Maria Alberta Menéres. A inventora do pirilampo mágico

Maria Alberta Menéres. A inventora do pirilampo mágico


‘Tive uma infância muito feliz e nunca acabou, sabe?’, contava numa entrevista ao DN, em 2010. ‘Eu lembro-me de nascer. Palavra de honra!’


Já se tinha mudado para a infância há muito. Arriscaríamos dizer que em definitivo. Assim, a morte, aos 88 anos, passou só para ultimar a mudança. Maria Alberta Menéres morreu na tarde de segunda-feira (dia 15), legando aos leitores portugueses uma obra vastíssima que em grande medida pagava aos deuses a dívida de lhe terem dado uma infância idílica, como tantas vezes fez saber. «Tive uma infância muito feliz e nunca acabou, sabe?», contava numa entrevista ao DN, em 2010. «Eu lembro-me de nascer. Palavra de honra! Fui a primeira filha, nasci em casa e quando nasci pegaram em mim e puseram-me num sofazinho dourado. […] Agora lembro-me, fiz tanta bulha ali acabada de nascer, que a minha mãe disse: ‘Ai, a menina.’ E eu já ia a cair quando o meu pai deu um pulo e me apanhou no ar. É verdade, ainda me lembro da sensação de cair e de ser apanhada pelo meu pai. Não acreditam, mas é verdade».

A antiga professora de Língua Portuguesa e História, do ensino básico e do secundário, nasceu em 1930, em Vila Nova de Gaia. Quando tinha seis anos, o avô materno morreu deixando duas herdades no Ribatejo à filha, e, na autobiografia que escreveu para o Jornal de Letras no ano em que celebrou os 80, Menéres revelou que foi nessas herdades que fez «a primeira e ingénua aprendizagem do que é viver longe de qualquer civilização, à distância de dez quilómetros da aldeia que ficava mais perto!». Adiantava que esse «foi um tempo maravilhoso e inesquecível, em que aprendi a trepar às árvores num instantinho, a visitar as tocas das raposas e a ser amiga dos seus filhotes; a ajudar as galinhas a fugir dos milhafres, e os patos a não serem tão patarecos… ; e a andar a cavalo sem sela, só agarrada às suas crinas; e a perder-me de propósito… o que passou a ser a grande aflição dos meus pais e de todos os trabalhadores de lá…».

Apesar de o seu nome ter ficado como o da ama que tanto fez para levar encanto à infância e juventude de tantos leitores, Maria Alberta Menéres começou pela poesia. A sua estreia foi em 1952, com Intervalo. E essa paixão pela língua onde ela surpreende novos sentidos levaria a que, oito anos mais tarde, recebesse o prémio internacional de poesia Giacomo Leopardi pelo livro Água-Memória. Juntamente com o marido, o também poeta e ensaísta Ernesto Melo e Castro, organizou a Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa, que teve três edições nas décadas de 50 e 60, para em 1979 proceder à sua atualização em Antologia da Poesia Portuguesa 1940-47. Mas o título pelo qual é conhecida da maioria dos leitores portugueses é Ulisses, a adaptação da obra de Homero para os alunos do 6.º ano. De resto, entre as tantas distinções que o seu trabalho mereceu, assinale-se o Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças em 1986 «pelo conjunto da sua obra literária e pela manutenção de um alto nível de qualidade».

Menéres é uma dessas presenças estruturantes em qualquer língua, tendo dedicado cerca de uma centena de títulos aos mais novos, tornando-se uma das precursoras da literatura infantil portuguesa, um género tão intranquilo e que atravessa hoje um período de grande criatividade e desenvoltura graças à aposta de uma série de editoras que têm sabido estar à altura do desafio, arriscando nesta categoria onde os públicos mostram mais apetência pelo lado experimental da literatura. Mas tal como este género não aceita ser reduzido na sua amplitude, também Menéres foi uma autora insaciável. Depois de se licenciar em Ciências Histórico-Filosóficas, não lhe bastou ter dado aulas, foi tradutora, e acompanhava o que se ia publicando com a colaboração que manteve com vários jornais e revistas. Para lá da escrita, foi ainda autora de programas televisivos para crianças, tendo sido diretora do Departamento de Programas Infantis e Juvenis da RTP de 1974 a 1986.

E há ainda uma outra invenção sua que, em algum momento, a todos nos cativou. Se há achados que nos parecem tão naturais que custa imaginar que tenham partido da imaginção de uma pessoa, um deles é o Pirilampo Mágico. Pois foi Menéres quem, a convite de José Manuel Nunes, da Antena 1, se lembrou deste pequeno ser cujas misteriosas formas se perdem na sua própria luz. Um bicho-astro que Menéres descobriu com o espanto de quem não sabia o que fossem aquelas luzes que a cercavam quando, em miúda, se afastava de casa, e ia visitar as crias de raposa a que se afeiçoara. Assim, balançando no fio de uma memória prodigiosa por ser escrita em capítulos curtos, de grande intensidade emocional, Menéres ajudou a criar uma das mais bem sucedidas campanhas de solidariedade no nosso país.