Cada contentor, sua sentença. Roupa doada pode ir para caridade, reciclagem ou exportação

Cada contentor, sua sentença. Roupa doada pode ir para caridade, reciclagem ou exportação


O i falou com empresas de recuperação têxtil e associações e explica-lhe que caminhos podem seguir as roupas depositadas nos diferentes contentores de rua


São muitos os contentores de roupa espalhados pelo país onde se podem depositar as peças que estão esquecidas no armário e já não se usam. Mas, depois de colocadas nestes roupões, o que lhes acontece? Da solidariedade à reciclagem ou à exportação para África, há diferentes cenários, vai depender do tipo de contentor onde deixou a roupa ou até do convénio que exista com a autarquia local. Para perceber o que esperar, o i falou com diferentes empresas e entidades que fazem recolha de roupa.

“Recolhemos a roupa para valorização e reciclagem”, explica Daniela Pereira, gestora de projeto da H Sarah Trading, empresa de ligação entre o cidadão e o ciclo de recuperação têxtil e que é responsável por contentores brancos e cor de laranja. 

Todas as roupas que são recolhidas por esta empresa passam por um rastreio, onde são divididas para que sigam caminhos diferentes. Além da reciclagem e do aterro, destino das peças inutilizáveis ou estragadas, há as que são distribuídas por quem mais precisa. “Não fazia sentido usar para reciclagem algo que ainda pode ser usado”, diz Daniela. A roupa nova ou seminova é dada a instituições de caridade que estejam ligadas ao contentor em que a roupa foi depositada, uma vez que “todos os contentores estão ligados a uma parceria específica”, explica a responsável. A roupa que não preenche os requisitos necessários para ser dada a instituições portuguesas é exportada para países africanos. 

É desta exportação de roupa usada que a H Sarah Trading diz retirar o maior benefício. Algo que também acontece, ainda que numa escala muito residual, com as roupas que seguem para a reciclagem. “Em 2017 recebemos mil toneladas por mês e, desse total, apenas 9% tiveram como destino o aterro”, diz Daniela, salientando que são uma empresa com fins lucrativos e que as verbas pagam, por exemplo, o salário de cerca de 150 colaboradores.

Quem decide para onde vai o quê No caso da H Sarah Trading, a roupa passa por um processo de triagem, feito pela própria empresa, antes de conhecer o seu destino. A roupa é dividida por cores, material e tamanho. A responsável salienta que a preocupação com o material é importante, “tentamos sempre que tenha alguma percentagem de algodão”.

No caso da Cáritas, que também recolhe roupa, há diferentes modalidades. “Algumas Cáritas diocesanas têm contrato com empresas que têm contentores espalhados pelo país. A empresa recolhe esta roupa e dá-nos as peças de que precisamos”, explicou ao i Eugénio Fonseca, presidente da instituição. O processo é simples: a Cáritas diocesana informa a empresa das necessidades e esta trata de fornecer o que é preciso. Neste caso, os contentores são amarelo-torrado e contêm o símbolo da instituição. 

Além destes, é possível que já se tenha cruzado com contentores azuis. A identificação costuma estar na parte da frente e remete para a empresa Wippytex. “A gestão dos resíduos é feita pelas câmaras”, disse ao i Luís Fernandes, diretor comercial desta empresa. A Wippytex trabalha através de parcerias com as câmaras municipais e são estas que gerem a roupa que chega das doações, pelo que não existe uma regra a nível nacional. Cada câmara fará o que pretender com a roupa depositada: pode doá-la, reciclá–la ou vendê-la.

quando a roupa é convertida em donativos “As pessoas doam cada vez mais roupas”, confessa Eugénio Fonseca. Para resolver o problema de haver roupa excedentária, a solução oferecida às Cáritas diocesanas que trabalham com empresas tem sido trocar os quilos de roupa a mais por valores simbólicos que, segundo Eugénio, são utilizados para pagar “propinas, medicamentos e ajudar outro tipo de necessidades”. Por cada quantidade de quilos doada, a empresa retribui com uma quantia simbólica, mas que serve para ajudar quem mais precisa. O i tentou perceber que valor é recebido, mas não foi possível obter resposta.

O mesmo acontece com a roupa que é recolhida pela Wippytex, que só colabora com autarquias. Caso a câmara prescinda da roupa, a empresa atribui uma quantia por cada tonelada de vestuário depositado nos contentores, um valor acordado previamente pela câmara com a qual estão a trabalhar. Questionado sobre o valor médio em causa, Luís Fernandes recusou responder argumentando que o valor é fechado com as diferentes autarquias. Já o que não está em bom estado, “quase 80%”, refere o responsável, é reciclado e usado para recheio de colchões, novos tecidos e fios, panos. Há ainda uma parte que se destina exclusivamente a aterro ou valorização energética.

lojas em segunda mão Existem também contentores da Humana, associação que trabalha “para o desenvolvimento sustentável e cooperação internacional através da reutilização têxtil”. Tânia Tristão, do departamento de comunicação desta ONG, diz que uma parte da roupa recolhida é enviada para as lojas de segunda mão da Humana em Portugal e outra parte da roupa de qualidade é exportada “principalmente para África, onde é vendida a preços muito reduzidos, impulsionando assim a criação de novos recursos de cooperação ao desenvolvimento”. 

Segundo a instituição, que tem contentores de cor verde para receber roupa espalhados por vários pontos do país, os lucros obtidos com as vendas destinam–se aos vários projetos sociais não só em Portugal, mas também na Guiné-Bissau e em Moçambique. “Em Portugal realizamos atividades de proteção do meio ambiente, iniciativas de apoio local, 3C (projeto de agricultura social e urbana) e workshops de sensibilização (denominados Tecidos Educativos)”, exemplifica.

Dar roupa longe dos contentores Entre as associações que recebem roupa há diferentes tipos de experiência. Cátia Matias, da associação CASA, que trabalha com sem-abrigo e famílias carenciadas, conta que recebem roupa de empresas que organizam coletas entre os seus funcionários ou de particulares. Já dos contentores de rua, nunca lhes chegou nada, diz Cátia, acrescentando que nunca fizeram acordo com empresas. O mesmo acontece na Acreditar, conta Susana Bicho, responsável pela comunicação da instituição. “A maioria dos doadores entrega a roupa em mão nas instalações da Acreditar”. Depois, através de equipas de voluntários, é separada por “idades e tipologia, por exemplo, pijamas, casacos, calças, etc.”, diz.

No caso da CASA, os voluntários procuram responder na medida do possível às necessidades dos sem-abrigo. Cátia explica que por vezes há pedidos de camisolas mais quentes e é isso que procuram arranjar. O mesmo acontece na Acreditar. 

“A roupa que não está em condições de ser utilizada, mesmo depois de lavada, procuramos escoá-la para reciclagem”, conta Susana Bicho. Já na CASA, quando recebem roupa de criança, que não é tão necessária às pessoas com quem trabalham, procuram enviá-la para outra instituição. “Não nos interessa ter uma oferta enorme de alguns bens de que outras instituições possam precisar mais que nós”, diz Cátia Matias. 

E, embora os portugueses não demonstrem problemas em ser solidários, há peças, como calçado e roupa interior, que nem sempre chega na quantidade que é necessária. Para que as pessoas percebam qual a melhor forma de ajudar são criadas campanhas que pedem vestuário específico.