Triste in English From Spanish. Sónia Baptista a olhar a tristeza nos olhos

Triste in English From Spanish. Sónia Baptista a olhar a tristeza nos olhos


O espetáculo em que Sónia Baptista encara a tristeza está de regresso à Culturgest. A partir de hoje, e desta vez inserido num ciclo que conta com um debate – “A vida tal qual ela é: o direito à tristeza” – e uma conferência sobre ecofeminismo com a investigadora Yayo Herrero


Poderia ser um emoji. Aquele emoji triste, um emoji ainda no código em que se faziam quando não tinham ganhado ainda forma, com que Sónia Batista termina o texto com que acompanha o abraço que resolveu dar à tristeza neste “Triste in English From Spanish”. Um espetáculo de teatro e dança em que a olha nos olhos – tarefa que vê como nada fácil, mas necessária “para melhor viver”, ou pelo menos de maneira a que viver seja “interessante e desafiante” – e que a Culturgest, onde estreou já em 2017, repõe a partir de hoje, integrado num ciclo a que se juntam um debate e uma conferência, aos quais já vamos.

Por agora, olhemos para ela: Sónia Baptista sozinha neste palco para um início de espetáculo que, pela forma, poderia ser comédia, em stand up, não fosse o tema: a tristeza, numa festa à qual ainda se hão de juntar a melancolia e, pior, a depressão. Três estados que a sociedade discrimina ao mesmo tempo que confunde, mas para os quais a coreógrafa passou dois anos a olhar com atenção, como se vê: “A melancolia é estética, é uma coisa de estilo, é dançar Joy Division a olhar para os sapatos; a tristeza é ativa, é um estado que se quer mudar” e que levará quase sempre a uma mudança. E depois há a depressão, a depressão que “não tem graça nenhuma: é o oposto da ação, da esperança, da alegria, é um estado de nada”.

E vamos lá: Sónia Batista, neste palco, no que começa como uma tentativa de fazer comédia (“mais tragicomédia”) mas do qual não nos safamos sem descer ao fundo do poço do melodrama. Como começar? Talvez por uma pergunta: “Why was sadness created? Cómo se dice, porque é que a tristeza foi criada?” E mais perguntas – “como é que eu fiquei triste?” – para as primeiras respostas: “Bom, nasci”. Ou: “Tenho um feeling. É esse o meu problema: o feeling.” Uma pessoa tem feelings, vários feelings, uma sucessão de feelings ao longo do dia: “À noite entro na cama e tenho um feeling e depois já é tarde demais para me safar.” A seguir a isso, é acordar de manhã e chegar a este palco à noite e contar: “I wake up every morning and say bonjour tristesse”.

E isto ainda é Sónia Baptista no monólogo inicial ainda: paraa quê pôr na boca de atrizes textos que eram, afinal, sobre si própria? “Se os textos são sobre mim, são ditos por mim.” Explica a performer e cocriadora, com todas as mulheres que nele participam, deste espetáculo no texto em que o apresenta como o criou a partir da sua “tristeza particular” para a partir daí tentar “tocar” a “tristeza do mundo, em geral”. Numa espécie de “toca e foge” em que diz ter dado a volta ao mundo para voltar a si, no final.

“O espetáculo começou por ser uma tentativa de reflexão bastante afastada de mim sobre o estado do mundo e a nossa relação com a tristeza”, diz numa conversa com o i em vésperas de estreia Sónia Baptista, que, no caminho de dois anos que percorreu até à ideia inicial e a estreia, no ano passado, na Culturgest, não lutou contra o rumo que ele próprio tomou. “As coisas têm vida própria e, apesar de estar sempre a dizer que não queria que este fosse um espetáculo autorreferencial, começou a ser cada vez mais claro [que seria] e acabou por ser o espetáculo mais pessoal que fiz até hoje.”

Uma “espécie de lepra moderna” As reações que teve do público na estreia do espetáculo, na mesma casa, em novembro de 2017, serviram para provar que estava certa quando julgou que um espetáculo que partisse de si, da sua própria tristeza, poderia tornar-se universal. “As pessoas procuravam-me, no final dos espetáculos ou nas redes sociais, para me falarem sobre como o espetáculo as tinha tocado.” E agora que “Triste In English From Spanish” não vem sozinho mas integrado num ciclo a propor-nos que olhemos por uma vez (ou de uma vez por todas) para a tristeza sem medo – a partir de 9 de fevereiro, será a vez de, também com uma conferência/espetáculo de Sónia Baptista, o CCB programar um ciclo sobre outro dos sentimentos malditos: a solidão.

Na sexta-feira, a Culturgest recebe, a propósito deste espetáculo, a investigadora na área da ecologia social Yayo Herrero para uma conferência sobre ecofeminismo, um dos temas em que toca “Triste In English From Spanish”.

Mas já hoje, a partir das 18h30, a performer debate o direito à tristeza com as psicólogas Ana Cardoso Oliveira e Isabel Empis e o biólogo Miguel Silveira. Ana Cardoso Oliveira. que Sónia Baptista e a Culturgest convidaram para coordenar a conversa, “A vida tal qual ela é: o direito à tristeza”, lembra aquilo de que provavelmente nos esquecemos. “Porque, vamos pensar, temos dois tipos de tristeza: a tristeza circunstancial, do exterior para a parte interna – quando temos perdas, quando temos lutos, quando as coisas não nos estão a correr como imaginámos, nessa alternância em que todos os dias temos coisas tristes e coisas boas e alegres que é o que faz o fluir da felicidade. O que está a acontecer é que neste momento parece que nenhum de nós tem direito a sentir tristeza circunstancial. As outras pessoas pressionam-nos para estarmos alegres, para publicarmos coisas alegres, ‘temos que ser positivos’, num desrespeito total pela ideia de que muitas vezes estamos tristes com lutos internos, por coisas que não aconteceram, por coisas que já ultrapassámos”, diz a psicóloga ao i.

“Hoje em dia, os momentos Kodak são os mesmos de antigamente, mas são muito mais replicados. Estamos sempre em festa, estamos sempre no pôr-do-sol mais magnífico, estamos sempre na viagem mais extraordinária e, de facto, é como se as pessoas para estarem tristes tivessem que estar afastadas. Como se a tristeza fosse uma espécie de lepra moderna.”