Guilherme Figueiredo. “Há uma justiça para ricos e uma justiça para pobres”

Guilherme Figueiredo. “Há uma justiça para ricos e uma justiça para pobres”


Na véspera da abertura solene do ano judicial, que é já esta terça-feira, o bastonário da Ordem dos Advogados fala do estado da justiça em Portugal


A abertura do ano judicial de 2018 ficou marcada pelo Pacto da Justiça que apresentaram, um ano depois esse pacto ainda está por concretizar.

Está. O pacto tem um conjunto de 82 medidas que pretendem fazer intervenções microcirúrgicas, com exceção de uma que de facto é de fundo, ou estruturante. Essas medidas foram entregues ao sr. Presidente da República, à senhora ministra da Justiça e também à Assembleia da República. Naturalmente que a sua execução passa pelo legislador. O legislador, pelo menos pelo que que se sabe, tem entendido não pegar naquelas medidas e torná-las exequíveis. É pena, porque houve um consenso sobre um conjunto de medidas e o poder político tinha aí a possibilidade de as transformar em normas, em colocá-las no terreno com o apoio imediato de uma base social profissional importantíssima, porque teria o apoio de advogados, juízes, Ministério Público, funcionários judiciais, solicitadores e agentes de execução. Tinham uma base social fundamental para as medidas que têm a ver com a justiça. O que nos parecia é que estava concluído, embora, tenhamos de o reconhecer, não sejam medidas de natureza estruturante para o sistema, são medidas que facilitariam aquilo que designamos como o quotidiano da função e do exercício da justiça.

Será por serem microcirúrgicas é que o poder político, que gosta de reformas grandes e visíveis e não de pequenos ajustes, não se interessou por elas?

Diria que a sua pergunta tem, pertinência absoluta. A circunstância de ser microcirurgia muitas vezes não se coloca numa dimensão política, coloca-se numa dimensão mais profissional. São medidas que o cidadão muitas vezes não apreende porque não tem uma compreensão do sistema. Se estas mesmas entidades se voltarem a reunir para um pacto da justiça, naturalmente, desta vez terá de ser para discutir medidas estruturantes que dizem respeito a todas elas, aos juízes, aos advogados, ao sistema e que não têm de ser de natureza imediata. Esse é um dos problemas que temos na justiça, quando nos colocamos perante medidas estruturantes que têm de ser desenvolvidas a quatro, cinco, seis, sete anos há um desinteresse porque quem vier depois que resolva. Ora, nós precisamos é de ter uma definição de ação política no âmbito da justiça, em que as medidas imediatas devem ser microcirúrgicas, não colocando em crise aquilo que são as estruturas que estão a funcionar, e as alterações que foram feitas do ponto de vista do sistema devem patentear medidas de natureza estruturante a médio e longo prazo. Para quê? Para que o caminho se faça na procura de grandes consensos, que não podem ser apenas político-partidários, têm também de ser profissionais, têm também de ser da sociedade civil no seu todo, medidas em que todos nos possamos rever. Essas medidas estruturantes também dizem respeito a certas questões que mexem com os estatutos profissionais, com questões que são trazidas de vez em quando à baila, como o problema do Ministério Público ou da magistratura judicial, ou algumas questões relacionadas com os advogados ou que têm a ver com a organização judiciária, com a gestão dos tribunais, com a legitimação da legislação democrática, do ponto de vista daquilo que são hoje as estruturas judiciárias. E, também, com reformas do ponto de vista legislativo, algumas das quais devem ser pensadas a longo prazo. O que acontece é que medidas mais micro, de aplicação imediata, o poder político desinteressa-se; as medidas de natureza estruturante, a médio e longo prazo, se forem colocadas nesse sentido, também há desinteresse por parte dos políticos.

Há uma tendência do poder político para querer fazer tábua rasa em relação a reformas de governos anteriores?

Há. Em várias ocasiões isso aconteceu. Embora tenhamos evoluído neste sentido. Algumas das grandes reformas que aconteceram no governo anterior não estão a ser colocadas em crise, mas tinham uma estrutura de pensamento que deveria ter tido uma continuação. Muitas das vezes não são colocadas em crise, mas falta-lhes a continuação. E falta porque não tem existido, infelizmente, um pacto político-partidário ou na Assembleia da República relativamente à justiça. Claro que cada partido tem a sua legitimidade e principalmente a sua identidade – e isso é importante, porque no dia em que todos forem iguais é a desgraça da democracia -, mas era importante que sobre certas matérias conseguissem estabelecer um pacto, como há muitos anos se chegou a subscrever e depois não teve conclusões. A reforma do Código do Processo Civil, embora nem todos estejam de acordo com os termos da reforma, só foi feita porque a equipa que foi constituída no governo do engenheiro Sócrates era a mesma equipa da comissão revisora que continuou nos tempos da doutora Paula Teixeira da Cruz. A comissão, quando trabalha sob orientação do Ministério da Justiça, produz esse eixo final e era importante que, quando chega à Assembleia da República, sem prejuízo da autonomia e a liberdade de cada grupo parlamentar e do pensamento de cada um relativamente a esse projeto, que não se alterasse de forma casuística, porque isso desagrega e transforma um trabalho feito por uma comissão em alguma coisa que depois não tem sentido. Temos o caso da comissão constituída pela senhora ministra para a reforma do processo de inventário. O trabalho está concluído, foi entregue ao Ministério da Justiça logo no princípio de dezembro, é uma reforma importantíssima, tenho ideia que ainda não chegou à Assembleia da República, mas estou com muito desejo que chegue rapidamente. Era importante que as alterações que fossem necessárias introduzir por força de decisões políticas remetessem à mesma comissão, para que a unidade da reforma seja mantida.

Rui Rio passou 2018 a discutir dentro do PSD uma reforma da justiça. A ministra da Justiça mostrou abertura no último trimestre para um pacto da justiça com todos os partidos. Acha que essa reforma da justiça se vai conseguir concretizar em 2019? O que pensa das propostas do PSD?

Não tenho conhecimento das propostas do PSD, a não ser aquilo que saiu na imprensa e entendo que deveríamos ter…

Pensava que tinham conhecimento…

Aliás, não me surpreende. A deputada Teresa Morais escreveu um artigo no outro dia em que dizia que os deputados não tinham tido conhecimento da proposta. Portanto, se os deputados não tinham tido conhecimento da proposta, é evidente que há qualquer coisa que falhou. Mas mais do que isso, aquilo que li na imprensa é que a proposta foi enviada para os partidos para subscreverem, ora uma proposta é para discutir não é para alguém subscrever. Metodologicamente esta não é a forma certa. Pode ser um trabalho interno – como o CDS também fez, como PS e o PCP – de ideias para promover a reforma da justiça, mas este trabalho interno é a sustentação para o debate e a convergência.

A sua antecessora, Elina Fraga, faz parte da equipa de justiça do PSD, não deveria ter uma abertura maior para incluir a Ordem dos Advogados nessas discussões?

O Dr. Rui Rio falou com várias entidades previamente. A Ordem dos Advogados foi ouvida durante duas horas. Aquilo que quero dizer é que teria sido bom que a proposta tivesse sido enviada para a Ordem dos Advogados, mas isso é um problema de cada partido. Agora vai haver uma discussão sobre propostas de lei do CDS, para a qual a Ordem foi convidada a estar presente e estará, como já estivemos em outras ocasiões em discussões promovidas pelo Partido Socialista e por outros grupos parlamentares. 

Chegaram a ter da ministra da Justiça algum feedback em relação a esse pacto que apresentaram, em relação a essas 82 medidas?

Não tivemos até hoje nenhum feedback por parte da senhora ministra. Todos os que subscreveram o pacto foram chamados à Assembleia da República, onde pudemos expressar algumas das ideias que tínhamos sobre as questões do pacto. Mas, a partir daí, não soubemos de mais nada.

Não estranhou esse silêncio da ministra, principalmente porque era uma proposta consensualizada?

Estou absolutamente convencido que a senhora ministra fez a leitura, mas também estou convencido que entendeu que a discussão deveria acontecer na Assembleia da República e que devia ser lá que um pacto fosse firmado entre todos os partidos e não um pacto sufragado pelo governo.

A seu ver o que marcará a abertura do ano judicial este ano?

A abertura do ano judicial sucede num momento em que existe um grande desconforto em diversas entidades, basta vermos as greves já marcadas – dos magistrados judiciais, dos guardas prisionais, dos funcionários judiciais, quase que iríamos ter e não sei se teremos do Ministério Público. A justiça vive momentos complicados. Tivemos um quase conflito por causa do estatuto do Conselho Superior do Ministério Público. Estranho, diria eu, porque tinha sido uma posição de um deputado do Partido Socialista, o PS nem sequer tinha tomado posição. Quando o PS tomou posição, a senhora procuradora [Lucília Gago] entendeu dizer que se existisse uma mudança nos termos em que estava a ser referido se demitiria. Foi uma declaração infeliz. Por várias razões, mas uma Procuradora-geral da República, perante um dado conflito, não deve vir dizer ao poder político “se é assim, eu demito-me e vou-me embora”. Fica sempre no cidadão a perceção de que houve pressão e, ainda por cima, vindo de alguém que tem defendido que uma pessoa não é importante no meio de uma organização, tal como disse no seu discurso de tomada de posse. Foi uma declaração politicamente infeliz, porque o poder político tem de ter a completa liberdade de decidir e a procuradora tem de manter uma atitude serena, aguardar pelas coisas e não ter uma atitude sindical. O presidente do sindicato cumpriu a sua função, pronunciou-se, alertou, pressionou, mas compreendemos isso na retórica sindicalista. Principalmente porque na altura da declaração da procuradora a questão já estava resolvida, porque o PS tinha dito que não.

Qual é a sua perspetiva em relação à questão do Conselho Superior do Ministério Público?

A autonomia do Ministério Público é absolutamente essencial num Estado de direito democrático. Por outro lado, não nos podemos esquecer que não compete ao MP a definição das políticas criminais, ela compete ao Ministério da Justiça, compete ao governo. O MP executa as medidas políticas de natureza criminal que o poder político define. Para executar tem de ter autonomia e isso é importante que se mantenha. A independência é uma coisa totalmente diferente. O MP não tem a independência do juiz.


Fotografia de Mafalda Gomes

Mas acha que há perigo de controlo político do MP?

Acho que não há. Tendo em conta o pluralismo existente hoje em Portugal e a constituição hoje do parlamento. Coisa diversa, e é importante refletirmos, é qual é a cultura do MP na ação individual? E, de facto, temos hoje cada vez mais processos que começam com detenções, prisões preventivas, acusações, temos a vida das pessoas colocada em crise, a sua profissão em crise, a atividade política e cívica em crise e, no fim, temos decisões judiciais de absolvição. Temos hoje a necessidade de fazer uma análise objetiva, distanciada, a partir do que tem acontecido, para saber se não há aqui excessos. E claro que há excessos. Se pensarmos nos bilhetes para ir a um jogo de futebol no caso do ministro Centeno, aquilo não tem pés nem cabeça! Quando um advogado, cuja função é apenas instrumental para a obtenção de prova, é constituído arguido, é evidente que temos um excesso. Quando há violação do segredo de justiça e temos o sentimento de que se trata de uma estratégia do MP, temos um excesso. Quando as acusações são constituídas em megaprocessos, a sensação que temos é que há fragilidades da acusação e esse megaprocesso tenta encobri-las. Do ponto de vista da cultura de um advogado, o que está em causa é o direito, liberdade e garantia da pessoa em concreto. Isso é o que sempre foi o processo penal, encontrar um equilíbrio entre a necessidade da sociedade de ter uma eficácia na investigação criminal e a defesa dos direitos, liberdades e garantias. Este equilíbrio sucede pela ação do MP, no sentido de procurar uma maior eficácia para a obtenção de resultados na investigação criminal e sucede através da atuação e da ação dos advogados na defesa dos direitos, liberdades e garantias. Competindo, como é evidente, ao juiz, no reequilíbrio destas duas componentes, procurar a melhor decisão. Daí se torna importante a atuação do juiz de instrução criminal na fase de inquérito. O juiz de instrução criminal foi pensado como o juiz das liberdades, mais vocacionado para o lado da defesa dos direitos, liberdades e garantias. Ora a cultura de que tenho falado é a cultura de investigação que tem como parceiro o próprio juiz de instrução na investigação criminal.

Acha que os juízes estão a ser parciais?

Não estou a dizer os juízes no seu conjunto, não podemos fazer generalizações, estou a dizer que há casos…

Mas quando diz que os juízes de instrução criminal estão a deixar de ser os juízes das liberdades está a generalizar.

Não, estou a dizer que há casos em que isso sucede, às vezes com alguma intensidade. É importante travarmos isto, para que os juízes de instrução criminal na fase de inquérito não se transformem em juízes da acusação.

Isso está a afetar o nosso Estado de direito?

Pode afetar. No sentido em que o inquérito é a fase onde mais colidem as duas componentes que referi, a eficácia da investigação e a defesa dos direitos, liberdades e garantias. Se formos ver, as reformas do Código de Processo Penal desde o pós-25 de Abril, e já foram várias, podemos aperceber-nos que umas vezes sobe um lado, outras, sobe o outro. Mas o que sempre se manteve firme, independentemente da subida de um lado ou do outro do ponto de vista normativo, foi a ideia do juiz de instrução criminal como garante. E começaram a surgir sinais de alguma atuação do juiz de instrução mais no sentido de um dos lados, da eficácia da investigação criminal, e não no sentido de não permitir o excesso. Isto densificou a ideia de uma cultura do MP menos atenta aos direitos, liberdades e garantias do cidadão.

Uma mudança na estrutura do Conselho Superior do Ministério Público poderia alterar essa cultura?

O problema do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) não pode ser analisado nesse sentido, isso tem mais a ver com a forma de organização, as questões metodológicas, as estratégias do MP. O CSMP tem várias funções, e nesse sentido não coloca em crise a autonomia da execução da política criminal, mas para isso também é preciso que o poder político assuma a definição das políticas criminais e o sentido da responsabilidade democrática.

E o poder político não tem assumido?

Tenho algumas dúvidas que tenha assumido ao longo dos anos. E não estou a falar deste governo apenas. Repare que isto chegou a tal ponto que o poder político, em face de qualquer problema, mesmo que seja um problema ético ou político, diz que isso é um problema da justiça. O poder político, cada vez mais, atira para a judiciarização da política. Como quem diz, “não temos nada a ver com isto, limpamos as nossas mãos, seja o poder judicial a tratar e a resolver. E não está bem.

Acha que nos julgamentos mediáticos envolvendo figuras públicas, o MP tem garantido a presunção de inocência?

Há uma frase de Hegel que diz “só as pedras são inocentes”. Não podemos olhar para atuação no âmbito judicial sem olhar para aquilo que é hoje a importância do espaço público, que ganhou uma força enorme. Na justiça trabalha-se no espaço judicial que vai ter consequências e efeitos jurídicos, quer do ponto de vista da liberdade das pessoas, quer do ponto de vista do seu património. Mas do ponto de vista da honra das pessoas, começa imediatamente no espaço público e o espaço público é atreito à culpabilidade. Os próprios senhores jornalistas estão muito mais atentos à presunção da culpabilidade que à presunção de inocência. Hoje é muito difícil a separação daquilo que é a presunção da culpabilidade no espaço público daquilo que é a presunção de inocência no tribunal. 

Muitas vezes, em termos de opinião pública, acaba por se confundir a acusação do MP com uma sentença.

Exatamente e as pessoas que vão aos tribunais ainda confundem mais. Há muita iliteracia na área da justiça, até por razões que têm a ver com a componente da comunicação. Certos conceitos não podem ser tratados de forma diversa. O que é preciso é trabalhar na tradução disso para o cidadão que está a ser julgado e também para o espaço público. Até do ponto de vista da investigação, era importante existir uma assessoria da informação do CSMP e do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Para que toda a informação se fizesse a partir dali e não se fizesse através dos chamados corredores ocultos em que passa a informação em bruto que depois é trabalhada por alguma imprensa, o que dá sempre uma sensação de conluio. E cria, através desse conluio, por ser uma coisa oculta, uma maior presunção de culpabilidade. Temos, portanto, de refletir se queremos manter este sistema do segredo de justiça. Continuo convencido que o segredo de justiça faz sentido no que diz respeito à investigação.

O segredo de justiça não deveria ser modificado, tendo em conta que muitas vezes é usado pelo MP para ajudar na investigação?

Essa é uma questão importante. Naquilo em que há segredo de justiça tem de haver responsabilidade pelo segredo. E isso não é difícil. Mas os inquéritos nunca dão nada sobre de onde saiu a fuga. Depois, há muita matéria que está em segredo de justiça que não devia estar. Com outra coisa, que agrava tudo em relação ao cidadão concreto, que é a circunstância de termos uma cultura de investigação por escutas. Uma coisa que deveria ser excecional transformou-se em comum. Esta investigação através das escutas tem uma componente perversa, porque as escutas são feitas e há muita matéria que não tem nada a ver com a investigação, mas tem a ver com a pessoa, com a sua honra, com a sua vida familiar, com a sua vida afetiva, com os amigos, até com interesses ou vícios privados. O que sucede é que esta investigação a partir das escutas, depois, não está organizada no sentido de manter isto em verdadeiro segredo e somos surpreendidos regularmente com transporte para o espaço público de matéria que não tem a ver com a investigação, mas que foi obtida a partir das escutas. Mas não são mandadas destruir? E qual o controlo disso? Temos hoje uma sociedade cada vez mais aberta no espaço público, mais aberta àquilo que são instrumentos de tecnologia altamente sofisticada e isso expande a possibilidade de utilização indevida dos meios. Isso tem de obrigar a uma utilização mais exigente e mais fiscalizada dos meios e até alguma ponderação no seu uso.

O caso de José Sócrates que parece já ter sido julgado e condenado quando ainda nem sequer se sabe se vai a julgamento.

Sobre o caso em concreto não me pronunciarei, posso é pronunciar-me a partir dele. Claro que sim, ainda não há pronúncia. Não sabemos o que vai suceder. O que sabemos é que, independentemente da culpa ou da inocência, isto é um calvário. E também sabemos que aos factos que integram a acusação se vão juntando outros factos. Os megaprocessos têm este problema, são longos e isso debilita o direito, liberdade e garantia do cidadão.

Um caso como o do ex-ministro Paulo Pedroso, constituído arguido no caso da Casa Pia, nem sequer foi julgado, mas a sua carreira política terminou.

A carreira política e a condenação que foi tida no espaço público. Mas podemos falar noutros casos, podemos falar agora no caso do Dr. Miguel Macedo, embora ainda esteja em recurso. As acusações devem ter o seu espaço próprio, aquilo que vem para o espaço público deve ser explicitado e partir do material que não é necessário à investigação. O segredo de justiça tem a componente de ajudar na investigação, mas também tem uma componente de defesa do arguido. A constituição de arguido é o mecanismo legal para permitir a quem é indiciado mecanismos normativos de defesa mais amplos do que os de qualquer outra pessoa. O que acontece é que hoje, do ponto de vista semântico, a própria palavra arguido tem uma conotação de condenado.

Nestes casos especialmente complexos, que implicam uma investigação muito mais profunda, onde se o arguido continuar em liberdade poderá haver destruição de provas, é difícil conseguir equilibrar as necessidades de investigação com a presunção de inocência do arguido.

Do ponto de vista normativo, temos isso bastante equilibrado, é preciso é que depois seja tratado a sério. Muitas vezes a própria pessoa que está a trabalhar no âmbito da investigação procura um resultado, é muito tempo de trabalho e nem se dá conta que está a ultrapassar limites e é preciso que alguém atue na fiscalização jurisdicional da ação do MP.

Disse no princípio do ano passado que 2018 seria o ano da credibilidade da justiça, acha que se conseguiu isso?

Acho que melhoramos muito. Estávamos a trabalhar num inquérito, eu a senhora Procuradora-geral da República anterior e o senhor presidente do Supremo Tribunal anterior num inquérito ao cidadão sobre a perceção da justiça, onde, provavelmente, iríamos ter grandes novidades, infelizmente não conseguimos concluir. Mas há uma coisa que é fundamental, não imputarmos a culpa apenas a um dos lados, assumirmos a nossa parte de podermos não ter razão e a circunstância de dizermos em concreto o que vai mal, sem generalizações. E eu tenho dito: os tribunais fiscais e os tribunais administrativos são ainda hoje uma vergonha! Principalmente porque o cidadão debate-se com o Estado e não podemos ter tribunais com essa importância a trabalhar a oito, dez anos. Acima de tudo, continuo a insistir sempre nesta ótica, enquanto não resolvermos as custas judiciais, em função dos rendimentos das pessoas, não conseguimos resolver o Estado de direito democrático em Portugal. Continuamos a não cumprir o desiderato do acesso aos tribunais por parte dos cidadãos na plenitude definida pela Constituição da República enquanto não tivermos uma atitude diferente de pensar a justiça como bem essencial, a partir do momento em que as custas sejam suportáveis por todos os cidadãos. É um elemento caracterizador, de tal maneira que é estruturante ao próprio sistema, pelas consequências que teria.

Muita gente fala do problema das custas judiciais, por que razão ainda não se resolveu essa questão?

Até na Assembleia da República já se falou. O que acho espantoso é que se for ver o espaço público, a única pessoa que continua a tomar isso como questão central e fundamental é o bastonário da Ordem dos Advogados. E até é um elemento que ainda hoje permite dizer que existe ainda uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. Se tivéssemos custas diferentes teríamos uma atitude diferenciada porque teríamos mais cidadãos a reclamar os seus direitos. Claro que pode haver excessos, daí que tivéssemos convergido, no pacto da justiça que foi firmado, para uma solução que não era a da Ordem, mas que depois foi complementada e restringida até em alguns casos, pela participação das outras entidades, nomeadamente dos magistrados judiciais. Não tenhamos ilusões, as custas nos termos em que estão são inibidoras da reclamação de justiça por parte dos cidadãos e de uma justiça económica a partir das empresas.

Por que não age o poder político nesta matéria, tendo em conta que até um tema que podia ser explorado em termos de relações públicas por qualquer governo?

Não é tido como um bem essencial, e quando falo em bem essencial é de propósito, é tido como um bem escasso e, portanto, um bem económico. O Orçamento do Estado contribui com uma parte para a justiça, a outra parte são as receitas, e continuamos a ter uma ideia mais de gestão do que uma ideia de justiça. Ainda por cima estou convencido que não teria uma importância tão grande no PIB. Não temos hoje um estudo sobre o custo económico dos processos e não temos porque assim está bem. Não há sequer teto nas custas, o que é de natureza inconstitucional. E há perversões neste sistema, uma pessoa que ganha uma ação tem de pagar tudo e depois vai à outra parte receber, só que a outra parte muitas vezes já está insolvente. Nós não podemos descaracterizar a sociedade em três pilares essenciais, a justiça, a saúde e educação e as políticas têm de ter uma natureza prioritária virada para estes pilares fundamentais do Estado de direito democrático e até da vivência social e de uma prossecução de cidadania.

Não haverá a ideia de que baixando as custas judiciais o trabalho já difícil dos tribunais se tornaria ainda mais difícil.

Também poderia haver, mas não acredito muito nisso.

No plano de reforma de justiça do PSD chegou a falar-se da ideia de delação premiada no caso das fraudes com fundos europeus, mas o partido acabou por recuar nessa ideia. De qualquer maneira, a deputada social-democrata Margarida Balseiro Lopes pretende apresentar uma proposta de lei nesse sentido. Sei que é contrário à delação premiada, mas será que não poderia ser útil, por exemplo, nos processos muito complexos?

Nós não estamos contra a delação premiada de acordo com o processo ter uma natureza ou outra, nós estamos contra porque é uma contratualização entre quem esteve envolvido num ilícito e o MP. E é um potenciar de delações falsas. Sabemos que no Brasil, um dos exemplos de delação premiada, a maioria da delação é falsa e até já há um nicho de trabalho para os juristas. O que se pretende, se possível dentro do quadro que existe hoje, é pensar uma forma de colaboração em que, não prevendo uma contratualização, aquilo que seja dito ou fornecido seja valorizado. A delação premiada não é eticamente defensável, não é politicamente defensável e, acima de tudo, pode colocar em crise a liberdade das pessoas.

Subjacente à delação premiada está a ideia do bem maior e em que medida é que não se trata de um aprofundamento daquilo que hoje já existe que é a atenuante pela colaboração com a justiça?

Repare nas diferenças: em primeiro lugar, não há contrato, é avaliado pelo juiz; em segundo lugar, não há absolvição, é condenado, o que existe é uma atenuação da pena. É um campo completamente diferente, podemos pensar a partir daí. Repare, por exemplo, quando se discutiu o enriquecimento ilícito, o que dizíamos era que não pode haver um crime de enriquecimento ilícito por inversão do ónus da prova. Para nós é claro, tal como o foi para o Tribunal Constitucional. Na última entrevista que a Dra. Joana Marques Vidal deu, diz lá uma coisa importantíssima: “Eu sou favorável à tipologia do enriquecimento ilícito, mas sem inversão do ónus da prova.”

E a questão do bem maior?

Quando pensamos em bem maior, estamos a pensar no bem da sociedade e, numa colisão de direitos, tem de ser sempre muito bem ponderado. Porque há quem diga que o bem maior é um dos pressupostos para a defesa da pena de morte. Com esse argumento podíamos chegar quase ao que se passou na Turquia. Quando a Turquia prende três mil e tal ou quatro mil juízes e cerca de dois mil advogados é por um bem maior, o bem maior de não ter aqueles agitadores. A ideia do bem maior é uma ideia perigosíssima.

Voltando à ideia da credibilidade da justiça, acha que a discussão política à volta da recondução ou não da procuradora-geral contribuiu para essa credibilidade?

Com toda a sinceridade, acho que foi boa essa discussão. O espaço público é fundamental hoje, é um espaço onde os cidadãos, principalmente aqueles que têm menos possibilidades, podem acompanhar a diferenciação de pensamento de pessoas e entidades e a figura de procurador-geral é essencial num Estado de direito democrático. A discussão foi importante até na definição daquilo que era normativamente fixado, porque uma coisa é dizer que deve haver limite, coisa diferente é que só podia haver um único mandato. É natural que tenham existido várias pessoas, entre as quais me integrei, a dizer que para o momento por que estávamos a passar, com processos iniciados a precisar de serem concluídos e uma certa serenidade que existiu depois de algum tumulto dentro do MP – e a perceção que isso provocou nos cidadãos -, era necessário termos algum sossego e, acima de tudo, ponderação. Embora não concordando com a anterior procuradora em muitas matérias – foi a pessoa com quem melhor me entendi pensando de maneira diferente -, considerava que, no reforço da ideia do Estado e das instituições, a continuidade da Dra. Joana Marques Vidal teria tido essa vantagem de sinalização para o exterior, de provocar uma compreensão positiva no cidadão. O engraçado é que, depois, houve a alteração e tudo se passou com normalidade democrática. A procuradora está a fazer o seu caminho e será julgada no fim do percurso. As instituições funcionaram, a democracia funcionou, cada um tirou as suas conclusões, mas, como vimos, a serenidade manteve-se sem qualquer problema, com a vantagem de a matéria ter sido discutida no espaço público.


Fotografia de Mafalda Gomes

Acha que para a independência do cargo de procurador, é importante ter só um mandato?

Sou favorável à possibilidade de um segundo mandato, pelo menos, se for de cinco anos, como é. Se fosse aumentado para sete, diria “sim, senhor”. Mas sou favorável se for visto casuisticamente, porque há casos em que um mandato já é demais e outros em que será de menos.

Falando agora do funcionamento da Ordem, começou o seu mandato defendendo a ideia que se tinha de fazer uma auditoria às contas porque tinha havido irregularidades. Fez-se a auditoria, mas ficou por aí?

Às vezes o espaço público leva as coisas para um caminho que não era o que estava. O que sempre disse foi que era muito importante fazermos uma auditoria para podermos trabalhar com sossego. Desde a publicação da lei das associações públicas passamos a ter que ter um conjunto de procedimentos, nomeadamente de contratação pública, como as entidades públicas. Não poderíamos entrar numa instituição sem saber o que estava para trás, e de saber de uma forma clara para podermos adaptar o nosso trabalho no futuro. Verificar onde pudesse ter havido algum erro ou alguma irregularidade, mas acima de tudo chegar ao fim e dizer “em conclusão: devem fazer isto, mudar isto, alterar isto”. E ainda bem que o fizemos porque tivemos de reestruturar a casa, alterar as funções, contratar pessoas próprias para trabalhos que não existiam, tivemos de pôr no terreno, contratações de natureza pública, nacional e internacional, tivemos de resolver o problema das adjudicações, tivemos de olhar para a gestão e ainda bem, porque nos permitiu chegar ao final do primeiro ano civil e ter 1,8 milhões de euros a menos de despesas. Permitiu-nos pensar de contas negativas a contas positivas. Para além do esforço de todos, isso só foi possível pela circunstância de termos feito uma auditoria. Perguntar-me-á: e agora a auditoria? Nós somos por lei obrigados a remetê-la para o conselho superior, para o Ministério Público e para o Tribunal de Contas e foi o que fizemos. Vamos aguardar com calma.

Mas um desvio de quase 1,2 milhões de euros no orçamentado não indicia irregularidades…

Pode indiciar, como pode indiciar apenas uma má gestão. 

Não deveriam ter apresentado queixa?

Devíamos informar as entidades próprias do resultado da auditoria e, sobretudo, alterar aquilo que estava mal. Por isso ficámos satisfeitos que no final do primeiro ano tínhamos as coisas estabelecidas, tínhamos passado a superavit. Foi um trabalho imenso e um trabalho que ainda por cima não se vê.

Não há aqui uma atitude um pouco corporativa de não querer acusar…

Não é uma atitude corporativa, teríamos de ter um indício claro disso. E nós temos a certeza que ninguém ficou com dinheiros. O que houve foi um outro tipo de gestão. Claro que do ponto de vista político podíamos achar que há aqui responsabilidades democráticas. Mas nunca tivemos uma intenção de perseguição. Quisemos foi ter uma atitude diferente, por exemplo, se a cerimónia do dia do advogado custou 110 mil euros e nós no primeiro ano fizemos a cerimónia com 10 mil, é evidente a diferença de atitude. Poupamos 100 mil. Mas porque as pessoas ficaram com 100 mil? Não, foi um problema de política, gastar, fazer festa.

A auditoria chegou à conclusão que o valor em dívida dos associados à Ordem era no final de 2016 de 7,2 milhões de euros, sendo que 2,6 milhões era dívida com mais de cinco anos. Como está a situação?

O que estamos a fazer é a fechar esse ciclo. Porque ninguém fazia nada. Escrevemos aos advogados a propor uma solução extrajudicial, em relação aos que não quiseram fazer começaram a entrar as ações. Quando começámos a preparar as ações vimo-nos confrontados com um problema que pensávamos estar tratado – os tribunais entendiam não ter competência, que era da competência da Autoridade Tributária e esta veio dizer que, em primeiro, não tinham programa informático para esse fim, e, em segundo, que o estatuto da Ordem não previa essa possibilidade. Repare no que isso significaria, estávamos no limbo, com os tribunais a dizer que não e a Autoridade Tributária a afirmar que não tinha nada a ver com isto. Demorámos meses a encontrar uma solução e o assunto era de tal maneira grave que não poderíamos estar a pensar numa alteração legislativa que iria demorar imenso para saber um tribunal que tivesse competência. Comunicámos à tutela e a seguir tivemos uma reunião com a diretora geral que concluiu que a Ordem tinha razão e que a responsabilidade correspondia à Autoridade Tributária. O problema é que é tudo muito lento, porque a plataforma informática onde a Autoridade Tributária nos permite trabalhar é anacrónica. Já informámos o ministério, já informámos a secretaria de Estado, temos feito várias informações sobre isto e não temos resposta. Isto tem provocado erros importantes, o que nos obriga a desistir da execução com custas a nosso cargo. Este sistema é vergonhoso. Se se entende que as costas da Ordem devem ser auditadas pelo Tribunal de Contas, como é que não se entende que elas não têm importância suficiente para que nos seja fornecido pela Autoridade Tributária um mecanismo informático simples, razoável e de acordo com os tempos de hoje.

Já conseguiram recuperar algum desse dinheiro em dívida?

Já.

Qual é o montante em dívida neste momento?

Ainda é bastante grande, diria que 6 milhões. Já recuperamos acima de um milhão. Só não recuperamos tudo por culpa do sistema. Não é possível estar a trabalhar nestas condições.

Estão previstos nos estatutos processos disciplinares para quem não tem a situação de quotas regularizada com a Ordem…

Estão, mas nunca foram usados. O nosso estatuto precisa de ser alterado aí porque fala em que só se pode recorrer a isso ao fim de 12 quotas em dívida. É muito. Precisamos de atuar preventivamente. Temos de diminuir esse número. Por outro lado, vamos encher os conselhos de deontologia com queixas, o que também não é bom.

Uma das recomendações da auditoria era a simplificação da estrutura organizativa, a Ordem ainda continua a ter os 238 órgãos sociais e 820 membros?

Isso nós não conseguimos alterar porque tem de ser por lei da Assembleia da República, mas há aí uma questão que temos vindo a discutir, se por um lado tem este número que é complicado de gerir, por outro significa que a Ordem está presente em todas as localidades e isso também é importante. Podíamos é dizer se não haveria outro mecanismo para estar presente. Olhando apenas para o ponto de vista económico poderíamos, até de uma forma imprudente, arranjar uma solução, mas temos de ter em atenção que a questão aqui em jogo é mais do que isso. Não podemos fazer uma desvalorização a partir do número de órgãos apenas pela circunstância de ser complexa. Queremos colocar isso para segundo plano agora, mas é evidente que haveremos de discutir isso internamente.

Seis sociedades colocaram um processo contra a ordem por causa dos pagamentos de quotas mensais, como está esse processo?

A Ordem, do ponto de vista estatutário, é obrigada a cobrar quotas às sociedades. É uma obrigação da gestão fazer essa cobrança. Já tinha sido aprovado em assembleia geral no mandato anterior, mas ninguém a aplicou. Essas seis sociedades não disseram nada na altura da audiência prévia, deixando passar os 30 dias para se pronunciarem. A seguir, convocámos a assembleia geral, onde só apareceram alguns colegas que não só achavam que tinha de haver isto, como aquelas sociedades que tinham mais associados deviam ter ainda maior pagamento. Depois da aprovação do orçamento para 2019 é que aparece esta ação das seis sociedades contra o conselho geral. Vamos aguardar serenamente o que o tribunal dirá.

Referiu que isso poderia ter a ver com a campanha eleitoral para a sua sucessão.

É uma especulação minha, não tenho dados. Audiência prévia, nada; assembleia geral, nada; aprovação das contas, nada; e só depois é que aparece a ação – estranhamos.

Quem poderia estar por trás disso?

Nem quero pensar nisso. Deixemos o tribunal decidir e estejamos atentos ao que vai suceder. No fim faremos uma apreciação jurídica e política.

Pensou em não se recandidatar, porque reconsiderou?

Sempre tive para mim que um mandato chega, embora entenda que três anos é pouco, não dá para fazer grande coisa, principalmente com a herança pesada que tivemos. Mas fizemos o trabalho e ainda não o concluímos, mas achava que era possível que alguém com o mesmo pensamento pudesse avançar para uma candidatura a bastonário e constituir um conselho geral. Com o mesmo pensamento, que não fosse gastador, que olhasse para o essencial, que tivesse uma preocupação de trabalho institucional com as outras entidades, magistrados, funcionários e todas as demais entidades, governo, Assembleia da República. De uma forma serena, que não andasse sempre nos telejornais e nas bocas do mundo. Eu posso cometer o pecado de ser discreto em excesso, alguns colegas dizem isso e tenho de o admitir que pode acontecer, mas prefiro o excesso de um lado que o excesso do outro. Os colegas com quem falei não estavam disponíveis agora, estariam disponíveis se fizesse um segundo mandato. Isso obrigou-me a repensar. Agora, há aqui dois momentos diferentes, o primeiro é quando decido vou recandidatar-me, o segundo é porque o disse logo. A responsabilidade da ordem e, principalmente, do bastonário, deve sempre ser sufragada e fiscalizada pelos colegas. E assim podem ver se no ano de 2019 eu ando para aí a fazer campanha a partir da própria ordem ou se ao assumir isto estou apenas a dizer que deve haver transparência. É penosa esta recandidatura, embora seja um ato de natureza voluntária. É penoso para quem não é de Lisboa, a família está no Porto. Um mandato estaria bem. Mas mudaram-se as circunstâncias e eu entendo que a coerência é a coerência de cada circunstância.

Sendo um homem discreto, não será um fator que poderá influir nas eleições se surgir alguém mais interventivo?

Pode acontecer, corremos o risco de uma escolha populista. Mas há muito colega que me pede para intervir um pouco mais, mas que continua a dizer que, embora essa pouca intervenção pública, foi melhor assim que o contrário, porque reconhece o trabalho sem estar sempre agarrado ao microfone e a olhar para uma câmara. Eu acho que é preciso encontrar equilíbrio, mas é natural que neste primeiro mandato, as coisas também fossem assim porque o que tínhamos para dizer era muito interno. Mas o bastonário tem de ter algum cuidado com o que vai referindo e não há muitos convites para discutir questões de política da justiça, porque isso não é a mensagem do sangue. 

Podemos esperar um bastonário mais interventivo?

Um bocadinho, mas não muito mais.

Não poderão acusá-lo de eleitoralismo?

Se for só um bocadinho mais, espero que não [risos]. Espero que batam palmas. É verdade que a questão do eleitoralismo no último ano vai-se sempre colocar, mesmo que não se faça nada que tenha a ver com eleitoralismo. 

Os seus dois antecessores lançaram-se na política a seguir a deixarem de ser bastonários. O que acha? Tem alguma intenção de o fazer?

Quem passa por lugares com exposição pública é sempre passível de ir para a política. Dizer que vieram apenas para fazer o salto de paraquedas significa que não tinham nenhuma atuação ou exposição de trabalho em termos públicos. Por exemplo, há quem diga que o Dr. Marinho fez trampolim, não sei se fez ou não, o que sei é que ele já estava no espaço público antes.

Ao contrário da Dra. Elina Fraga?

Ao contrário da Dra. Elina Fraga que não tinha um espaço público. Eu posso dizer que já tinha um espaço, na área cultural, pelo menos regionalmente. Do ponto de vista nacional, não tinha. Poderei ser convidado ou não, não faço ideia, sem que nunca me preocuparei com isso. Se penso ter uma atividade pública, penso voltar ao escritório e seguir aquilo que já fazia antes, a atividade cultural, disso tenho muitas saudades. Atividade política? Dependeria do que fosse.

Se um primeiro-ministro chegasse ao pé de si e lhe dissesse quero tê-lo na minha equipa ministerial, tenho a pasta da Justiça ou a da Cultura para si. Qual é que escolhia?

Ministro da Defesa, para destruir os muros que fossem sendo construídos!