A nova Lei de Inteligência Nacional chinesa, aprovada em junho de 2017 pelo Congresso do Povo, estabelece que todos os cidadãos, empresas e instituições chinesas têm o dever de cooperar com as agências de inteligência e de segurança do país. Nesse misto de continuidade e mudança, a presente legislação consagra uma prática que já vinha sendo habitual desde 2014: toda a gente é responsável pela segurança do Estado.
Desde que funcionem dentro do marco legal, os serviços de inteligência, de acordo com o artigo 14 da nova lei, podem “solicitar aos órgãos, organizações e cidadãos relevantes que lhes deem o apoio, assistência e cooperação necessários”.
Além disso, e de acordo com o artigo 16, os agentes dos serviços de inteligência “podem entrar em locais e áreas restritas relevantes; podem informar-se e questionar instituições, organizações e indivíduos relevantes; e podem ler ou recolher arquivos, materiais ou artigos relevantes”.
Como a lei é vaga na definição de inteligência, a sua determinação passa pelas próprias agências, bem como a decisão no que diz respeito àquilo que é ou não relevante para a segurança do Estado.
Dessa forma, as empresas chinesas com presença no estrangeiro passam a ser figuras relevantes na procura de informação que assegure a segurança do Estado chinês. Se toda a gente é responsável pela mesma, então as multinacionais, pelo seu alcance, são-no ainda mais. Como refere um documento dos serviços de inteligência canadianos, “o alcance humano e técnico das empresas chinesas dá aos serviços de inteligência oportunidades para conseguir acesso direto a muitos governos no mundo de-senvolvido, bem como a muitos países aliados e europeus”.
“À Huawei nunca foi pedido e nunca praticaria (…) espionagem para qualquer governo”, garantiu um porta-voz da empresa, negando “categoricamente” que a Huawei seja “uma ameaça à segurança”. O mesmo porta-voz pediu que a empresa não seja apontada apenas por ser chinesa.
Defendendo que não se trate a cibersegurança como “uma questão política” e sim como “um assunto técnico”, o mesmo porta-voz adiantou que nenhum governo que decidiu contra a empresa ou fez acusações apresentou qualquer prova de que a Huawei recolhe ou pretende recolher informação classificada para o governo da China.
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O problema é que a própria lei do Estado chinês inclui a Huawei, a ZTE e todas as outras empresas chinesas no esforço do governo, e do Partido Comunista como elemento central do mesmo, para manter a segurança do país recolhendo a informação necessária.
O receio dos governos ocidentais é que no mundo que aí vem, dominado pela transmissão massiva de dados das redes de 5G, que permite a redução para quase nada entre o estímulo e a resposta – a denominada latência – nesse mundo que se denomina de internet das coisas, o mundo da inteligência artificial, um alçapão para uma rede permitirá a uma potência estrangeira dominar um país em pouco tempo.
Como refere o ministro da Inteligência neozelandês, “não se trata do país, nem sequer tem a ver particularmente com a empresa [Huawei], é sobre a tecnologia que é proposta”, porque, por mais salvaguardas que existam, o seu potencial disruptivo é imenso.
“Muitas destas tecnologias avançadas são, por natureza, de utilização dupla pois podem promover os interesses económicos, de segurança e militares”, afirmou, na semana passada, o diretor do Serviço de Inteligência de Segurança do Canadá (CSIS), David Vigneault, citado pelo “Globe & Mail”.
“O CSIS tem assistido a uma tendência da espionagem patrocinada pelo Estado em áreas que são cruciais para a capacidade do Canadá de construir e manter uma economia próspera assente no conhecimento”, referiu Vigneault.
Já em maio, os serviços de inteligência canadianos tinham sido muito claros num relatório sobre a China: “Pequim utilizará a sua posição comercial para ganhar acesso a empresas, tecnologias e infraestruturas que possam ser exploradas com propósitos de inteligência ou com potencial para comprometer a segurança de um parceiro.”
Como escreve Eli Lake no site da Bloomberg, “muitas nações têm estatutos que exigem às empresas a cooperação com as autoridades por motivos de segurança nacional”. No entanto, as leis de inteligência e cibersegurança chinesas aprovadas o ano passado “obrigam as empresas a prestar auxílio nas operações de inteligência ofensiva”. Isso permite que os serviços secretos tenham acesso a “importantes dados empresariais e pessoais (que terão de ser armazenados na China), softwares proprietários e outra propriedade intelectual”, como refere o analista Murray Scot Tanner num artigo sobre a legislação chinesa publicado o ano passado no site Lawfare.