A economia portuguesa cresceu 2,1% em 2018, menos do que foi estimado pelo governo. Era expectável?
Era. É natural atravessarmos períodos de maior crescimento e períodos de menor crescimento. Tivemos trimestres consecutivos da economia mundial a crescer e era natural que se chegasse a uma fase de abrandamento, independentemente de haver algumas razões objetivas que ainda não estão resolvidas e são importantes. É o caso das discussões comerciais entre os EUA e a China, que têm peso no comércio mundial, e de algumas dificuldades europeias, como a tensão entre Itália e França, as tensões sobre o Brexit, a incapacidade da Comissão Europeia para terminar a União bancária, a persistência e, até diria a teimosia, em querer impor-se objetivos federalistas que depois encontram dificuldades em vários países. Evidentemente todas estas situações não são o melhor ambiente para o crescimento. Agora também é indiscutível que nunca na economia mundial as bolsas reagiram tão depressa de forma positiva a algumas más notícias. Parece que está tudo a desejar continuar em frente em termos de crescimento. Em Portugal a situação é ligeiramente diferente porque estamos a crescer muito pouco e também anda tudo muito amorfo.
O governo desvaloriza nos seus discursos esse fraco crescimento…
É natural. Qualquer governo faria isso. Acho que há uma estratégia geral de pouca exigência porque também se sabe que não se pode ter resultados muito diferentes. Não me recordo nesta legislatura de alguma vez ter ouvido um conjunto organizado de medidas com o objetivo de pôr o país a crescer mais. Isso foi um assunto que nunca foi referido e está completamente fora do radar. Não é uma coisa com que as pessoas se preocupem muito.
Porque não há grandes exigências?
Não há. Tivemos durante o período de ajustamento uma reação muito positiva dos exportadores, o que permitiu continuar a subir o peso das exportações no PIB. Não temos grandes dúvidas que o caminho de progresso da economia portuguesa passa por aí, mas isso nunca foi objetivo desde o 25 de abril. Não me lembro de nenhum governo que alguma vez tenha lutado muito por isso. Tivemos uma intervenção relativamente forte e em alguns aspetos positiva e influente nos governos de Cavaco Silva no processo de reprivatização de alguns setores, mas também foi um período de grande concentração nos setores dos bens não transacionáveis, contribuindo para criar um ambiente que não é positivo entre o Estado e essas empresas, o que fez com que, durante anos, as empresas viradas para o mercado interno crescessem mais do que as outras, que tivessem melhores resultados, ou seja, tinham todas as vantagens possíveis. Só a partir do segundo acordo com o Fundo Monetário Internacional, em 1983/85, é que foi restabelecido um balanço entre empresas exportadoras e não exportadoras. Hoje em dia temos setores que voltaram a ser importantes para a economia portuguesa, como é o caso do têxtil e do calçado, mas depois temos muitos outros, como a metalomecânica, motores elétricos e tudo o que se construiu à volta da Autoeuropa e que tem sido muito importante para o reequilíbrio da balança corrente.
Há muitas empresas, nomeadamente do setor da metalomecânica que falam em falta de mão-de-obra…
Para lhe dar um exemplo próximo, nos últimos 20 anos a Espanha aumentou a sua população em 16%. Portugal aumentou 1,3%. Se não tivermos mais pessoas como é que conseguimos criar mais emprego? As pessoas também não estão muito interessadas em vir para Portugal porque as condições não são muito boas. Quando olhamos para o diferencial de salários entre o que ganha um médico em Portugal e o que é oferecido a um médico na Galiza ficamos com uma ideia clara do desnível que existe. As pessoas que podem emigram e depois é muito difícil com as condições atuais que oferecemos atrair muita gente. Depois há muitos cá dentro que conseguem não trabalhar por vários outros esquemas: rendimentos sociais de inserção, subsídios de desemprego, programas de formação, etc. Temos uma das taxas mais elevadas de jovens que não estudam nem trabalham. Como temos uma população ativa que não tem crescido, os setores que estão em expansão enfrentam essa dificuldade em recrutar. Há coisas que as empresas podem fazer individualmente, mas há muitas outras que têm de ser feitas em colaboração com o Estado e se quisermos atrair gente de outros países para trabalhar em Portugal vamos ter de ter formações específicas adequadas para isso e têm de ser enquadradas num projeto. O problema é que esse projeto não existe.
Não existe por falta de interesse ou por falta de estratégia?
Porque se faz muito pouco. Vivemos num clima do ‘deixa andar’. Demoramos anos para resolver qualquer assunto e as coisas arrastam-se. Isso não é muito atraente. E viu-se isso com a maior parte dos refugiados que atravessaram o Mediterrâneo e não estavam interessados em vir para cá.
No Orçamento do Estado deste ano, o governo apostou em atribuir benefícios fiscais aos imigrantes que quisessem regressar ao país. Foi insuficiente?
Acima de um certo nível de vencimento, os benefícios atribuídos não são suficientes para fazer ninguém voltar. E as pessoas não foram lá para fora só por causa das condições salariais. As pessoas foram lá para fora porque acharam que tinham possibilidades de lutar por uma promoção profissional e que cá é muito difícil porque uma economia que cresça abaixo dos 4 ou dos 5% não cria postos de trabalho de chefia. Os jovens entram e têm dois ou três andares de chefes à frente deles que não vão morrer tão cedo, ainda por cima, morremos todos cada vez mais tarde. As pessoas pensam ‘o que é que estou aqui a fazer?’ E vão-se embora.
Tem dito várias vezes que a economia portuguesa tem condições para crescer acima dos 4%…
Então não tinha? Se durante o período de ajustamento da troika conseguimos ganhar quota de mercado e foi um período de ajustamento extremamente difícil porque a economia europeia não estava a crescer, isso mostra que é possível.
Então porque é que a economia não cresce mais?
Porque não se faz nada para isso, até se faz tudo ao contrário disso. Vimos a burocracia a reduzir-se ou os impostos a simplificarem-se? Não se vê nada. Nesses aspetos estamos rigorosamente no mesmo sítio em que estávamos.
Também disse que há coisas que se arrastam. Um desses casos a greve dos estivadores. Teve efeitos nas exportações?
Teve reflexos no curto prazo e vamos saber se não terá reflexos em alguma decisão da Volkswagen em não aumentar o investimento em Portugal.
Além do conflito interno que também se arrastou na Autoeuropa…
Toda a gente sabe há 30 ou 40 anos que a ausência de uma regulamentação da lei da greve é muito propícia para que as greves sejam manipuladas por questões políticas e não por questões laborais. E mesmo assim continuamos exatamente como estávamos, com alguns fenómenos novos, agora temos o problema do crowdfunding, que é um problema de que não se falava há 20 anos. Foi por razões deste género que a Ford e a General Motors se foram embora da Azambuja.
E não foi assim há tanto tempo…
Mas ninguém se lembra.
É um problema de memória…
Com certeza. As pessoas não refletem, não analisam as coisas. Tem acima de tudo perceções. Agora analisar as conclusões de um estudo? Isso não interessa nada e ninguém tem paciência para ouvir.
O que está à espera este ano em termos de crescimento?
Não fizemos coisas que nos permitissem ter uma evolução diferente. Deveríamos ter apostado na atração do investimento direto estrangeiro. Não houve nenhum projeto novo e não temos um projetos desses há não sei quantos anos.
Há o exemplo da Google…
Esse não conta. A empresa aluga um escritório e contrata 100 ou 150 pessoas.
Tinha de ser uma Autoeuropa?
Tinha de ser uma coisa na área industrial ou uma coisa à séria na área dos portos.
Fala-se em vários investimentos nos portos, nomeadamente no porto do Barreiro…
Não consigo perceber a opção do Barreiro porque desde os riscos ambientais ligados à dragagem de um canal – onde são depositados resíduos industriais há cem anos, o que é uma operação complicada – junta-se uma outra dificuldade que é a de continuamos a nunca querer definir prioridades. Andamos há dois ou três anos a adiar a renegociação do terminal de Singapura em Sines, onde neste momento as operações estão limitadas a um milhão de contentores por ano, quando podíamos aumentar até quatro ou cinco milhões de contentores se alargássemos as instalações portuárias. Não há risco comercial na decisão porque sabe-se que existe essa necessidade, e, mesmo assim, não se faz. Podíamos fazer mais uma série de outras operações ligadas a todo esse comércio internacional que nos passa aqui à frente, porque isso é uma coisa que ninguém consegue estragar porque ou é uma fatalidade geográfica ou uma sorte, mas não aproveitamos. Normalmente se falarmos em prioridades fazemos logo uma lista: Leixões, mais Aveiro, mais Figueira da Foz, se possível fazer um porto em Peniche, depois Tejo Norte, Tejo Sul, depois Setúbal, Sines e Portimão. Alguém acredita que haverá dinheiro para tornar tudo isto prioritário? É evidente que não.
A isto junta-se o aeroporto do Montijo e as apostas na ferrovia…
Não há dinheiro para isto tudo.
Acha prioritária a construção do novo aeroporto do Montijo?
Ninguém duvida de que é necessário, basta ir à Portela para ver isso. Além disso, há muitos investimentos que estão em curso na área de hotelaria, de congressos, não só em Lisboa, mas espalhados por outras zonas, que precisam de um aeroporto que permita assegurar esse crescimento da atividade. Neste momento não há mais voos porque não é possível atribuir mais.
E se começarmos a assistir a um abrandamento do turismo?
O aeroporto está acima da capacidade e, por isso, é inevitável investir numa nova infraestrutura. Mas a grande responsabilidade de não haver dinheiro para todos esses projetos é do atual governo porque quis gastar toda a folga que tinha em seduzir os eleitores da função pública. O dinheiro foi todo para aí.
Mas nem assim agrada à função pública…
Isso já é uma coisa extraordinária que não consigo explicar. Acho que se criaram expectativas exageradas, mas já toda a gente se apercebeu que o primeiro-ministro está muito refém dessa necessidade absoluta de comprar votos a qualquer preço. E as pessoas aproveitam-se disso.
O governo diz que não tem dinheiro…
E ficava muito admirada se depois viesse a verificar uma coisa diferente? O que é mais perigoso é a perda de credibilidade dos governantes perante a opinião pública. Se toda a gente pensar que eles são uns aldrabões e que dizem qualquer coisa a curto prazo, isso não é muito propício ao investimento.
E se não ceder pode comprometer os resultados eleitorais…
Confesso que já me preocupei mais com os resultados eleitorais do que agora. Acho que o grande problema é a insatisfação da opinião pública porque os governos com algum desfasamento acabam por ir ao encontro do que os eleitores acham. É uma das características básicas da democracia e, mesmo assim, acho que em Portugal está-se a mover mais devagar do que em outros países. Por exemplo, há dois ou três anos era impensável a ideia de surgirem novas forças políticas.
Acha que o partido de Santana Lopes pode tirar votos ao PSD ou ao CDS?
Ninguém tem dúvidas que o nosso método de Hondt penaliza as não coligações, mas nos partidos incumbentes, nomeadamente no PSD e no CDS, não há grande abertura para mudar de pontos de vista. O aparecimento de concorrência é sempre bom e não há dúvidas que o discurso do PSD foi incompreensível durante meses. Só a partir do momento em que Montenegro se chegou à frente é que aquilo se agitou um bocadinho.
Isso poderá favorecer o PS?
Talvez.
E a criação de uma nova gerigonça?
Talvez possa. Durante um determinado período, as pessoas pensaram que o PS sozinho seria muito diferente do PS com o apoio do Bloco e do PCP. Acho que uma parte crescente do PS está cada vez mais parecida com o Bloco, o partido socialista do tempo de Mário Soares se calhar já não existe. E era de um facto um partido mais ao centro e que estava mais próximo dos outros partidos centro de esquerda da Europa. A esquerda portuguesa sempre quis acabar com os ricos, a esquerda escandinava queria acabar com os pobres. São duas posições radicalmente diferentes e se lá o que se queria era que o sistema resolvesse os problemas de um número crescente de pessoas – e isso era feito essencialmente com base no setor privado e nas regras da economia de mercado – por cá isso nunca foi discutido, mesmo que em termos sociais fossem muito mais progressistas do que cá, a economia sempre beneficiou de condições normais para funcionar fosse qual fosse a mudança de governo. Nós aqui não devíamos aspirar a mais do isso, mas não é o que acontece. O governo prefere fazer tudo com soluções publicas.
Um desses casos é a implementação das 35 horas semanais que o Fórum para a Competitividade classificou de luxo?
Toda a gente critica essa medida e não é só as 35 horas semanais. Os funcionários públicos também têm direito a ter reforma mais cedo, trabalham menos anos, menos horas, têm mais feriados e contam com sistemas de avaliação mais ligeiros.
Até o próprio salário mínimo nacional é diferente do privado para o público…
Sim. E porquê se trabalham menos horas? É só por questões eleitorais.
Acabam desta forma por tratar os portugueses de forma diferente?
Se os portugueses votam nisso o que é que havemos de fazer? Podemos pedir mais, mas não resulta. As pessoas têm uma tendência enorme para olharem para o curtíssimo prazo e para aquilo que lhes favorece pessoalmente, já nem é o que favorece a família, quanto mais a sociedade.
E em relação aos enfermeiros. Como viu toda essa “trapalhada” da guerra com o governo, ilegalidades e requisição civil?
Acho que o caos vem do facto de as pessoas estarem muito mais focadas na discussão ideológica subjacente ao serviço nacional de saúde do que propriamente na qualidade dos serviços que prestam. Vivemos em guerrilha ideológica praticamente desde 1974. Qualquer assunto é sempre visto ideologicamente. Se as pessoas disserem que determinada coisa tem de funcionar de certa maneira vem alguém dizer que estamos a querer que sejam os privados a fazer isso. Estou-me borrifando se são privados ou públicos, o que as pessoas querem é não esperar horas, terem resultados em que possam acreditar e que as coisas sejam comportáveis em termos globais. No setor da saúde, independentemente de haver um objetivo político de beneficiar de uma determinada parte do país por razões eleitorais – seria completamente diferente se as reversões beneficiassem toda a gente por igual, mas não foi isso que aconteceu – o que tornou ainda mais difícil atrair profissionais foi o facto de não temos grande possibilidade de crescer mais a economia e de oferecer muito melhores condições às pessoas. Isto é um sistema que se derrota a si próprio. Como é que uma coisa destas se resolve? O governo prometeu que iria resolver os problemas, criou-se uma dinâmica de as pessoas estarem à espera do melhor e não se fez os investimentos correspondentes à modernização que era necessária porque esse dinheiro foi fundamentalmente para compensar as 35 horas. E no serviço nacional da saúde isso é mais do que evidente. Há anos seguidos que o volume global do investimento é inferior à amortização do ativo do país, ou seja, temos um ativo que se vai desvalorizando porque não vão entrando coisas novas. Não podemos deixar de cumprimentar o ministro das Finanças por cumprir os números do défice, nem quero imaginar o que é que aconteceria se não o fizesse porque o país iria precisar de financiamento externo porque a nossa dívida em termos totais continua a aumentar, mesmo que a percentagem do PIB seja ligeiramente mais baixa. O que aconteceu foi que o ministro das Finanças fixou um montante global para a despesa, mas depois esse valor vai mais para uns sítios e menos para outros.
O ideal seria voltar para as 40 horas?
O ideal era não se ter feito isso. Já viu o que é andar para trás com uma coisa dessas? Imagine o que seria pôr todos os que passaram a trabalhar sete horas por dia a voltar a trabalhar oito horas quando já se habituaram a receber mais uma hora extraordinária. Os dias têm 24 horas e isso ninguém conseguiu mudar e para fazer três turnos, dividir 24 por três dá oito, não dá sete. Isso dá uma hora extraordinária porque as pessoas mantiveram o seu ordenado e viram reduzida a sua carga horária de 40 para 35 horas semanais, ou seja, passaram a receber mais 14% por hora. Como é que há dinheiro que chegue para isso? Aliás, essa sensação de que tudo é possível e não vale a pena fazer contas foi inaugurada por António Guterres quando reduziu os horários de trabalho de 44 para 40 horas semanais, sem a corresponde redução dos vencimentos e foi a partir daí que deixámos de crescer e entrámos em desequilíbrio. Uma boa parte dos problemas que temos hoje nasceu em 1995.
E que nunca foi possível corrigir?
Nem era possível. Acha que Passos Coelho se sente muito recompensado pelo esforço que fez? É tratado pior do que todos os que estiveram na origem desta situação que vivemos.
O que é que se pode fazer?
Era preciso que fossem feitos acordos de regime em relação a um conjunto de assuntos. Aliás, a discussão da lei de Bases da Saúde é bem exemplificativa da incapacidade que a sociedade portuguesa tem de se concertar – e ninguém achará que a saúde é pouco importante.
E os professores são outro exemplo…
Os nossos professores são dos mais bem pagos ou os segundos mais bem pagos em paridade de poder de compra da União Europeia. Além disso, têm um sistema, onde sem avaliação, as progressões são as mais favoráveis da função pública. Por isso é que sentem que perderam tanto durante aqueles anos em que não houve progressões. Mas também toda a gente sabe que não há dinheiro para pagar aquilo. E no dia em que pagarem vêm depois os juízes, as forças de segurança e todos os outros atrás. Temos em Portugal um problema que é o modelo de fixação de salários que temos há muitos anos e nunca ninguém quer resolver isso.
Mas os salários de uma forma geral continuam a ser muito baixos…
Não estou a dizer que os salários devem ser altos ou baixos. Acho que para muitas pessoas até são mais altos do que deviam, pois não deviam ser tão altos para os que apresentam maior absentismo ou para os que não se importam com o que se passa ou para os que ficam em casa. Está muito mal repartido. Tinha de haver uma avaliação mais séria, se calhar devia-se apostar numa parte variável. Mas é evidente que temos um movimento sindical que, no essencial é comandado por líderes comunistas, que defendem um modelo económico-social que não existe em sítio nenhum com sucesso então por aí não chegar a sítio nenhum com certeza.
O facto de o governo ser apoiado por partidos de esquerda não influenciará estas paralisações?
Eles pensavam que era o contrário, como estavam apoiados pelos partidos de esquerda teriam paz social.
E garantiram essa paz durante os dois primeiros anos…
Garantiram enquanto lhes interessou e agora provocam instabilidade porque lhes interessa. Querem mostrar a força.
Mas o que é certo é que o país tem parado…
Em parte sim e, com isso, perdemos muitas oportunidades, o que terá consequências ao nível global. Não é muito natural que praticamente não haja nenhum país da União Europeia que não nos vá ultrapassando. Lembro-me de ir ao Leste da Europa quando começaram a sair dos regimes comunistas e aquilo era uma coisa assustadora em termos de atraso, o que não se verifica agora.
O Fórum para a Competitividade disse recentemente que Portugal só conseguiria atingir a média da União Europeia em 2049 e que até a Grécia vai crescer mais do que nós…
Esses dados têm saído das projeções de várias organizações internacionais, não inventamos estatísticas. É impressionante como vamos precisar praticamente de 20 anos para voltar à rota de crescimento em que estávamos antes da crise.
Os sinais estão aí. Um deles diz respeito ao número recorde de empréstimos concedidos. Não aprendemos com a crise?
As pessoas nunca aprendem, fazem enquanto podem. Vimos notícias na crise anterior em que havia pessoas que tinham créditos em vários bancos e nunca tinham somado quanto é que tinham de pagar por todos e quanto é que isso representava do seu orçamento. Isso mostra que há sempre uma percentagem grande de pessoas que se tiverem crédito vão gastar, a não ser que estejam com medo do futuro. Ultimamente disseram-lhes que ia tudo ser muito bom e, por isso, andaram para a frente no sentido do consumo. Acho isso natural: as pessoas querem ter um carro melhor, viajar mais, arranjarem-se melhor, o que não é natural é não perceberem ou não quererem perceber ou fingirem que não percebem para que essas coisas sejam possíveis é necessário mudar alguns dos seus outros hábitos. Quando as pessoas veem os governos todos a prometerem imensas coisas no SNS, mas nunca o dotarem das verbas necessárias para fazer face aos compromissos que estavam a assumir como é que resolveram isso? Pagando aos médicos e aos enfermeiros abaixo do que ganhariam em qualquer sítio. Era evidente que esta situação não poderia demorar muitos anos porque entrámos na União Europeia, passou a haver livre circulação de pessoas e passaram a existir cada vez mais pessoas a falarem inglês. Com estas mudanças porque é que haveriam de ficar cá? Agora ficamos muito admirados porque os médicos acabam o curso, que é muito exigente, recebem 1200 euros por mês e ao fim de não sei quantos anos aproximam-se dos dois mil euros quando na Galiza oferecem quatro mil euros mensais e na Irlanda oferecem 10 ou 11 mil euros. Essas pessoas individualmente até acham que o sistema devia estar organizado de outra forma, mas o país coletivamente não se predispõe a mudanças, as pessoas não querem. Isso é uma responsabilidade das elites, que deviam explicar-lhes isso – e quando digo que é uma responsabilidade de elites não é só uma responsabilidade dos governantes, é também uma responsabilidade empresarial e se calhar dos sindicatos. Não sei se o presidente ou secretário-geral do sindicato dos professores gosta muito do papel que está a desempenhar, mas a única matéria relevante para os professores é discutir se são dois anos, nove meses e não sei quantos dias quando temos um sistema de ensino que ao nível dos resultados é muito fraco. Toda a gente acha que é natural que Mário Nogueira continue só a falar de uma parte do problema? E o problema da qualidade de ensino não interessa nada? E termos cada vez menos jovens porque nascem menos e a população dos professores não diminui? E agora vamos outra vez diminuir o número de alunos por aulas quando se sabe que é a forma mais cara de melhor a qualidade de ensino? Há muitas outras medidas que poderiam ser tomadas, mas os sindicatos não querem e são estes que mandam no ministério da Educação.
Que tipo de medidas?
Por exemplo, mudar a avaliação dos currículos, mas todas as alterações deveriam ser feitas de uma forma objetiva. Não se pode passar a vida a mudar os programas, nem se pode implementar alterações antes sem as terem antes aplicado num número restrito de escolas e de terem algumas garantias que isso dá resultado. Isso está tudo descoberto. Se for à Finlândia, ao Canadá ou a Singapura, que são provavelmente os três países com os melhores sistemas de ensino do mundo, têm todas essas coisas todas estudadas e pagam muitíssimo bem aos professores, mas são avaliados. Não há ninguém em Portugal que tenha autoridade para exigir que as coisas sejam feitas de outra maneira? Não pode ser. É possível repetirem greves continuamente pelos mesmos temas sem ninguém querer saber qual é a fundamentação? Não há ninguém do lado do governo que explique quais são as vantagens que os professores têm em Portugal quando comparados com outros países? O ministério quer ter boas relações com o sindicato ou devia ser o sindicato a querer ter boas relações com o ministério? Isto é tudo um conjunto de decisões erradas e de gente muito pouco competente com decisões ministeriais. Continuamos a ter vagas por preencher na engenharia sendo das especializações que tem mais empregabilidade. Se temos um povo, graças a Deus que, em média é inteligente, então porque é que aceitamos que todos devem fugir das matemáticas?
É uma questão cultural…
Mas só se criam questões culturais parvas. Então tem de reconhecer que há essa dificuldade e deve-se tentar resolver. O ministro anterior ainda tentou mudar o ensino de matemática, mas não pararam enquanto não quiseram andar com isso para trás, apesar de ter dados bons resultados.
E como vê a questão do Novo Banco precisar de nova injeção de capital de mais de 1100 milhões de euros?
É mais uma trapalhada. Em primeiro lugar é evidente que o Banco de Portugal não sai bem na divisão do banco bom e do banco mau e depois sai bastante mal ao nível da forma como vendeu o banco. O Banco de Portugal não foi com certeza mal intencionado, mas foi incompetente porque disse que vendia, mas que não pagava nada do passado. Nessa altura, a maior parte dos concorrentes desapareceram, ficou um e depois a este um já disse que pagava o passado. A partir do momento em que decidiu que era para pagar o passado então deveria ter chamado os outros novamente. Não sou contra nem a favor de nenhum dos concorrentes, mas sou contra o facto de não haver concorrentes. É evidente que o Estado foi pior tratado por causa disso e por sua responsabilidade, aliás, por responsabilidade do Banco de Portugal. Foi definido um teto de injeção de capital mas de certeza chegará lá.
Em relação à Caixa Geral de Depósitos ficou surpreendido com os resultados da auditoria?
Não. Fico é surpreendido por se querer limitar a análise do banco a esse período. É evidente que quem olha para aquilo percebe que uma grande parte da catástrofe financeira deriva de um plano entre o antigo primeiro-ministro, José Sócrates e o antigo governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, que meteram na cabeça que podiam pôr a Caixa Geral de Depósitos a financiar uma ambição que eles tinham que era tomar conta do BCP e uma grande parte dos problemas vem daí.
Que consequências é que podemos tirar disso?
As minhas já as tinha tirado. Assistimos durante o período de Sócrates a coisas completamente impensáveis, como assistimos depois, o que é mais extraordinário, a uma tentativa de branqueamento desse período. Aqueles anos finais foram uma coisa inacreditável e ninguém imagina o custo que isso teve para o país a quebra de crescimento que tivemos por causa do ajustamento que fomos obrigados a fazer pela situação em que nos pusemos. Estou à vontade para dizer isso porque lembro-me de ter dado uma entrevista, muito antes da crise financeira, em que disse que íamos estar falidos num prazo de 10 anos.
Nem chegou aos 10 anos…
Pois não, porque a crise financeira antecipou isso. Mas o que é extraordinário é que passados estes anos temos uma situação em que ninguém foi tentar ver quais foram os grandes responsáveis e principalmente que tipo de atuações é que deveriam ter sido evitadas.
A culpa morre solteira?
Mas isso acontece porque é facilitado por toda a gente, nomeadamente pela comunicação social.
E a troika fica como bode expiatório?
Exatamente, porque a esquerda controla a comunicação social. Os jornalistas são quase todos do Bloco de Esquerda.
Acha que seria necessária a entrada novamente da troika em Portugal?
O que seria uma perspetiva assustadora é que nos deixassem sozinhos num período de dificuldade. O que vou dizer se calhar é desagradável, mas estas histórias todas que falámos são conhecidas nos círculos europeus e não nos deixam ficar muito bem na fotografia, como é evidente. Eles acham que resistimos o mais que podíamos a fazer as ditas mudanças e toda a gente a todos níveis tornou o ajustamento tão difícil quanto pode. Dizem que nos portámos muito bem, somos os tais bons alunos, e é isso que se usa em diplomacia, mas lembro-me desse período em que praticamente todas as semanas havia um editorial de um jornal a dizer mal da senhora Merkel que meteu cá não sei quantas dezenas de milhões de euros, sabendo que os eleitores dela não concordavam. Aquilo foi uma atitude corajosa e mal paga. Acho que hoje em dia não há essa mesma abertura para fazer resgates.
A própria União Europeia está fragmentada…
E acham que já tivemos essa oportunidade. Por exemplo, em relação aos fundos comunitários também acham que não os temos utilizado da melhor forma possível e, por isso, há uma grande resistência em aumentar os fundos.
Para a próxima semana, o Fórum para a Competitividade vai organizar um seminário sobre o projeto Porter. O que se pode esperar?
O que tentámos fazer foi analisar o que foi proposto pelo projeto Porter e o que foi feito. Apesar de tudo surgiram alguns resultados em alguns clusters propostos por ele e até em setores em que se calhar ninguém estava à espera que o professor Porter tivesse tanta razão. Se ele viesse hoje de certeza que iria propor coisas diferentes e acho que a mais importante seria o problema da digitalização da economia. O estudo da McKinsey que foi feito para a CIP fala na possibilidade de Portugal perder pela digitalização 1,1 milhões de empregos e de criar alguns em atividades novas. Uma das coisas que tem de ter uma prioridade nacional é melhorar fortemente as competências das pessoas nessa área, onde o nosso ensino ainda está muito atrasado. Isso vai ser de grande importância como pode imaginar, termos um milhão de postos de trabalho obsoletos.
Vai ser preciso criar novas visões…
Exatamente. Isso seria um dos objetivos e é uma das conclusões que pretendemos avançar. Em termos médios, metade das tarefas repetitivas que as pessoas fazem hoje em dia podem ser substituídas por máquinas e ninguém tem dúvidas em relação a esse respeito. Mas implica saber quantos é que vamos conseguir pôr a fazer coisas mais interessantes e deixar as máquinas fazer os trabalhos rotineiros ou se vamos querer manter as pessoas a fazer coisas que já podem ser feitas pelas máquinas.
E o que é que acontece às pessoas que não estão viradas para essa parte tecnológica?
O que é que acontece? Viram-se para a parte tecnológica.
Mas não podemos pensar que todos têm essas aptidões…
Acha que é possível ter grandes aptidões para fazer um check in eletrónico ou outras coisas nesse género? Há muitas pessoas com poucas habilitações que usam o smartphone lindamente. De facto o Steve Jobs foi espantoso na forma como conseguiu conceber uma coisa que quase qualquer pessoa consegue usar. Não é preciso ser licenciado em coisa nenhuma para usar um smartphone. As pessoas são naturalmente adversas à mudança e tem de haver algum esforço nesse sentido, mas de facto quando são obrigados a desenvolver novas competências conseguem. Se a nossa atitude for de compreensão perante as pessoas que não querem a mudança então voltamos à Idade Média. Ninguém espera por nós, os outros países estão-se a mover, querem todos viver melhor, querem aprender novas coisas, querem ser nossos concorrentes e nós achamos que podemos ficar sentados a ver? Não podemos, mesmo que seja incómodo, o mundo atual é assim.