Sport TV.  O desporto no feminino num  mercado que já pertenceu apenas aos homens

Sport TV. O desporto no feminino num mercado que já pertenceu apenas aos homens


Como é para as mulheres encontrarem o lugar profissional no mundo do futebol? Num canal que nasceu e vive para  o desporto, sente-se discriminação? O i foi falar com elas para perceber o que mudou e o que ainda é necessário fazer


Há muitos anos que se fala de um problema que sempre ligou as mulheres à luta que tinham de travar para evidenciar o desporto feminino perante o masculino em determinadas modalidades, nomeadamente o futebol. O desporto foi sempre muito associado aos homens e o caminho do sucesso de algumas atletas acabou muitas vezes por ser sinuoso. Mas serão apenas as atletas a ter histórias para contar? O que sentem as mulheres que dão a cara pelo desporto na televisão, por exemplo? Tratando-se de um canal só de desporto, a realidade piora? O i conversou com Ana Camboa, Carla de Sousa, Marta Grillo, Daniela Raposo e Catarina Faustino, da Sport TV, e percebeu que há dois pontos importantes: têm sido feitos progressos, mas ainda é um mundo onde há mais provas a dar e alguns obstáculos que nem sempre são fáceis de escalar. 

“Já foi mais um mundo de homens, mas continua a ser porque há aquela ideia preconcebida de que as mulheres não percebem nada de futebol e que, quando estão ligadas à modalidade, é mais porque querem aparecer, e isso é errado. Ainda existem diferenças porque causa sempre alguma estranheza. Perguntam se gostamos mesmo, se percebemos. E essas perguntas não são feitas ao homens. A nós, continuam a ser feitas”, explica Daniela Raposo. 

Também Ana Camboa considera que, “culturalmente, esta área é muito mais associada aos homens”: “Estou com um colega, estamos os dois em desporto, mas só a mim é que perguntam porquê e se gosto. A ele, não o confrontam. Acho que é muito cultural. Quando somos mais novos temos aquela noção de que as meninas brincam com as bonecas e os meninos com os carros. Em termos culturais, se houvesse um desvio, procurava-se contrariar isso. Mas o futebol, sobretudo, é uma coisa que mexe com paixões, e mesmo as mulheres têm tendência para vibrar com tudo o que faz parte das emoções. Além disso, é um meio competitivo e nós, tradicionalmente, somos todas muito competitivas.” Vantagens que foram convencendo patrões e público e que permitiram que o caminho se fizesse de mudanças. “Cada vez se sente menos essa tendência. Acho que, no início, sentíamos mais essa distinção. Agora começa a ser mais comum. As próprias empresas começam a abrir mais espaço às mulheres no desporto. Toda esta integração acaba por tornar tudo mais comum e normal”, explica ainda. 

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No entanto, o facto de se tornar mais “normal” ainda não permite que existam em número igual. Marta Grillo sublinha que as oportunidades ainda não são as mesmas para homens e mulheres. “Há mais mulheres, hoje em dia, nesta área do que havia há uns anos. Ainda assim, em comparação com os homens, é um número muito reduzido. Também se nota nas oportunidades. Ainda há muito aquela ideia de que, se calhar, os homens têm mais facilidade em trabalhar em desporto.” A ideia é partilhada por Carla de Sousa, que sublinha: “Estamos sob maior escrutínio. Da parte de todos. Do público e de quem trabalha connosco. É essa a ideia que tenho. Temos de dar mais provas.”

Argumentos que são partilhados pelas outras mulheres deste canal. Ana Camboa, por exemplo, explica ao i que “o nível de tolerância é diferente. Temos de dar muito mais. À partida, porque trabalhamos em televisão. Coloca-se a questão de sermos ou não só um rosto bonito. Há este estigma logo na primeira instância e logo aí temos uma questão. E depois há ainda a questão de termos de mostrar que somos mais que isso. E para isso temos de esperar que as oportunidades nos sejam dadas, e não são dadas de uma forma assim tão imediata, pelo menos no desporto, como acontece aos homens, Elas chegam, mas são mais morosas. Temos de mostrar que somos capazes. É dado por adquirido que os rapazes são capazes, e nós temos de mostrar”. Catarina Faustino fala mesmo num “esforço adicional”: “Noto muito, por exemplo, em relação aos rapazes que trabalham connosco, que eles, desde pequenos, começaram a ver futebol. Portanto, eles têm uma bagagem gigante. Para nós, mulheres, que não acompanhámos tanto desde tão tenra idade, torna-se mais difícil. Obriga a um esforço adicional.” 

No entanto, todas sublinham que a aceitação por parte do público é cada vez maior, embora seja necessário contar que depende ainda muito do formato. “Se nos virem em reportagem, aceitam com mais naturalidade. Mas uma mulher a fazer um relato já não é encarado da mesma maneira, tanto que não há. Tem a ver com a quantidade de coisas que as mulheres fazem. Se forem vistas mais vezes a fazer reportagem, passa a haver mais aceitação. Depois, coisas mais específicas, por exemplo, relatos ou um espaço de comentário, já não acham tão normal”, considera Daniela Raposo, cuja opinião é partilhada por todas.