Quando Rui Vitória chegou ao Benfica, tentou alterar o sistema de jogo. Todas as suas equipas tinham jogado em 4x3x3 e ele conhecia mal o 4x4x2. Mas os jogadores não aceitaram a mudança, e os resultados começaram a ser desastrosos. As críticas em surdina a Rui Vitória invadiram o balneário. Houve troca de mensagens – as célebres sms – entre vários jogadores encarnados e o anterior treinador, Jorge Jesus, onde Vitória era ridicularizado. Chegou-se a um ponto insustentável, e Rui Vitória teve de ceder. Os jogadores voltaram a jogar como eles sabiam, ou seja, em 4x4x2.
E, valha a verdade, até fizeram exibições superiores às da era Jesus, como se nessa altura estivessem espartilhados e se tivessem libertado.
Nesta onda, Rui Vitória ganhou dois campeonatos. No terceiro, porém, achando que já tinha estatuto para impor as suas ideias, Vitória voltou ao 4x3x3 de que nunca tinha mentalmente abdicado. Os resultados começaram a fugir. O FC Porto sagrou-se campeão, recuperando o título que lhe fugia há quatro anos. Rui Vitória ainda resistiu, mas outra série de maus resultados já nesta época deitou-o definitivamente abaixo.
O seu substituto, Bruno Lage, fez o óbvio: regressou ao 4x4x2. Se a tentativa de impor o 4x3x3 fora fatal para Vitória, só havia que voltar rapidamente ao passado. E os resultados apareceram logo. Os jogadores sentiram-se libertos e passaram a jogar com outra alegria. Como se estivessem metidos num colete-de-forças e de repente se soltassem.
Embora este fenómeno resultasse do simples regresso ao passado e não de qualquer genialidade do treinador, os adeptos acreditaram no contrário. Os adeptos estão sempre prontos a acreditar que o treinador do seu clube é o maior. Querem acreditar nisso. Até um período de maus resultados os fazer mudar de opinião, exigindo a chicotada psicológica.
O futebol é e será sempre assim.
Por via dessa vontade dos adeptos, Bruno Lage foi endeusado. Já era o melhor treinador português, à frente de Jesus e até de Mourinho. Meia dúzia de jogos tinham bastado para fazer dele um deus.
Mas é preciso deitar água na fervura. Lage limitou-se a deixar os jogadores jogarem como sabem. Ele próprio o disse, candidamente, numa recente conferência de imprensa: “Os jogadores estão a fazer de mim um treinador.” Há treinadores que puxam pelos jogadores; no caso de Lage, é o contrário – são os jogadores a puxar pelo treinador.
Por isso, é preciso dar tempo ao tempo. Até aqui, Bruno Lage mais não fez do que devolver o poder aos jogadores e deixá-los brincar. Só o tempo dirá se, quando for necessário os jogadores fazerem o que o treinador quer e não o que eles querem, Lage terá autoridade para se impor.
Mas até lá deixem os benfiquistas acreditar. Pode ser que esta “libertação” chegue para ganhar o título. E para o ano se verá.