O voo do pelicano


Na lista de Tomás Correia para a administração do Montepio consta Idália Serrão. Serrão foi secretária de Estado dos dois governos de José Sócrates e, durante quatro anos, sob tutela do então ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva


Imagine-se a participar numas eleições em que apenas os candidatos que fazem parte da estrutura da associação sabem quem pode votar. Imagine-se a participar numas eleições em que, apesar de ter centenas de espaços abertos ao público em todo o país, a associação condiciona o voto presencial a ser realizado num único dia e sítio em Lisboa. Imagine-se a participar numas eleições em que apenas algumas listas têm acesso à base de dados de associados para fazer campanha. Imagine-se a participar numas eleições em que a Comissão Nacional de Proteção de Dados se recusa a prestar esclarecimentos sobre a proteção de dados dos associados, apesar de intimada pelo Tribunal Administrativo para o fazer. Imagine-se a participar numas eleições em que a estrutura da organização é quem coloca em urna a esmagadora maioria dos votos ou tem a maioria dos votos na comissão eleitoral, aceitando ou rejeitando os votos que bem entende.

Ao longo da campanha em que estive envolvido para a Associação Mutualista Montepio poderia descrever um conjunto de exuberantes atropelos aos mais elementares princípios democráticos que não seriam admissíveis numa eleição para uma precária associação de estudantes ou de moradores. Muito menos numa organização que gere milhares de milhões de euros dos mais de 600 mil associados. Para que se perceba o ambiente vivido e o sentimento totalitário existente dentro da instituição, na noite/madrugada da contagem dos votos, as listas da oposição aguardaram na rua e ao frio o anúncio dos resultados, enquanto a administração esperava nos seus faustosos escritórios do edifício-sede.

Mas desengane-se o país que pensa que o que se passa no Montepio é um problema exclusivo dos mutualistas e depositantes ou que defende as declarações de distanciamento do ministro Vieira da Silva.

Na lista de Tomás Correia para a administração do Montepio consta Idália Serrão. Serrão, além de ser desde 2005, ininterruptamente, dirigente nacional do PS, foi secretária de Estado dos dois governos de José Sócrates e, durante quatro anos, sob tutela do então ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva. Mais, Serrão transporta o peso institucional de ser secretária da mesa da Assembleia da República. Sendo elegível de acordo com os critérios da associação, Idália Serrão tem todo o direito a candidatar-se ao lugar e até admito que pudesse ter a aspiração de colocar algum tento na deriva de quem tem vindo a governar o Montepio. Contudo, o seu passado e posição institucional deveriam obrigá-la a salvaguardar–se desde o ato eleitoral. E quando escrevo salvaguardar-se não o entendo como um sinónimo de esconder-se. É necessário dar o passo em frente para tomar a palavra, e não apenas constar do cenário para a fotografia. Nestes contextos, o silêncio não deve esperar absolvição.

Este ato eleitoral não terá servido para remover definitivamente quem administra o Montepio – talvez isso até fosse impossível -, mas terá certamente feito crescer a esperança de voltar a existir em Portugal uma entidade financeira mutualista que se coloque ao serviço dos seus associados e se constitua como um ator central contra a especulação financeira e por uma banca ética. A Associação Mutualista Montepio é certamente um espaço que importa recuperar.

 

Escreve à segunda-feira