Chegou o mês mais bonito do ano e, com ele, a época mais festiva e universal. As ruas iluminam-se de todas as cores, as árvores de Natal brotam, instantaneamente, dentro das casas; as lojas mudam as suas decorações, apostando tudo nesta quadra que se quer generosa; há mercados de Natal por todo o lado, feiras com pistas de gelo que atraem centenas de famílias; nas escolas sucedem-se as festas de Natal, com os pequenos a deliciarem os pais e os avós com os seus teatros ou cantando no coro com aquela voz celestial de quem ainda é criança…
É também o mês em que o trânsito se agrava, o mês em que se gasta mais dinheiro – ao longo deste ano, as famílias portuguesas voltaram a níveis de consumo semelhantes aos mesmos valores que gastavam antes da troika – , o mês em que as empresas irão receber do fisco um alerta sobre a sua saúde financeira e, para ajudar, é o mês em que somos levados à loucura pela falta de tempo para concretizar tudo o que tem de ser feito.
Dezembro põe-nos à prova. Isto, se levarmos a sério e por inteiro tudo o que o último mês do ano nos traz. Além de tudo o que temos normalmente para fazer para nós e para os nossos, ainda surge uma lista de afazeres inadiáveis e com data de conclusão: 24 de dezembro! Esta é a data limite para que a lista tenha os vistos à frente de cada item. Até lá, entre o trabalho, a escola dos filhos, a família e os nossos pequenos prazeres (que são os primeiros a adiar, para se ter tempo para tudo o resto), há que ter endurance para levar tudo a cabo e ainda desfrutar do melhor mês do ano.
Este ano, no topo desta lista, em primeiríssimo lugar estava escrito: “Fazer a árvore de Natal.” Check! Dia um, no primeiro dia do Advento, a árvore estava enfeitada e foi iluminada, apesar de ter sentido a primeira pressão da falta de tempo. Como o feriado em que se comemora o Dia da Restauração da Independência calhou ao sábado, fez falta aquele dia extra para esta tarefa, já que encurtou o fim de semana. A alternativa teria sido deixar a árvore enfeitada no fim de semana anterior, e iluminar somente no primeiro dia do mês em que se comemora o nascimento do menino que teve o seu primeiro berço improvisado numa manjedoura.
A vontade de antecipar este momento invadiu-me várias vezes. A meio do mês de novembro, a cidade já se encontrava abrilhantada e, em várias janelas, já se descortinavam árvores luminosas que aqueciam os ambientes das casas frias do outono. Quando espreitava as redes sociais, sentia-me a única sujeita que ainda não tinha tido tempo para fazer a dita árvore, e sempre que os meus filhos me perguntavam sobre o assunto sentia o peso daquelas interrogações, respondendo evasivamente que há um tempo para tudo, até para fazer a árvore de Natal.
Em novembro celebrou-se o mês das almas, isto partindo do princípio de que os que celebram o Natal são os mesmos que recordaram, no primeiro dia de novembro, as pessoas queridas que já partiram, deixando saudade aos que ainda por cá ficaram. São dias em que, ao contrário do mês de dezembro (no qual estamos em contagem decrescente para o nascimento anunciado, em modo festivo), somos confrontados com a dor do vazio de quem já nos deixou e, assim, convidados a homenagear os que um dia pertenceram aos nossos dias e são parte de nós, mesmo na sua ausência. Todos temos alguém para recordar de quem sentimos uma saudade que nos aperta até nos sentirmos mirrados e que nos faz pensar onde estarão e se algum dia voltaremos a sentir o seu calor no nosso peito. Este é o poder do mês de novembro: de nos situarmos perante a vida e perante a morte.
Esta é a razão de não iluminar a árvore antes do primeiro dia de dezembro. Simples. Simbólica. Acima de tudo, respeitosa e evocativa.
Tudo tem um simbolismo, um significado, ainda que, todos os dias, uns poucos nos queiram fazer acreditar que não, votando-nos ao esquecimento do que um dia nos foi transmitido, numa tentativa de esvaziar o sentido que emprestamos às pequenas ocorrências dos dias, como se fôssemos meras bagagens sem conteúdo. O nosso conteúdo é tudo o que nos é passado pelos nossos antepassados, ensinamentos seculares e que foram perdurando, de geração em geração, pela sua verdadeira importância, e nos quais, ao longo do nosso caminho, vamos imprimindo as nossas experiências individuais, que acabamos por passar aos nossos descendentes.
Vivemos à pressa, desvalorizando o verdadeiro sentido de cada um de nós, ao ponto de no tempo dos mortos celebrarmos, antecipadamente, o nascimento. Um atropelo que às vezes é só um esquecimento, outras é o vazio que nos contamina, apoderando-se do nosso interior.
Bem-vindo, dezembro.
Escreve quinzenalmente