CDS. Esquerda e PAN seguram Costa no dia em que Cristas liderou oposição

CDS. Esquerda e PAN seguram Costa no dia em que Cristas liderou oposição


Primeiro-ministro considerou iniciativa “ato falhado” e líder centrista assumiu o papel de oposição. No PSD, Fernando Negrão ficou em silêncio e explicou, mais tarde, que a moção era desnecessária


A moção de censura do CDS ao governo foi esta quarta-feira chumbada no parlamento, sem qualquer surpresa, por toda a esquerda e pelo PAN, com 115 votos contra e 103 a favor (dois deputados do PSD e um deputado do PEV não conseguiram fazer o registo). No rescaldo do debate, a líder centrista, Assunção Cristas, perdeu nos votos, mas reclamou para si o papel de oposição ao executivo socialista. O PSD nem esgotou os seus tempos regimentais de intervenção e o líder parlamentar, Fernando Negrão, ficou em silêncio.

“Ainda bem que há o CDS para fazer oposição! Ainda bem que há o CDS para usar todos os instrumentos parlamentares ao dispor da oposição!” começou por dizer a líder do CDS, na abertura da discussão. 

O primeiro-ministro considerou que a moção era “um ato falhado” e que a “anunciada rejeição da moção de censura reforça” a credibilidade internacional do governo. Mais, Costa optou por colocar Mariana Vieira da Silva, a nova ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, a encerrar o discurso do lado do executivo, para sustentar que “o governo sai com a confiança reforçada no rumo seguido ao longo destes três anos”. 

  Antes, o líder parlamentar socialista, Carlos César, tinha classificado de “cómico” o voto a favor do PSD na moção, o único que acompanhou o CDS na censura ao executivo, porque a iniciativa não era mais do que um ataque ao PSD. E fechou a sua intervenção, no derradeiro minuto de debate, com um “muito obrigado pela vossa oportunidade”. Isto é, quis fazer a leitura do reforço de confiança no executivo. O sinal de apoio já tinha sido dado durante duas horas e meia e a frase da deputada Heloísa Apolónia, do PEV, sintetizou parte dos argumentos da esquerda: “Um xeque ao Rio”, disse,  numa referência direta ao presidente do PSD, Rui Rio. 

De facto alguns deputados do PSD estranharam a estratégia do partido, com Fernando Negrão sentado na primeira fila, a deixar falar três deputados – Ricardo Baptista Leite, Emídio Guerreiro e Joana Barata Lopes – sem  esgotar tempos. A falta de investimento público, ou um “primeiro-ministro  que acredita que as vacas podem voar”, foram os argumentos usados pelos sociais-democratas. Negrão ainda justificou aos jornalistas  que a moção era “desnecessária” e que não se iria colocar em “bicos de pés”.  Horas antes, o vice-presidente social-democrata David Justino acusou, na TSF,  o CDS de radicalizar o discurso, classificando a moção de “cartuxo de pólvora seca”. A competição entre os dois partidos estava assumida, apesar de ser desvalorizada no PSD.

 No parlamento, o  palco foi de Assunção Cristas que chegou a sugerir a Costa que trocassem de papéis para governar o país. E não deixou de desafiar o PCP e o Bloco para avançarem, eles próprios, com moções de censura para os portugueses se poderem pronunciar já no dia 26 de maio, numa espécie de dois em um: eleições europeias e legislativas ao mesmo tempo.

“Se quer ajuda para governar, então troquemos e veremos qual é a diferença”, atirou Assunção Cristas ao primeiro-ministro, no final de uma segunda intervenção em que deixou a pergunta: “Onde é que está a paz social?”. Na réplica, António Costa recusou a troca: “Senhora deputada, não vale a pena, já vimos”. Para o primeiro-ministro a experiência do governo anterior demonstrou as “qualidades” para governar da líder do CDS, designadamente na “liberalização do eucalipto” ou na lei das rendas, que deixou um lastro de problemas, segundo os socialistas.

Pavilhão atlântico como arma de arremesso

O CDS ouviu vezes sem conta o argumento da esquerda que a moção servia apenas para um momento de encenação, mas Cristas não se livrou também de ser atacada com o caso da venda do Pavilhão Atlântico. Está em curso uma investigação sobre a operação de venda do espaço a  Luís Montez, genro de Cavaco Silva, sob a alçada política de Assunção Cristas. Por isso, o  deputado do PS Ascenso Simões lembrou que a iniciativa de avançar com uma moção talvez fosse para “esconder um fantasma”. A alusão era uma indireta à investigação do caso, avançada pela TVI.

Mais tarde foi a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, a falar do processo de uma forma mais clara. A dirigente admitiu que a moção de censura não passava de uma “cortina de fumo”, apresentada “escassas horas depois do anúncio da investigação”, talvez mesmo “um biombo grande, suficiente para tapar o Pavilhão Atlântico”.

João Oliveira, líder parlamentar do PCP nada disse sobre o assunto, limitando-se a referir que os comunistas “não se intrometem numa disputa do CDS”.  Tanto o PCP como o Bloco levaram ao debate o seu caderno de encargos ao governo. O PCP desafiou o executivo a definir com quem quer negociar as alterações ao código laboral. Catarina Martins terminou a intervenção a pedir mais avanços na atual legislatura. “Ainda há tempo. Resta saber se o governo vai encostar-se à direita ou se vai aproveitar os meses que ainda temos para os avanços que faltam. Deixe a direita perdida nos seus jogos. O Bloco não faltará”, afirmou a líder do Bloco.

O comunista António Filipe acrescentou que “enquanto no PSD se discute quem faz papel de idiota, o CDS chega-se à frente e não deixa os seus créditos por mãos alheias”, num debate em que Costa saiu seguro.