O mundo está cada vez mais desperto para as implicações das alterações climáticas, um fenómeno que tem vindo a tornar-se mais evidente ao longo do tempo e de que, recentemente, o ciclone Idai foi só mais um sinal. Por cá – Portugal é um dos países que deverá sentir na pele as alterações climáticas de forma especialmente intensa, como diversos estudos preveem -, o poder político tem-se mostrado consciente do problema e comprometeu-se com a neutralidade carbónica até 2050, um objetivo que só poderá ser alcançado com a reformulação de vários setores. A energia é um deles e, nessa matéria, o país tem ainda muito a fazer: Portugal continua a ter duas centrais produtoras de eletricidade a carvão, em Sines e no Pego, que representam cerca de dois terços das emissões de CO2 do setor e que o Governo se comprometeu oficialmente a encerrar até 2030. Numa recente entrevista ao semanário Sol, contudo, o ministro do ambiente, João Pedro Matos Fernandes, admitiu a hipótese de fecharem antes: “A do Pego tem uma licença que pode acabar já no ano de 2021. Tudo o que pudermos fazer para antecipar esse ano de 2030, vamos fazer”, disse. Um estudo de um grupo de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do Instituto Dom Luiz, em conjunto com duas investigadoras de microeconomia do ISCTE Business School e da Universidade de Aveiro, vem mostrar que pode ser mesmo possível fazê-lo mais cedo, até 2025.
Ao i, Pedro Nunes, um dos autores do artigo que será publicado na edição de 10 de junho do Journal of Cleaner Production – e que a equipa fez chegar à Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) -, defende que “nós não temos de esperar de maneira nenhuma até ao final da década de 20 para encerrarmos estas centrais”: “Se implantarmos uma solução como a preconizada no estudo, no final da década de 20 já teremos cerca de 80% de eletricidade verde”. A percentagem, hoje, fixa-se nos 50% contra 26% de eletricidade produzida a partir de carvão, um número que demonstra que, como dá conta o artigo, “o país está ainda abaixo do objetivo nacional para 2020 quanto à produção de energia renovável, que é 60%”: “Já que esta percentagem é determinada considerando a produção normalizada de energia hidroelétrica dos últimos 15 anos, acredita-se que o objetivo não será alcançado”. A explicação encontra-se no facto de o país registar anos cada vez mais secos: em março, por exemplo, mais de um terço do território estava em seca severa e quase metade em seca moderada, o que coloca constrangimentos à produção de energia hidroelétrica.
Por isso, os investigadores propõem um caminho alternativo “para a remoção a curto ou médio prazo da eletricidade produzida a partir de carvão no sistema de eletricidade português”.
“Uma solução que prevê a substituição do carvão por fotovoltaicos aliada a uma bomba hidráulica é analisada, bem como os seus impactos para a operação do sistema relativamente ao equilíbrio entre a energia e as emissões de CO2”, lê-se no documento. O impacto de tal solução foi analisado utilizando “um modelo computacional que reproduz o sistema elétrico e o seu funcionamento”, explica ao i Pedro Nunes, especificando que “o ano de referência foi 2015” porque, como dá conta o artigo, “na altura da análise, o ano mais recente com os dados necessários disponíveis era 2016; já que esse foi um ano chuvoso, o ano de 2015, um ano seco, foi o escolhido para a análise”.
Os obstáculos O cenário a que se chegou é particularmente animador, mas só será passível de ser aplicado se antes forem ultrapassados alguns obstáculos. “Em primeiro lugar, a rede elétrica requer uma atualização para acolher a implantação de instalações fotovoltaicas em larga escala nas regiões do sul com mais sol, do Alentejo e do Algarve”, escrevem os autores. Historicamente, continuam, “a maior parte da capacidade de abastecimento está localizada nas regiões do centro e do norte (onde as energias hídrica e eólica são mais abundantes), enquanto a maior procura ocorre nas regiões costeiras urbanas”. De momento, acrescenta ao i o investigador, existem mais de dois gigawatts “de pedidos de licenciamento para instalação de centrais solares – mais ou menos o quádruplo do que está instalado, temos cerca de 600 megawatts instalados – e que estão ainda a aguardar esse licenciamento”. A entidade responsável pelo licenciamento é a Direção-Geral de Energia e Geologia que, segundo Pedro Nunes, “tem poucos recursos humanos alocados a esta questão”.
De volta ao artigo, os investigadores assinalam de seguida que “esta implantação de fotovoltaicos exige um enorme investimento privado que requer um alto nível de confiança dos interessados no mercado energético” e, por isso, “é fundamental que o Governo português e o Parlamento enderecem o debate atual relativo à remoção dos históricos subsídios de energia renovável”.
A capacidade instalada de bombagem já existente em barragens é suficiente para fazer a gestão desta solução – que alia a energia solar à hídrica -, defende o estudo. Por isso, ultrapassados os obstáculos, estariam então criadas as condições necessárias para a implantação do fotovoltaico – cuja potência desejável seria de oito gigawatts, que permitiriam passar dos 50% de energia renovável produzida atualmente para 77%.
Os autores elencam como vantagens desta solução a redução das emissões de CO2 em 56%, mas não só. “Uma eliminação do carvão sem qualquer capacidade energética adicional instalada [como a proposta] resultaria no aumento da importação [de energia elétrica] para o quíntuplo, o que realça a necessidade de adicionar uma capacidade energética alternativa ao sistema”, começam por notar os investigadores. E porquê a energia solar? Pedro Nunes esclarece: “O custo de produção da energia solar fotovoltaica é de cerca de 40 euros o megawatt–hora, enquanto o custo de produção da eletricidade com base em carvão fica entre os 60 e os 90 euros por megawatt–hora. O intervalo de variação na energia com base em carvão justifica-se pela volatilidade do preço do carvão nos mercados internacionais, enquanto a energia fotovoltaica não tem variação”.
Na entrevista ao Sol já citada, o responsável pela pasta do Ambiente tinha já avançado os valores, evidenciando que a energia solar é, de facto, mais barata. Já Pedro Nunes destaca ainda a gratuitidade da matéria-prima, especificando que “o que custa é a instalação inicial”. “Mas, neste momento, a tecnologia está tão barata que a produção de energia com base em fotovoltaico é já mais barata do que a produção de energia com base em carvão. Por isso, a nossa proposta não vai onerar a produção de eletricidade. É a alternativa ideal, até porque não temos anos mais ou menos soalheiros, temos sempre o mesmo sol”, conclui.