Rui Pinto não quer ser julgado em Portugal: “É uma questão de vida ou  de morte”

Rui Pinto não quer ser julgado em Portugal: “É uma questão de vida ou de morte”


Tribunal de Budapeste decidiu extraditar o hacker português, que já recorreu da sentença e agora aguarda pela decisão do tribunal superior


Foi com a velha máxima “a melhor defesa pode ser o ataque” que Rui Pinto se apresentou esta terça-feira no Tribunal Metropolitano de Budapeste. 

O colaborador do Football Leaks não se poupou nos argumentos para evitar a sua extradição para Portugal, que, ainda assim, não foram suficientes para convencer a justiça húngara – que decidiu mesmo extraditar Rui Pinto para ser julgado pela justiça portuguesa.

Durante e após a audiência, o pirata informático criticou ferozmente as autoridades portuguesas, em quem, disse, não tem confiança; garantiu que tudo o que fez foi do “interesse público” e lamentou ainda o estado do futebol português, que considerou “estar podre” e viver “na cultura do clubismo”. 

Além disso, o hacker português pediu para não ser extraditado, alegando tratar-se de uma “questão de vida ou de morte”.

 Mais: após conhecer a decisão do tribunal, Rui Pinto assegurou que “repetia tudo o que fez”, que não se “arrepende de nada” e que não “recebeu um cêntimo”, ao contrário do que muitas vezes foi adiantado. 

“Portugal quer tratar-me como um Bin Laden” Ainda em tribunal, Rui Pinto deu a conhecer o seu desejo de continuar a colaborar com a justiça francesa, a que oferece mais garantias de querer lutar contra crimes relacionados com o futebol. As autoridades francesas foram também as únicas a oferecer um programa de proteção de testemunha, uma situação que o gaiense lamenta nunca tenha sido uma opção para Portugal. “A minha prioridade é colaborar com a justiça francesa, que foi a que me mostrou mais garantias. Portugal nunca quis saber de mim. Portugal agora quer pôr a minha cabeça a prémio, quer mostrar-me como um troféu, quer tratar-me como um Bin Laden. Foi essa a perceção que tive da conferência de imprensa de Carlos Cabreiro [diretor da Unidade de Combate ao Cibercrime e Criminalidade Tecnológica da Polícia Judiciária]”.

Para Rui Pinto fica, porém, a certeza de que estas denúncias não vão alterar em nada o ponto de situação do futebol português e a corrupção neste meio: “Temos inspetores da PJ, magistrados, juízes que, infelizmente, levam a paixão clubística muito a sério, recebem convites VIP para assistirem a jogos de futebol. Basta isso para se perceber que as coisas em Portugal não vão mudar. Portugal está podre. Entristece-me. Vejo outros países motivados para lutar contra a corrupção no futebol e Portugal não está. É tudo uma treta. O que se tem passado no caso dos emails, e-toupeira… Não vai acontecer nada.”

O português abordou ainda as suspeitas sobre uma alegada relação de elementos da Polícia Judiciária (PJ) com a Doyen, situação que considera “gravíssima” e “escandalosa”.

“Se elementos ligados à Doyen tiverem reuniões clandestinas com inspetores da PJ que nem fazem parte do processo, isto é gravíssimo. Quando vemos inspetores da PJ a usarem emails pessoais para falarem com elementos da Doyen e tratarem-se quase como amigos, é gravíssimo. O Ministério Público investiga? Não quer saber disso. Provas? Tenho, estão em França. Entreguei provas disso às autoridades francesas. Têm documentos claríssimos que mostram que a investigação foi feita de maneira completamente irregular. Isto é escandaloso.”

Apesar de ser adepto do FC Porto, Rui Pinto também fez revelações sobre os azuis-e-brancos e confessou ter ficado a saber algumas coisas que o “entristeceram muito”. “O Football Leaks revelou pormenores bem interessantes do FC Porto, por exemplo, a colaboração com a Doyen, também comportamentos que considero estranhos em relação à participação do filho de Pinto da Costa, Alexandre Pinto da Costa”, declarou. E continuou: “Também outro fundo registado na Áustria, em Viena, chamado Danubio, e outras coisas que me fazem acreditar que possa talvez haver desvio de fundos no FC Porto, o que me entristece.” “Pinto da Costa, para mim, é um dos melhores presidentes que o futebol europeu já teve, mas também comete erros. E entristecem-me algumas coisas que soube sobre o FC Porto”, sentenciou o pirata informático, que voltou a negar mover–se mediante os interesses do atual campeão nacional.

O pirata informático revelou ainda que os custos da sua defesa estão a cargo de uma fundação americana que “se dedica a ajudar whistleblowers [denunciantes]”.

Recurso poderá demorar entre uma e três semanas Depois de ter conhecido a decisão do tribunal húngaro, a defesa do hacker português recorreu da extradição de Rui Pinto, relembrando que o mandado de detenção nacional foi emitido após um mês da sua detenção em Budapeste. “No entender da defesa de Rui Pinto, um dos motivos porque não deve ser cumprido o MDE (mandado de detenção europeu) é o facto de o mesmo ter sido emitido invocando um mandado de detenção nacional que não existia e que só veio a ser emitido um mês depois da detenção de Rui Pinto em Budapeste ao abrigo do MDE”, lê-se num comunicado enviado à agência Lusa pelo advogado Francisco Teixeira da Mota, que representa o português. O recurso tem “efeito suspensivo imediato” da decisão, pelo que Rui Pinto, revelou o próprio, vai agora passar “umas noites numa prisão húngara” a aguardar pela nova decisão judicial.

De acordo com o representante português, o recurso sobre a extradição de Rui Pinto poderá demorar entre uma e três semanas.

Recorde-se que Rui Pinto está indiciado de seis crimes – dois de acesso ilegítimo, dois de violação de segredo, um de ofensa a pessoa coletiva e outro de extorsão na forma tentada. Porém, nenhum deles está relacionado com o Benfica ou o FC Porto.

Os crimes estão antes relacionados com o Sporting, que terá sido uma das vítimas do acesso ilegítimo a correspondência eletrónica.

Além disso, Rui Pinto terá acedido, em setembro de 2015, ao sistema informático da Doyen Sports Investments Limited, com sede em Malta, que celebra contratos com clubes de futebol e sociedades anónimas desportivas (SAD).

Desde o passado dia 18 de janeiro que Rui Pinto está em prisão domiciliária na capital húngara, onde reside, de resto, desde 2015.