CDS e PSD apresentaram ontem as suas propostas de revisão do atual diploma, que estabelece os princípios da prestação de cuidados de saúde à população por parte do Estado. São já cinco propostas na AR e o debate está marcado para dia 23. O PSD espera entendimento com o PS e CDS. Os partidos à esquerda querem que o PS escolha uma visão de esquerda e garanta meios para o SNS se tornar autosuficiente.
Descubra as diferenças entre os projetos de lei que vão estar em discussão:
MOTIVOS PARA MUDAR A LEI
Governo – O governo demarca-se da visão do diploma hoje em vigor, que diz que o Estado apoia o desenvolvimento do setor privado. Para o Executivo, acusado de ter virado à esquerda desde que mudou o titular da pasta, o crescimento do setor privado nos últimos anos “foi quase sempre acompanhado por efeitos negativos no SNS, sobretudo ao nível da competição por profissionais de saúde e desnatação da procura”, lê-se no projeto de lei.
PCP – “O SNS, tem, por opção política de sucessivos governos da política de direita (PS, PSD e CDS), sido alvo de permanentes e violentos ataques, (…) pela não alocação dos recursos financeiros e dos meios humanos necessários”, diz a proposta do PCP. “Passados 28 anos da aprovação da Lei de Bases, podemos afirmar que esta foi instrumento para o subfinanciamento crónico do SNS”.
BE – O BE sublinha o contributo do SNS para a melhoria dos cuidados de saúde à população, mas enfatiza as atuais limitações e inimigos. “Por isso é precisa uma nova Lei de Bases que substitua a lei de 1990, aprovada pelos dois partidos que votaram contra a criação do SNS [CDS e PSD] e que fragilizou propositadamente o nosso serviço público de saúde, deixando-o à mercê do negócio privado”.
PSD – O PSD defende um cenário em que continuem a coexistir SNS, privado e setor social. “Este princípio de integração decorre da recusa que o PSD sempre assumirá (…) relativamente a qualquer modelo político de pendor estatizante, que, na área social, tenda a preconizar a concentração exclusiva no Estado, da realização direta de todas as prestações públicas de saúde”.
CDS – O CDS recupera um preâmbulo com 18 anos, que diz manter-se atual: “A conceção atual do SNS estatizado, centralizado, com concentração de funções, não racionalizado e despesista tornou-se insustentável”. O partido acusa o governo de ter feito um “apagão” ao trabalho da comissão de Maria de Belém Roseira, que recuperam, por “cedência a pressões ideológicas”.
PÚBLICO VS PRIVADO E SOCIAL
Governo – A responsabilidade do Estado pela garantia do direito à proteção da saúde realiza-se “primeiramente através do SNS e de outros serviços públicos, podendo ainda ser celebrados acordos com entidades privadas e do setor social”. O governo fala de um princípio de cooperação: podem ser celebrados contratos com setor privado e social condicionados à avaliação da sua necessidade.
PCP – “Compete ao Estado dotar o SNS de meios humanos, técnicos, financeiro e de organização necessários”, diz o PCP. Extingue-se o modelo de gestão empresarial dos hospitais públicos e as PPPs. O Estado pode recorrer “supletiva e temporariamente” ao setor privado e social mas só em caso de esgotamento da capacidade do SNS e avaliando os recursos para repor a capacidade em falta.
BE – A proposta do BE está em sintonia: a relação com o privado não cessa totalmente, mas deve ser excecional. O Estado garante o direito à proteção da saúde através do SNS, podendo celebrar acordos sempre que isso seja “indispensável para garantir o acesso universal e equitativo aos cuidados de saúde”. Sobre as PPP, é perentório: a gestão de serviços públicos não pode ser entregue a privados.
PSD – A clivagem entre os partidos à esquerda e à direita é notória. Segundo o PSD, os cuidados são assegurados por serviços do SNS e por entidades do setor social e privado. A gestão no SNS pode ser entregue a parceiros privados ou sociais se houver ganhos de saúde e vantagem económica para o Estado. A proposta estabelece que pode haver incentivos à criação de unidades privadas, se tiverem vantagens sociais.
CDS – O CDS está em sintonia com o PSD: contratos e acordos com privado/social podem ser necessários para garantir o acesso em tempo clinicamente adequado em áreas não asseguradas pelo público. É o único partido a sublinhar o princípio concorrencial entre setores, “devendo o Estado adquirir serviços de saúde, em igualdade de circunstâncias, aos prestadores públicos, privados e sociais”.
CUIDADORES INFORMAIS
Governo – Foi uma das críticas de Maria de Belém Roseira, a quem o governo incumbiu de preparar uma proposta de revisão de Lei de Bases. O projeto de lei do governo acabou por não incluir a criação do estatuto dos cuidadores informais, mas diz que a política de saúde deve incentivar medidas que promovam responsabilidade social, apoiando voluntários, cuidadores informais e dadores benévolos.
PCP – A proposta do PCP reconhece o papel relevante prestado pelos cuidadores informais e define que deve haver legislação própria para lhes garantir uma rede de apoio em matéria de saúde, trabalho e segurança social.
BE – A proposta do Bloco de Esquerda não dedica um capítulo específico aos cuidadores informais.
PSD – A proposta do PSD vai buscar o articulado sobre o papel de cuidadores informais que o governo deixou cair da pré-proposta de Maria de Belém Roseira. Não ficam fechadas respostas concretas às famílias, mas são cinco pontos que definem que a lei deve reconhecer o seu papel e definir medidas de apoio às famílias.
CDS – O CDS faz o mesmo e transpõe quatro pontos da base XII que surgia na pré-proposta de Maria de Belém, com o projeto de lei a dizer que é “promovido o papel da família, das pessoas próximas e da comunidade na saúde e no bem-estar das pessoas com doença”. Marcelo já disse que o tema lhe é caro, numa intervenção sobre a revisão da lei que levou os partidos à esquerda a acusar o PR de condicionar o debate.
EXCLUSIVIDADE
Governo – O preâmbulo do diploma fala da evolução progressiva para mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas. A ministra Marta Temido falou de um cenário em que trabalhar em exclusivo no SNS teria caráter voluntário, admintindo futuros pactos de permanência para os médicos que se formam nos hospitais do SNS.
PCP – O diploma do PCP compromete-se com a ideia de “incentivar e valorizar o regime de trabalho em tempo completo e dedicação exclusiva” e promover uma “política salarial conducente à fixação de profissionais de saúde no SNS.”
BE – O Bloco também não impõe a exclusividade, apontando antes para um cenário de promoção da dedicação exclusiva nos serviços públicos e estratégias que evitem conflitos de interesse.
PSD – O projeto de lei do PSD determina que podem ser criados incentivos financeiros para promover o trabalho em dedicação exclusiva no SNS, tal como para promover trabalho de investigação.
CDS – A proposta mais diferente é do CDS. Estabelece que podem ser criados incentivos para promover a dedicação exclusiva, mas mantém a ideia de que os profissionais do SNS precisam de autorização para exercerem funções privadas, “não podendo ser autorizada a acumulação de funções se daí resultarem prejuízos ou […] encargos para o SNS”.
TAXAS MODERADORAS E OUTRAS MEDIDAS
Governo – O governo mantém o modelo em que as taxas servem para controlar a procura, prevendo isenções. Uma das novidades da proposta assenta na ideia de que poderão ser estabelecidos valores mínimos para financiar o SNS em função de indicadores demográficos, sociais e de saúde – como que um travão a cortes no setor. Haveria também um plano plurianual de investimento.
PCP – O projeto do PCP é o único que elimina as taxas por completo, prevendo acesso gratuito ao SNS. Outro dos temas fortes é uma gestão mais ‘democrática’ no SNS, com diretores eleitos pelos pares e não segundo o atual modelo. A proposta prevê ainda conselhos regionais que integrem representantes de entidades locais com interesse na saúde, das autarquias às escolas.
BE – O Bloco prevê a cobrança de taxas mas apenas em atos que não tenham sido prescritos ou requisitados por um médico ou outro profissional de saúde. Por exemplo, consultas de especialidade pedidas por um médico de família deixariam de estar sujeitas a taxa moderadora. A proposta do BE prevê comissões concelhias de saúde com participação dos utentes.
PSD – O diploma do PSD mantém o atual modelo de taxas. Uma das ideias do partido é a de uma “defesa sanitária das fronteiras”, acautelando-se medidas para prevenir a importação e exportação de doenças. O BE também destaca este princípio, falando de “defesa sanitária do território”. No campo do financiamento, o PSD admite que os hospitais cobrem pelo direito a quarto particular.
CDS – O CDS não introduz qualquer alteração neste capítulo. Uma das ideias destacadas pelo partido é o financiamento das unidades não só pela produção mas pela qualidade dos resultados, mudança de paradigma que tem gerado consenso nos debates do setor. “O valor para o utente constitui a medida de sucesso” e é definido como um rácio entre os resultados e os custos, diz o partido.