Não foi fácil – e ninguém no seu perfeito juízo pensaria que iria ser –, mas o Benfica conseguiu mesmo superar o cabo das tormentas vila-condense. O 3-2 final, no preciso recinto onde há duas semanas o FC Porto havia deixado dois pontos (e grande parte das esperanças na revalidação do título…), escancarou as portas do campeonato para os encarnados, tão necessitados de alegrias depois da desilusão que foi o adeus ao sonho do penta há um ano.
A reconquista – o termo com que as águias batizaram, desde agosto passado, a missão a que se propunham esta temporada – está agora à distância de um ponto. Um empate na última jornada, na Luz, já bastava para que o Benfica celebrasse a conquista do 37.º campeonato do seu historial. Quem se atreveria a prever tal cenário há cinco meses, com uma equipa em cacos, a sete pontos do pujante campeão em título e com o treinador da equipa B a assumir a formação principal em missão de socorro?
O último obstáculo às pretensões encarnadas chegará das ilhas. Mais propriamente de São Miguel, Açores: é o Santa Clara, a fazer a melhor temporada da sua história, num mais que tranquilo oitavo lugar. O conjunto micaelense, porém, encerra uma particularidade bastante curiosa: foi fundado em maio de 1927 como… delegação do Benfica – não filial, como erradamente a ele se referem algumas entidades de forma frequente. De acordo com os estatutos das águias, as filiais “têm de desenvolver as suas atividades em conformidade com os fins do clube, obrigando-se a usar os mesmos símbolos e designação, podendo apenas substituir a palavra Lisboa pelo nome da localidade onde tenham a sede”, enquanto as delegações têm “independência jurídica e associativa”.
Seja como for, é incontornável a ligação quase umbilical entre os dois clubes – basta olhar para o símbolo do Santa Clara para o perceber: só as iniciais do clube na faixa oblíqua central, a inscrição “Mens sana in corpore sano” na faixa horizontal superior, no lugar da benfiquista “E Pluribus Unum”, e as inscrições “Santa Clara” e “Açores” marcam a diferença para o do Benfica.
E já não será a primeira vez que a delegação encarnada de São Miguel marcará, inadvertidamente, presença em lugar privilegiado, quase como que uma convidada de honra, numa eventual festa da casa-mãe. Basta lembrar o último jogo que se disputou no velho Estádio da Luz, na jornada 26 de 2002/03: o Benfica venceu… o Santa Clara por 1-0, com penálti de Simão Sabrosa. Os encarnados de Lisboa, liderados por José Antonio Camacho, terminariam a época em segundo, a 11 pontos do super FC Porto de José Mourinho; os encarnados dos Açores, numa época com três treinadores (Manuel Fernandes, Carlos Manuel e o malogrado Carlos Alberto Silva), acabariam em penúltimo e a descer de divisão, iniciando aí um périplo de 15 anos pela II Liga – que terminou precisamente na última temporada.
Dragão sedento, leão poupadinho
Será, no mínimo, improvável acreditar que o Benfica não conseguirá pelo menos um empate nesta última jornada. Ainda assim, e porque no futebol não há impossíveis – como as últimas semanas têm comprovado de forma tão vincada –, o FC Porto alimenta ainda uma ínfima percentagem de crença na renovação do título.
Para isso, terá de rezar pela derrota das águias e de obrigatoriamente vencer o Sporting no Dragão. Um clássico de tudo ou nada para os dragões… e de aquecimento para os leões, que deverão até rodar a equipa: o jogo com o FC Porto que verdadeiramente interessa ao conjunto liderado por Marcel Keizer joga-se uma semana depois, no Jamor.