Função pública. Sindicatos voltam hoje às negociações mas já ameaçam com greve

Função pública. Sindicatos voltam hoje às negociações mas já ameaçam com greve


Convocação de greves e paralisações já está na agenda das estruturas sindicais no caso de o governo não aceitar aumentos salariais para todos os trabalhadores. As propostas variam entre os 3 e os 4%. E há já quem prometa “uma primavera mais quente que o verão”


O Ministério das Finanças e as três estruturas sindicais da administração pública regressam hoje à mesa de negociações para discutir os aumentos salariais para este ano. O governo já propôs atualizar a base remuneratória da função pública de 580 para 635,07 euros, montante correspondente atualmente ao quarto nível da Tabela Remuneratória Única. Mas, do lado dos sindicatos, esta proposta não é suficiente e já acenam com protestos. 

Para a Frente Comum, a proposta não chega. A par dos 50 milhões de euros que serão destinados a atualizar os salários mais baixos, a estrutura sindical defende ainda aumentos para todos os funcionários públicos. Para salários até 1500 euros quer subidas de 60 euros e, acima desse ordenado, defende uma atualização de 4%. “Trata–se de uma proposta minimalista tendo em conta que não há há dez anos aumentos salariais para a função pública. Estes aumentos são mínimos para fazer face à subida do custo de vida”, refere Ana Avoila ao i. 

Para a sindicalista, com esta solução de aumentar apenas os trabalhadores com salários mais baixos, “o governo está a criar problemas atrás de problemas”. 

Para já, a coordenadora da Frente Comum admite que as perspetivas de um acordo são reduzidas. Como tal, acena com um plenário que vai realizar-se no próximo dia 15 e tem em cima da mesa duas propostas: “Uma greve nacional ou uma manifestação nacional”, diz ao i. 

Também a Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP) tem vindo a garantir que “não vai desistir” da correção dos salários no Estado para este ano. “Não abdicamos da nossa proposta, não vamos desistir da correção dos salários na administração pública, até porque nos preocupa muito todos os trabalhadores que não mudam de posição remuneratória, têm os mesmos salários de 2008 e 2009 e continuarão congelados”, refere José Abraão.

E o sindicalista deixa um alerta: se o governo mantiver a postura que tem tido até agora, de aumentar apenas a remuneração mínima do Estado em 2019 para 635 euros, a contestação vai crescer. “Vamos ter uma primavera ainda mais quente que o verão”, diz, acrescentando que o executivo “só está a empurrar os trabalhadores para todas as formas de luta e para esta insatisfação que está hoje na sociedade portuguesa, com greves quase todos os dias. E não serão greves de apenas um dia que acontecerão se não houver resposta para isto”.

Além das dúvidas que tem em relação ao desfecho das negociações, a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Helena Rodrigues, critica ainda a indefinição que continua a existir. “Nunca houve uma indefinição tão grande quanto a remunerações, nem quando foram aplicados os cortes salariais, em 2011”, salienta.

A FESAP e o STE defendem aumentos de 3% e 3,5% respetivamente, correspondentes, no mínimo, a valor igual ao da inflação.

Timing incerto Apesar de acharem que é insuficiente o aumento só para os funcionários públicos com remunerações inferiores a 635 euros, os três sindicatos chamam ainda a atenção para o facto de essa atualização não conseguir ser paga já este mês. A explicação é simples: o diploma continua em negociação e os ordenados já começam a ser processados. “O prazo é muito apertado e há salários que começam a ser processados entre os dias 7 e 10, pelo que muitos trabalhadores não vão receber o diferencial em janeiro”, disse José Abraão. 

A opinião é partilhada pela presidente do STE ao garantir que essa subida “não vai a tempo” de ser processada este mês, lembrando que, nos anos em que havia atualizações salariais na função pública, ou seja, antes de 2010, elas “acabavam por ser pagas em fevereiro ou março com retroativos a janeiro”. Também Ana Avoila não acredita que esse aumento seja pago já este mês, uma vez que “muitas remunerações já estão a ser processadas”. 

Medida abrange 70 mil Esta atualização que já é dada como fechada pelos sindicatos – de atualizar a base remuneratória da função pública dos 580 euros para 635,07 euros – irá abranger cerca de 70 mil funcionários públicos e irá custar 50 milhões de euros aos cofres do Estado. Mas se, para quem recebe 580 euros, esse aumento irá representar uma subida de 55 euros no salário, esse aumento será quase irrisório para os trabalhadores que já auferem valores salariais próximos dos 635 euros

Aliás, foi esta a verba destinada pelo executivo para a função pública no Orçamento do Estado para este ano, mas, no momento da apresentação do documento, não estava definido como é que esse valor iria ser aplicado. Isto significa que cerca de 600 mil trabalhadores ficarão de fora destes aumentos – uma medida que não agrada aos sindicatos da administração pública que têm vindo a pedir atualizações salariais para todos os funcionários públicos. 

Em outubro, antes da entrega da proposta do Orçamento, chegaram a estar previstos três cenários: um aumento de cinco euros para todos os funcionários públicos; aumentos de dez euros para os que ganham até 835 euros e ou aumento de 35 euros apenas para os trabalhadores com salários mais baixos que, após a atualização do salário mínimo, passam de 600 para os 635 euros. No entanto, quase no final do ano, o governo optou por defender apenas o aumento dos salários mais baixos da função pública. A decisão será agora tomada nesta nova ronda negocial.

A verdade é que o ministro tem vindo a chamar a atenção para o aumento da despesa com pessoal na administração pública. De acordo com as contas de Mário Centeno, os gastos vão subir 1950 milhões de euros na legislatura. “Os resultados são indesmentíveis: a despesa com pessoal das administrações públicas aumentará 1950 milhões de euros ao longo da legislatura. Nos 13 anos anteriores (desde 2002), esta despesa aumentou apenas 170 milhões de euros. São mais 11 vezes em apenas quatro anos do que nos 13 anos anteriores”, já disse Mário Centeno na comissão parlamentar de Trabalho e Segurança Social.

Já o salário médio dos trabalhadores aumentou, por sua vez, cerca de 20% em apenas quatro anos, segundo o governante. 

Progressões Também em aberto está a forma como vai ser feita a conjugação da atualização salarial com as progressões na carreira. Esse é um dos temas que a FESAP quer ver esclarecidos. Os funcionários públicos que recebam um salário inferior a 608 euros terão um aumento abaixo de 28 euros e, portanto, caso tenham reunido as condições necessárias, vão ser alvo de progressão. Quanto aos funcionários que tenham um vencimento superior a 608 euros, apenas terão direito a uma atualização salarial, subindo aos 635 euros em 2019 e perdendo os pontos de desempenho que levam às progressões.

Outra dúvida que os sindicatos querem esclarecer hoje é se os trabalhadores terão direito a manter ou não os pontos extra (acima dos dez necessários para exigir) obtidos nas avaliações de desempenho para efeitos da próxima progressão na carreira.

No entanto, do lado do governo já há uma garantia: os funcionários públicos que reuniram dez pontos para o descongelamento da carreira em 2018 começam este mês a receber metade do acréscimo salarial respetivo, sendo pagos mais 25% em maio. Em causa estão os trabalhadores da administração pública que acumularam em 2018 pelo menos dez pontos nas avaliações de desempenho feitas nos últimos anos e que têm, por isso, direito a progredir na carreira em 2019.

Recorde-se que as progressões na carreira estão a ser pagas faseadamente desde janeiro do ano passado, nos termos da Lei do Orçamento do Estado para 2018. Desta forma, quem no ano passado já reunia as condições para progredir começou por receber 25% do acréscimo salarial em janeiro de 2018 e 50% em setembro. O faseamento prevê o pagamento da próxima tranche (75%) em maio de 2019 e de 100% em dezembro.