Tribunal de júri. Como são os julgamentos feitos por pessoas como nós?

Tribunal de júri. Como são os julgamentos feitos por pessoas como nós?


Os jurados, ou membros não togados, têm de ter escolaridade obrigatória e não podem ser governantes nem o Presidente da República. Advogado lembra que há mais emoção nestes julgamentos. Rosa Grilo, tal como o Rei Ghob e a mãe da Joana, enfrentará um julgamento feito por quatro cidadãos e três juízes.


O julgamento por um tribunal de júri – como acontecerá no caso em que Rosa Grilo e o amante estão acusados da morte do triatleta Luís Grilo – é pouco comum em Portugal. Na última década foram pouco mais de cem os casos que foram decididos por jurados populares e juízes e, segundo dados oficiais enviados pelo Ministério da Justiça ao i, a tendência é de decréscimo – em 2017 havia apenas cinco processos crime findos nos tribunais de primeira instância que tinham estas características e é preciso remontar a 2009 para encontrar 23 casos.

Para que um caso seja julgado por um tribunal de júri, que voltou a ser possível após o 25 de Abril e se encontra consagrado no art.º 207 da Constituição da República Portuguesa, é preciso que seja solicitado pela defesa ou pelo Ministério Público e que em causa esteja um crime particularmente grave. No caso do homicídio de Luís Grilo foi a acusação a pedir este tipo de julgamento, em que quatro jurados e um coletivo de três juízes decidem sobre se se justifica ou não uma condenação, bem como qual a pena a aplicar – sim, em Portugal os juízes fazem parte do júri ao contrário do que acontece nos sistemas americanos e aqui os jurados populares também têm uma palavra a dizer sobre a pena a aplicar, o que não acontece no outro lado do Atlântico, onde se limitam apenas a decidir se houve culpa ou não. Ou seja, nos EUA o júri decide a matéria de facto, se é culpado ou não, e o tribunal aplica a pena. Em Portugal, os membros togados e não togados têm o mesmo peso na decisão de condenar ou não e na pena a aplicar.

Nos últimos anos, casos como o do homicídio de Joana, o do Rei Ghob e o dos incendiários do Caramulo foram levados a tribunal de júri. Nos três os arguidos foram condenados a penas de prisão consideradas pesadas.

Defesa de Rosa Grilo não queria tribunal de júri. Porquê? A defesa de Rosa Grilo preferia que o caso fosse julgado por um coletivo, considerando que a opção do Ministério Público pode não ser a melhor para a sua cliente. Em causa estará o facto de haver uma opinião pública formada e de isso poder influenciar a decisão dos jurados populares. 

Ao i, o advogado Artur Marques, que sublinhou não conhecer este caso em concreto, explicou quais os riscos que existem num tribunal de júri: “Os parâmetros de decisão têm uma componente emocional, emotiva muitíssimo superior à de um tribunal normal. Um juiz em princípio é muito mais cerebral do que um cidadão comum que está a apreciar um caso. Um juiz é menos influenciável pelos condicionalismos de cada processo e não é por acaso que há um conjunto de crimes que está subtraído à possibilidade de se requerer o júri”.

Segundo Artur Marques o MP optou por esta solução para ter mais certeza de uma hipotética condenação. “O MP está a atentar salvaguardar-se, precavendo-se de uma análise muito racional de um tribunal, está a tentar constituir um tribunal que é muito mais influenciável pela opinião pública e pelo mediatismo. É para garantir a condenação, ter mais certeza de uma hipotética condenação”, assegura. 

Mas não é consensual que as decisões dos jurados possam ser mais emotivas e no sentido das suas experiências ou juízos. Num artigo publicado em 2017 na Vida Judiciária, os advogados Nuno Cerejeira Namiora e José Taborda davam a entender que regra geral o poder dos jurados acaba por ser limitado. “Dificilmente se concebe uma soberania popular exercida num contexto altamente permeável a influências decisórias por parte dos juízes que, não só conhecem o tabuleiro de jogo, como estão familiarizados com as suas peças e as regras pelas quais elas se movem. Parece-nos, assim, de admitir que em alguns casos, os jurados mais não consubstanciaram que aquela criança que é colocada no colo do progenitor enquanto este maneja o veículo mas deixa-a mexer no volante, sem em momento algum deter qualquer poder sobre o automóvel. Não obstante, ela deleita-se no aparente domínio que detém”, referem.
Ainda assim, os advogados concluem que se trata de “um expediente processual tipicamente instrumentalizado pela defesa ou pela acusação, questionando-se, hoje e como sempre, a necessidade e pertinência da sua subsistência”.

Quem pode ser jurado? Em Portugal qualquer cidadão nacional recenseado, com escolaridade obrigatória, menos de 65 anos, que não tenham doenças incapacitantes e não estejam presos ou tenham sido condenados a prisão efetiva podem ser membro de um júri. Mas existem cargos que são incompatíveis: um Presidente da República, um membro do Governo, um membro do Conselho de Estado ou um deputado não podem integrar um júri num tribunal – as incompatibilidades estende-se a juízes, advogados, chefes das forças armadas, polícias, funcionários da justiça, autarcas, militares e docentes de direito. Quem tiver laços com os arguidos está impedido.
Para o sorteio utilizam-se os cadernos de recenseamento eleitoral correspondentes às freguesias “integradas no âmbito da circunscrição judicial”.

O móbil do homicídio O MP acredita que Rosa Grilo e António Joaquim planearam matar o triatleta Luís Grilo para se apoderarem dos bens deste – cerca de meio milhão de euros. O crime terá acontecido entre o dia 15 e 16 de julho do ano passado, tendo sido utilizada uma arma de fogo. O corpo foi depois abandonado a 134 quilómetros da casa onde Luís Grilo vivia com a mulher. Os arguidos estão acusados de homicídio qualificado, detenção de arma proibida e profanação de cadáver.