O Jamaika é Portugal


O Jamaika é Portugal porque a sua história de depredação de recursos públicos é uma boa imagem do país que o partido de Nuno Melo ajudou a construir


“Portugal não é a Jamaica”: foi este o título do último artigo de opinião de Nuno Melo no “JN”. Para a sociedade em geral, Nuno Melo é como um daqueles familiares distantes que só vemos em festas alargadas e que procura sempre concentrar as atenções em si a partir de um ato ou de uma afirmação hedionda que envergonha os presentes. O embaraço também vai sendo sentido neste CDS-PP neoliberal de fachada responsável, pelo que procura escondê-lo no armário de um exílio dourado em Bruxelas para que não faça aparecer espinhas no arroz de atum de lata do Largo do Caldas.

O Jamaika é Portugal porque a sua história de depredação de recursos públicos é uma boa imagem do país que o partido de Nuno Melo ajudou a construir.

Emídio Catum e Fernando Fantasia (qual Nuno Melo, apoiante da candidatura presidencial de Cavaco Silva em 2011) construíram uma parceria empresarial que, em 2012, o “Expresso” identificava como proprietária da Pluripar, Domurbanis e Paprefu, respetivamente primeira, quinta e nona maiores devedoras do falido BPN, e consta que no BES também terão deixado a sua marca de crédito malparado. Os dois fantasiosos construtores não são alheios à história da urbanização de Vale de Chícharos. O embargo da obra chegou logo na fase de construção da estrutura: não cumpria o loteamento, entre outras coisas, construía-se acima do número de pisos permitido, e assim ficou até aos dias de hoje. Perante os monstruosos esqueletos que o município dirigido por comunistas nunca conseguiu ver demolidos, centenas de pessoas sem casa foram ocupando e construindo as alvenarias que hoje fazem a imagem do bairro.

Sem água, sem esgoto, tantas vezes sem luz, sem condições dignas de habitação e segurança, vivem em Vale de Chícharos, batizado pelos moradores como Bairro da Jamaika, mais de mil pessoas que nunca foram preocupação dos vários governos em que o CDS-PP de Nuno Melo participou – e que “São Jorge” de Marco Martins tão bem caracterizou.

A insolvência dos anteriores proprietários levou a que a propriedade transitasse, por poucos milhares de euros, para a Urbangol SA – uma sociedade sediada num paraíso fiscal e constante na lista de devedores ao fisco –, cujo primeiro ato foi colocar uma ação de milhões contra o Estado. Intimada a realojar e demolir, nada fez.

Recentemente, por ação concertada entre a Secretaria de Estado da Habitação, o município do Seixal e a Misericórdia do Seixal, iniciou-se o processo de realojamento das primeiras 64 famílias do lote 10, a estrutura em condições mais preocupantes – o que explica a não adesão dos moradores do bairro à manifestação à porta da CM do Seixal. Para concretizar o realojamento, o município tomou posse administrativa do edifício para proceder à sua demolição. A Urbangol SA respondeu com uma providência cautelar para travar a demolição.

Esta é a arquitetura jurídica que a direita construiu e que rasga as vestes a defender. Todos os direitos aos grandes proprietários, poucos deveres. Mesmo quando estão em causa princípios éticos, recursos públicos e direitos humanos. Mesmo quando põem em perigo cidadãos e cidadãs, quando constroem de forma criminosa e contra o interesse público. Suspenda-se, porque o proprietário assim o deseja.

As alvenarias de tijolo do Jamaika não são mais do que a imagem de um país em que o direito à propriedade prevalece sobre todos os direitos.

Escreve à segunda-feira