As Carpintarias estão de volta a São Lázaro

As Carpintarias estão de volta a São Lázaro


E voltam com tudo. Com a exposição “Jeu de 54 Cartes”, de Jorge Molder, e a performance “‘Oumuamua”, de Jonas Rua, as Carpintarias de São Lázaro reabrem ao público como um novo centro cultural para Lisboa


Não, não é engano. Depois de, em 2017, se terem apresentado à cidade com uma instalação dos cubanos Los Carpinteros, que a convite dos artistas o próprio público pôde desmontar, inserida na programação da Capital Ibero-Americana da Cultura, à qual se seguiu uma exposição do chileno Alfredo Jaar, as Carpintarias de São Lázaro, desde então encerradas para obras, voltam a abrir-se para a cidade com uma proposta de programação multidisciplinar, à procura de pontos de cruzamento entre música, artes visuais, cinema, dança, teatro – e gastronomia.

“São as áreas que privilegiamos em termos de programação neste espaço que se afirma como um novo centro cultural para Lisboa”, diz ao i Fernando Belo, um dos diretores das Carpintarias, numa manhã em que, entre andaimes e equipas de limpeza, se dava conta dos últimos detalhes das obras necessárias para dar ao espaço a polivalência que pedia o projeto que tinham em mente. 


Fotografia de Bruno Gonçalves

Antes de uma volta pela programação que, a partir de hoje e durante todo o fim de semana, assinalará o aguardado regresso, vamos à história. Construído em 1928 para albergar uma carpintaria de grandes dimensões – “daqui saíram muitas das portas, rodapés e componentes de madeira para os surtos de construção da década de 1930 à década de 60, em Lisboa” -, o edifício ficou praticamente destruído num grande incêndio, na viragem do milénio. “Aí ruiu praticamente, porque era feito de tijolo-burro e argamassa. A Câmara de Lisboa acabou por resolver pegar nele e reerguê-lo, reforçando-o estruturalmente, e é essa obra que lhe dá este aspeto industrial de betão que hoje em dia tem.”

Carpintaria não voltaria a existir aqui para lá do nome com que o batizou esta equipa, que venceu o concurso para a concessão do espaço e que, em 2017, o reabriu à boleia da Capital Ibero-Americana da Cultura, num acontecimento que não passou de maneira nenhuma despercebido, mas com o espaço a precisar ainda de uma adaptação da estrutura aos objetivos que se propõe a equipa que venceu o concurso para a exploração do espaço – e que espaço. Se as imagens deixarem dúvidas, concretizamos: são 1800 metros quadrados divididos entre dois pisos mais uma mezanine, além de um terraço que, no futuro, há de ser explorado comercialmente. 

Falta o detalhe que é tudo: a vista omnipresente para as colinas da Senhora do Monte, da Graça e do Castelo. Fernando Belo sublinha que a arquitetura do espaço ajudou a determinar o tipo de programação que as Carpintarias de São Lázaro se propõem entregar à cidade. “O espaço tem um caráter de polivalência total e foi preparado para poder ser transformado, quer através de cortinas, quer destes painéis amovíveis que estão a ser montados para esta exposição.” 

Um fim de semana completo A exposição é “Jeu de 54 Cartes”, a mais recente série fotográfica do artista português Jorge Molder. “Depois de duas exposições de artistas estrangeiros, para nós era realmente importante que esta reabertura se fizesse com uma exposição de um artista português”, diz Alda Galsterer. “E haverá poucos artistas tão consensuais como Jorge Molder.” A exposição é inaugurada hoje, o mesmo dia em que é apresentada “‘Oumuamua”, uma performance de Jonas Runa com um fato de luz que criou em colaboração com Alexandra Moura. 

No dia seguinte, as Carpintarias acolhem um aniversário: o oitavo do projeto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, com a performance “Cinema ao vivo, O regresso à Mouraria”, com Sílvio Rosado e Tiago Pereira. Domingo é dia de abrir o espaço para uma tarde de “open studio”, com a norte-americana Miriam Simum, a primeira artista em residência nas Carpintarias de São Lázaro (através das “AiR Carpintarias 2018”, um projeto apoiado pela Gulbenkian), como anfitriã.


Fotografia de Bruno Gonçalves

Tão transversal quanto eclética, a programação deste novo centro cultural que reabre finalmente portas no centro de Lisboa abarcará artistas consagrados e emergentes, nacionais e internacionais. E sempre com um olho posto na comunidade em que está inserido, conforme faz questão de sublinhar Fernando Belo. No caso da música, por exemplo:  “Queremos olhar também para as comunidades instaladas nesta zona, que são extremamente interessantes. Há, de facto, uma série de culturas diferentes que se reuniram nesta zona da cidade e com as quais nos interessa muito trabalhar”, revela. “Tanto com as novas gerações como também com as mais velhas. Muitas vezes temos nestas comunidades pessoas que tocam os instrumentos tradicionais e conhecem o repertório musical das suas culturas e a influência dessas heranças musicais. Interessa-nos muito trazer isso para o espaço para, em colaborações com músicos portugueses e internacionais, desenvolver espetáculos e trabalhos relacionados com a música de fusão.”