As reações à polémica do Bairro da Jamaica

As reações à polémica do Bairro da Jamaica


Este não é um caso isolado. Portugal já tem algum historial em matéria de violência e racismo policial. Um dos casos mais polémicos é o das agressões da Cova da Moura, que levou o MP a acusar 17 agentes da PSP por racismo, tortura e difamação


Os ataques do passado fim de semana não se ficaram por ali. Na segunda-feira, moradores do Bairro da Jamaica, no Seixal, foram para as ruas da capital manifestar-se contra a violência policial e o racismo. Durante a manifestação houve vários confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes que provocaram quatro feridos. 

O caso não passou despercebido aos olhos dos políticos, havendo já alguns partidos a reagir. E, claro, Marcelo Rebelo de Sousa também não deixou que o momento passasse em branco: pediu cuidado com generalizações no que toca a falar de comunidades e de forças de segurança.

Após ter sido divulgado um vídeo dos confrontos vividos no último domingo, Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda (BE), decidiu partilhar nas redes sociais as imagens captadas por um morador, afirmando que o BE iria exigir o apuramento de “responsabilidades”. 

Após as declarações da deputada, e na sequência dos momentos de tensão vividos na segunda-feira, o PSD/Lisboa exigiu “responsabilidades” à deputada bloquista e também ao partido político “pelos distúrbios na Baixa de Lisboa”.

Em comunicado, o PSD explicou que “na sequência destes distúrbios, a deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua, ainda antes de conhecidos os resultados de qualquer inquérito ao sucedido, partilhou um vídeo dos incidentes e veio acusar a polícia de ‘4 minutos de violência policial no bairro da Jamaica’ e afirmar que podem os polícias ‘ir começando a pensar em desculpas, mas não há explicação para isto’”. 

Perante as palavras de Mortágua sobre o facto de o BE ir exigir responsabilidades, os sociais–democratas afirmaram que quem exigia “responsabilidades é o PSD/Lisboa, mas a Joana Mortágua e ao Bloco de Esquerda, pelas declarações irresponsáveis”. “A que não podem ser alheias os distúrbios ocorridos em Lisboa, entre manifestantes e a polícia”, acrescentou o PSD.

Ainda no mesmo documento, o PSD considerou que é obrigação dos políticos e dos partidos defender os direitos dos cidadãos, mas também as forças de segurança: “Num Estado que se quer de direito, cabe aos políticos e aos partidos políticos defender os direitos de todos os seus cidadãos, mas cabe-lhes de igual forma a defesa das suas instituições, nomeadamente as forças de segurança.”

Já o assessor do BE Mamadou Ba reagiu ao caso através do Facebook, referindo-se à polícia como “a bosta da bófia”. 

“Sobre a violência policial, que um gajo tenha de aguentar a bosta da bófia e da facho esfera é uma coisa natural, agora levar com sermões idiotas de pseudorradicais iluminados é já um tanto cansativo”, escreveu.

Uma posição mais moderada teve ontem Catarina Martins, líder do BE, que lamentou que a atuação da polícia fique manchada por “alguns elementos racistas”.

Do lado do CDS, as críticas foram sobretudo para o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, pelo seu silêncio.

Casos no passado Ainda que o país tenha parado com os confrontos no Bairro da Jamaica, estes não são exceção e, no passado, Portugal já viveu alguns outros momentos semelhantes. É o caso dos jovens da Cova da Moura que se queixaram de terem sido agredidos por agentes da PSP. O caso remonta a fevereiro de 2015, quando vários jovens foram até à esquadra de Alfragide, na Amadora, depois de um jovem ter sido detido por apedrejamento de uma carrinha da PSP.

Os polícias acabaram por deter seis jovens, alegando que estes tentaram invadir a esquadra. Estes garantiram, por seu lado, ter sido alvo de agressões violentas por parte dos agentes. 

Depois de o caso ter sido investigado, o Ministério Público (MP) ficou do lado das vítimas. O MP considerou que os agentes agrediram os jovens e que os elementos da PSP teriam sido ajudados por outros colegas para abafar a situação – acusando 17 polícias daquela esquadra de racismo, tortura e difamação.

O caso chegou aos tribunais em 2017. 

Dois anos depois, a PSP voltou a estar no centro de uma polémica de racismo e violência policial. Três agentes da PSP – um deles um subcomissário que na altura comandava a esquadra da Brandoa – foram acusados do crime de ofensa à integridade física qualificada depois de terem agredido um homem no Tribunal da Amadora. O subcomissário foi ainda acusado do crime de falsificação de documento e denúncia caluniosa. O MP considerou que o responsável mentiu aquando da elaboração do relatório sobre o sucedido ao imputar atitudes à vítima que não se verificaram. 

Já no ano passado, os festejos do São João no Porto não correram bem para Nicol Quinayas, uma jovem colombiana vítima de agressões físicas e psicológicas por parte de um segurança da empresa 2045. A PSP, que foi chamada ao local, só fez o registo da ocorrência três dias depois. Esta situação levou a que vários partidos políticos exigissem esclarecimentos ao governo e, posteriormente, o MP abriu um inquérito para investigar o incidente. 

São casos como estes que mereceram especial atenção por parte da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância, que num relatório acusou a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e a hierarquia da PSP de serem tolerantes com o racismo. 

Apelidando o caso da Cova da Moura como “caso grave de alegada violência racista”, a comissão disse não ter dúvidas de que existe “um racismo institucional profundamente enraizado nesta esquadra da polícia, que tem jurisprudência sobre vários bairros densamente habitados por pessoas negras”, indicando que isso demonstra a enorme “tolerância do racismo pela hierarquia da polícia e pela IGAI”.

Para o organismo europeu, a PSP e o Ministério Público deviam garantir que uma “má conduta deste tipo não possa repetir-se” e, para isso, as autoridades devem “mudar a sua atitude e conduzir, de forma pró-ativa e eficaz, investigações internas a qualquer conduta alegadamente racista, homofóbica ou transfóbica de agentes da polícia”. A PSP deve também “parar de relativizar a violência grave contra as pessoas negras e os ciganos”, assim como “pôr termo ao sentimento de impunidade que prevalece entre os seus agentes”.

A comissão sublinhou ainda que “o nível de brutalidade para com os afrodescendentes aumentou nos últimos anos”.