Em Portugal desenvolvem-se novos supercondensadores redox

Em Portugal desenvolvem-se novos supercondensadores redox


As baterias são uma espécie de maratonista: conseguem garantir uma grande quantidade de energia durante longos intervalos de tempo. Portanto, quando queremos carregar o nosso aparelho muito depressa, com uma bateria não há como, porque a bateria não consegue aceitar a energia de forma muito rápida.


Todos nós sabemos o que são baterias. Aliás, hoje em dia não conseguimos viver sem elas. O que seria de nós sem o nosso telemóvel ou computador portátil sempre à mão? Pois, porque estes nossos aparelhos de estimação precisam, para funcionar quando e como nós queremos, de uma boa bateria. As baterias de ião lítio são os dispositivos de armazenamento de energia por excelência, usados em toda a tecnologia à nossa volta. Quando a bateria acaba, o gesto é simples: carrega-se. E, sobre as baterias, as nossas preocupações gerais resumem-se a dois aspetos práticos: quanto tempo demoram a carregar e quanto tempo duram. Isto são as métricas com que toda a gente se preocupa. Quanto mais durar e quanto mais depressa carregar, tanto melhor. Pois acontece que estes dois desejos são mais ou menos incompatíveis e, hoje em dia, praticamente impossíveis de concretizar. Ora vejamos porquê. Uma bateria tem como função armazenar uma grande quantidade de energia, o que consegue, mas tem dificuldade em lidar com solicitações rápidas para entrega ou armazenamento dessa energia. Portanto, as baterias possuem uma densidade de energia elevada, mas não conseguem nem armazená-la nem entregá-la muito depressa, pois a sua densidade de potência é baixa. Na prática, as baterias são uma espécie de maratonista: conseguem garantir uma grande quantidade de energia durante longos intervalos de tempo. Portanto, quando queremos carregar o nosso aparelho muito depressa, com uma bateria, não há como, porque a bateria não consegue aceitar a energia de forma muito rápida. Mesmo com as modernas baterias de ião lítio temos sempre de esperar pelo menos uma boa meia hora para o nível de carga ser minimamente razoável. Por outro lado, quando estamos a usar a bateria, se utilizarmos muitas aplicações e funções simultaneamente, ela também descarrega em poucas horas, o que não dá jeito nenhum. Para fazer uma boa gestão da nossa bateria, por exemplo para a carregar mais depressa, e para fazer com que os aparelhos respondam de forma rápida às várias solicitações de que são alvo, precisamos de um (ou vários) supercondensadores. Estes dispositivos de armazenamento de energia conseguem carregar muito depressa (em alguns minutos) e conseguem também entregar a energia de forma muito rápida. Se uma bateria é uma espécie de maratonista, o supercondensador é uma espécie de corredor de 100 metros, ou seja, entrega a energia num curto intervalo de tempo. Hoje em dia, os supercondensadores fazem parte do sistema de armazenamento de energia da maioria dos nossos equipamentos eletrónicos. Por exemplo, num iPhone moderno podem existir pelo menos seis a oito supercondensadores de suporte à bateria, pelo que transportamos em geral uns quantos connosco.

De que são feitos estes supercondensadores? Bom, são parecidos com uma bateria, mas o seu componente ativo, isto é, os seus elétrodos são feitos de carbono e estão embebidos num eletrólito orgânico que, na maior parte dos casos, não é lá muito amigo do ambiente. Mas não é um carbono qualquer. O carbono utilizado é muito especial, pois é feito a partir da calcinação de cocos, e é muito caro. Este carbono (de coco) tem caraterísticas muito especiais em termos de morfologia, área específica e porosidade. É muito suscetível à degradação na presença de humidade e outras impurezas, pelo que o processo de fabrico é complexo, e requer cuidados muitos especiais quer no processamento quer no armazenamento. Estes supercondensadores de “carbono de coco” armazenam pouca energia, portanto possuem baixa densidade de energia, mas conseguem carregar e descarregar muitas vezes (milhões de vezes) de forma muito rápida, pois têm uma densidade de potência alta. Por causa destas suas propriedades são um excelente auxiliar de baterias, pois permitem lidar com as solicitações de potência a que os aparelhos por vezes estão sujeitos. Este comportamento é muito útil e permite que os supercondensadores ajudem a aumentar a durabilidade e o desempenho da bateria. O problema é que são muito caros, pelo que atualmente se assiste a um aumento da procura de materiais alternativos aos carbonos de “coco”. Existem várias possibilidades, mas uma das mais interessantes consiste na utilização de óxidos de manganês. O manganês é o 12.o elemento mais abundante na crosta terrestre, não é tóxico e é explorado em muitas regiões do globo. É um metal de transição, com múltiplos estados de oxidação, sendo por isso muito atrativo para fabricar materiais de elétrodo em dispositivos de armazenamento de energia por via eletroquímica. O óxido de manganês foi uma das escolhas para o fabrico de elétrodos positivos nas primeiras gerações de pilhas e hoje em dia é ainda utilizado em conjunto com o lítio e outros metais nos cátodos das baterias de ião lítio. Alguns óxidos de manganês apresentam um comportamento redox muito reversível, isto é, oxidam-se e reduzem-se facilmente em eletrólitos aquosos, e os respetivos tempos de carga e descarga fazem com que os elétrodos de óxido de manganês sejam considerados uma alternativa aos supercondensadores de carbono de coco. Os processos de carga e descarga nos elétrodos de óxido de manganês envolvem reações redox e transferência de eletrões, pelo que os supercondensadores daí resultantes são denominados “supercondensadores redox”. Possuem em geral densidade de energia superior a um supercondensador de carbono (ainda que muito inferior a uma bateria) e uma densidade de potência muito alta (muito superior à de uma bateria), constituindo assim uma boa alternativa aos supercondensadores de carbono, que são mais caros e utilizam eletrólitos orgânicos, muitas vezes nocivos. O tempo de vida dos supercondensadores redox de manganês não é tão elevado como o dos supercondensadores de carbono de coco mas, mesmo assim, perfeitamente adequado ao tempo de vida que caracteriza os aparelhos portáteis que utilizamos (em geral, apenas alguns anos).

São ainda muitos os desafios inerentes ao desenvolvimento de novos materiais à base de óxido de manganês para supercondensadores redox, mas um dos segredos reside na otimização da morfologia, porosidade, área específica e estequiometria dos óxidos. Em Portugal, e em particular no Instituto Superior Técnico, há alguns anos que se tem vindo a dar uma atenção especial às propriedades deste material e à sua otimização com vista à fabricação de novos supercondensadores redox mais amigos do ambiente. Os projetos de investigação que estão a ser desenvolvidos visam valorizar os óxidos de manganês como solução para uma nova geração de supercondensadores redox com maior densidade de energia e elevada potência. Esta nova visão tecnológica e capacidade de inovação assenta num profundo conhecimento sobre o comportamento eletroquímico dos materiais e sua produção por vias simples, competitivas e capazes de revolucionar o futuro do armazenamento de energia em dispositivos eletroquímicos.

Os óxidos de manganês posicionam-se como uma nova linha de materiais para o fabrico de supercondensadores redox, mais económicos e mais amigos do ambiente. Mais uma vez, a investigação e inovação que se desenvolve numa das melhores escolas de tecnologia e engenharia da Europa, o Técnico, a desbravar novas fronteiras, levando o que de melhor se faz em Portugal para o mundo.

 

Professora catedrática

Vice-presidente para os Assuntos Académicos

Instituto Superior Técnico