Com 74 anos de vida no bojo, continuo a escrever semanalmente para me obrigar a pensar e para não perder o treino de passar ao papel o que me vem à cabeça – pela vista, o ouvido e o gosto – e me puxa pelo raciocínio. Cada vez mais, sem esquecer o que dizia Camilo pela boca de Azarias, um dos personagens dos “Mistérios de Lisboa”: “De certas amarguras em diante, acaba-se a sensibilidade.” Hoje, porém, senti-me no direito de não reclamar muito dos neurónios e decidi recorrer a citações para explicar o balanço que faço do estado deste mundo. É que não me limito a escrever por prazer e nada mais. Também leio com desassossego, anoto e continuo a aprender com o que outros me ensinam, estejam mortos ou vivos. Um economicista ferrenho dir-me-ia que “não há crónicas grátis”. E eu responderia: “Quem disse? Veja só como eu consigo expor o que penso, dito por outros!” Também dá trabalho, mas não tanto…
Sobre o estado de várias democracias contemporâneas, recordo o que Aldous Huxley escreveu sobre a ditadura perfeita. Disse ele: “A ditadura perfeita terá as aparências da democracia: uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.” Mas ele também escreveu: “Resta ainda no mundo alguma liberdade. É certo que muitos não parecem valorizá-la. Mas alguns de nós ainda acreditam que, sem liberdade, os seres humanos não se podem tornar plenamente humanos e, por conseguinte, a liberdade tem um valor supremo. Talvez as forças que agora a ameaçam sejam demasiado poderosas para que se lhes possa resistir durante muito tempo, mas temos o dever de fazer tudo o que pudermos para as contrariar.” É o que eu penso, mas Huxley exprimiu-o melhor que ninguém.
Sobre a demagogia política que nos ameaça, convirá não esquecer o que Aristóteles disse sobre ela: “A turbulência dos demagogos derruba os governos democráticos.” Como também explicou Karl Kraus: “O segredo do demagogo é fazer-se passar por tão estúpido quanto a plateia que o ouve, para que esta imagine ser tão esperta como ele.” E, antes, já Abraham Lincoln resumira: “A demagogia é a capacidade de vestir as ideias menores com palavras maiores.” O demagogo costuma ser grandiloquente e sabe – acrescento eu – apropriar-se duma ideologia. Todas lhe servem: nacionalismo, populismo, racismo, igualitarismo, liberalismo, eugenismo, comunismo, fascismo, etc. Depois, veste-as com roupas novas, apimenta-as com inesperados “golpes de asa” e procura seduzir com frescas evidências os mais pecos e desprevenidos.
Já o escritor (Henry) Charles Bukowski (Jr.) nos tinha alertado: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.” Também Marília Gabriela avisou, cheia de graça: “Quem precisa de ser orientado por um pastor só pode ter uma inteligência de ovelha.” E logo Facundo Cabral decidiu acrescentar: “O meu avô era um homem muito valente, só os idiotas lhe metiam medo. Perguntei-lhe porquê e ele respondeu: porque são muitos e, se constituírem a maioria, até conseguem eleger um Presidente.” Bem dizia, por isso, Nelson Rodrigues: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.” E o que é um idiota? Olavo de Carvalho – autor de um livro intitulado (em minúsculas) “o mínimo que você precisa saber para não ser um idiota” – explica-nos: “Em grego, ‘idios’ quer dizer: ‘o mesmo’. ‘Idiotes’, de onde veio o nosso termo ‘idiota’, é um sujeito que nada enxerga além de si mesmo, que julga pela sua própria pequenez.” E ainda mais: “O fundamento de suas opiniões é sua falta de autoconsciência. E não há nada mais perigoso no mundo do que um idiota persuadido da sua própria normalidade.” Vendo bem, os idiotas são muitos, caramba!
O político brasileiro Rui Barbosa confessou um dia: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos medíocres, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter a vergonha de ser honesto.” Por isso, não é de espantar o que escreveu Rubem Fonseca no seu “Romance Negro e Outras Histórias”: “Existe muita gente que acha que a sua vida é muito interessante, mas não é. Outros acham que a vida deles é uma merda, e é.” Também é certo o que disse Victor Hugo: “Entre um Governo que faz o mal e o Povo que o consente, há uma certa cumplicidade vergonhosa.” Sempre pessimista, Voltaire já sentenciara: “A política é o meio pelo qual homens sem princípios dirigem homens sem memória.” Há, assim, muitas razões para não ignorar os avisos de Umberto Eco. O primeiro: “Para manter o povo sob controlo, é necessário inventar constantemente inimigos e pintá-los de maneira a inspirarem medo e repugnância.” E o segundo: “É sempre melhor que quem nos incute medo tenha mais medo do que nós.”
O pessimismo da minha inteligência – que não é muita, segundo quem me detesta – coincide com o que escreveu Chris Hedges: “Vivemos hoje numa sociedade onde há médicos que destroem a saúde, advogados que destroem a justiça, universidades que destroem o conhecimento, governos que destroem a liberdade, imprensa que destrói a informação, religiões que destroem a moral, e bancos que destroem a economia.” Há cem anos, Joseph Pulitzer profetizou algo que hoje se confirma: “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela própria.” (“Nada nos salva desta porra triste”, clamou Jorge de Sena!)
Lá inscrevi mais inimigos na lista dos que me detestam! Mas citarei Martin Luther King (que seria abatido a tiro): “Para criar inimigos não é necessário declarar guerra, basta dizer o que pensamos.” In illo tempore, já Terêncio nos avisava: “O servilismo produz amigos, a verdade, ódio.” Todavia, rematarei este novelo de citações com bom humor. Para já, Woody Allen: “A vantagem de ser inteligente é que podemos fingir que somos imbecis, enquanto o contrário é completamente impossível.” Por fim, Jô Soares, com humor e perspicácia: “O clima das manifestações está tão forte que, hoje, no trânsito, eu espirrei, o motorista do lado disse: ‘SAÚDE’, o de trás gritou: ‘EDUCAÇÃO’, e todos cantámos o hino nacional.” Só faltou gritar: “O PÃO, a PAZ, a HABITAÇÃO!”
Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990