O que se passa em certas juntas médicas?


Há notícias a mais sobre tratamentos que aparentam ser desumanos ou no mínimo vexatórios para que se continue a ignorar a situação


1. São recorrentes as notícias segundo as quais pessoas com manifestas e óbvias dificuldades em trabalhar são consideradas aptas quando se apresentam perante juntas médicas.

Constituídas por médicos que, na prática, ali têm meras funções burocráticas, certas juntas caracterizam-se por uma postura de desumanidade, sem que alguém se preocupe com os vexames a que alguns presentes são sujeitos.

Os médicos que constituem as juntas são normalmente especializados em saúde pública mas, segundo certas fontes, obedecem a critérios de seleção impostos pela burocracia da Segurança Social, que é, como se sabe, uma organização que em Portugal falha sistematicamente e cada vez mais.

Ainda no dia 4 deste mês, a TVI transmitiu uma reportagem dramática sobre a situação concreta de uma mulher nova que, na sequência de um acidente de viação, está incapacitada para trabalhar aos olhos de toda a gente menos da junta e do tribunal que apreciou o caso. O assunto, aparentemente, morreu mesmo depois do trabalho jornalístico, mas não devia ser assim. O alerta foi excessivamente grave para que, mais uma vez, nada aconteça.

Outra situação que envolve as apresentações às juntas tem a ver com relatórios técnicos que devem ser levados pelos requerentes e são uma receita para certos médicos especializados em elaborá-los, por estarem familiarizados com os seus parâmetros. São documentos técnicos que nem todos os médicos sabem fazer e pelos quais se cobra bom dinheiro. É estranho, no entanto, que os médicos que compõem as juntas não sejam eles próprios a avaliar as pessoas e os seus problemas com base na observação direta (sem exposições vexatórias, como há nota de casos) e na análise dos exames e das observações clínicas que necessariamente devem acompanhar quem se apresenta às juntas. Certas práticas apoucam pessoas já fragilizadas, que se sentem humilhadas e destratadas. Através delas podem mesmo negar-se direitos sociais que estão constitucionalmente garantidos, mas que são ignorados sem que haja quem intervenha.

Num país onde se sucedem inquéritos e investigações, embora normalmente sem resultados práticos, não seria certamente perder tempo que todas as instâncias com poderes investigassem esta matéria.

E há muitas sedes para tal: a imprensa (que é a única que cumpre) tem feito a sua parte. Mas há outras como o governo, a inspeção de saúde, a Ordem dos Médicos e, claro, o Ministério Público, que só atua quando as coisas lhe rebentam na cara, tornando-o um dos menos eficazes da Europa, apesar de desenvolver ações espetaculares do ponto de vista mediático. Muita parra, pouca uva…

2. O ministro das Finanças teima em afirmar que os contribuintes não vão ter encargos com mais uma derrapagem do Novo Banco porque vai ser o Fundo de Resolução da banca que tem de assegurar o financiamento. Simplesmente, o fundo não tem dinheiro que chegue e, por isso, o Estado adianta e os bancos pagam a 30 anos. Mais coisa menos coisa, é esta a história que Mário Centeno tem vendido. Até pode ser que, contabilisticamente, esteja tudo certo. Há, porém, um pormenor que escapa, mas que é óbvio. Acontece que quem sustenta a banca são os clientes, que pagam comissões enormes, permanentes, e recebem juros absolutamente miseráveis, enquanto os que pagam por créditos pedidos são gigantescos. Há mais clientes bancários do que contribuintes em Portugal. O segredo está na massa. No caso, a que os bancos vão buscar aos seus clientes e que são também contribuintes. E convém ainda não esquecer que a Caixa é o maior banco, sendo, portanto, duplamente suportada pelos clientes e pelos contribuintes quando alguma coisa corre mal. Portanto, toca sempre ao mexilhão…

3. Aos poucos, aperta-se o cerco à volta da desastrosa gestão de Tomás Correia à frente do Montepio. Apesar da proteção que lhe tem sido dispensada pelo governo e por Vieira da Silva, já nem o ministro tem hipótese de o segurar. O jogo do empurra entre o Ministério da Segurança Social e a ASF sobre quem tem de avaliar a idoneidade de Tomás Correia vai ter de ser resolvido, esperando-se que seja antes que tenhamos mais um caso financeiro gravíssimo. Mais de 600 mil mutualistas e depositantes só podem estar inquietos face ao que se vai sabendo e que, ao longo de anos, foi denunciado nesta coluna – uma denúncia que, recorde-se, começou quando a tutela era ainda de Mota Soares e do CDS. Para que não haja lugar a mais dúvidas, é preciso esclarecer os passos a dar para que não seja tudo outra trapalhada, para não dizer trapalhice. Primeiro, é necessário apear Tomás Correia. Segundo, é indispensável marcar novas eleições para a associação mutualista. Não se pode, em nenhuma circunstância, aceitar o princípio de que a Tomás Correia possa suceder alguém que o acompanhou na sua lista – uma solução que não reporia confiança na instituição, por razões mais do que óbvias. Há momentos em que tem de se pôr os contadores a zero e refrescar a legitimidade democrática.

 

Escreve à quarta-feira