátria – filha nossa – o Brasil! Portugueses espalhados pelo mundo! Todos vós que trazeis Portugal no coração, onde quer que vos encontreis, ajoelhai: fala Portugal! Portugal está todo aqui, aos pés do Cristo Rei!”
Lá no alto, dentro dos aviões que mais pareciam mosquitos, as velhinhas não escutaram a ordem.