Falha no stock dos livros portugueses deixa Portugal a meia-haste na Feira de Guadalajara

Falha no stock dos livros portugueses deixa Portugal a meia-haste na Feira de Guadalajara


Portugal é o país “convidado de honra” da  32.ª Feira Internacional do Livro de Guadalajara, a segunda maior do mundo, e que termina no domingo. Mas hoje, e face à impossibilidade de repor o stock, a livraria do pavilhão português já vai à bolina


Estimou-se que, por dia, cem mil pessoas visitassem a FIL de Guadalajara (a terceira maior cidade do México), mas se as expectativas eram elevadas quanto ao número de visitantes que teriam obrigatoriamente de atravessar os 1200 metros quadrados do pavilhão português, ao terceiro dia da feira que, tendo uma componente profissional, é também aberta ao público, já metade do stock de 3000 livros se tinha vendido, e não há meio de proceder à sua reposição.

José Manuel Cortez, da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB), admitiu em declarações aos jornalistas que as prateleiras da livraria estavam a fcar desfalcadas, e que já esgotaram ou restam poucos exemplares de autores como Gonçalo M. Tavares, Dulce Maria Cardoso e Ana Luísa Amaral. “Nem prevejo como vai ser a situação no próximo sábado e domingo. São massas de gente que entram aqui dentro. Não sei se vamos esgotar, mas que vão vender muito, vão”, admitiu o responsável. E talvez a candura seja sinal da hesitação entre reclamar já o retumbante êxito da participação portuguesa ou admitir que a organização falhou redondamente na estimativa que fez do que poderia vender-se.

“Há um fator que devia ter sido previsto e não foi. Algumas entidades, não sei se públicas se privadas, têm vindo aqui abastecer-se de livros em português e compram 12, 15 livros para levar. Seguramente que aquilo não é pessoal, nem privado. É provavelmente por causa de apoio ao ensino”, disse José Manuel Cortez.

Entretanto, e decorridos três dos nove dias da feira, o cada vez menos amplo sortido de autores na livraria do pavilhão português poderá levar os visitantes a ir até ao fundo da sua lista de preferências, e a conhecer outras vozes, que não António Lobo Antunes, Gonçalo M. Tavares, Fernando Pessoa e José Saramago. São estes, segundo Cortez, os autores portugueses que têm sido mais procurados. Além da livraria, espalhado por todo o recinto da feira há outros pontos de venda onde é possível aos visitantes adquirir obras de literatura portuguesa, em espanhol, mas apenas daqueles autores nacionais e lusófonos que estão já incluídos nos catálogos das editoras latino-americanas.

Assim, ao terceiro dia, o país que, nas palavras da Ministra da Cultura, Graça Fonseca, conta mostrar-se com a sua participação e o programa que levou à feira uma "potência cultural", revela outro traço que muitas vezes lhe é assacado à laia de carácter nacional: a impreparação que abre caminho ao desenrascanço. Agora, cabe ao comissariado para a participação portuguesa na FIL impedir que a livraria se transforme num mero balcão de reclamações.

Numa reportagem para o "DN", João Céu e Silva notou que "dificilmente sobrará algum livro no pavilhão, onde já se notam muitos buracos nas estantes, quando a FIL fechar este domingo".

Com um orçamento inicialmente previsto de 2,5 milhões de euros para a participação portuguesa nesta edição da Feira de Guadalajara, a comissão quis poupar, e gastaram-se apenas 1,8 milhões, dos quais 340 mil euros foram contribuições de privados. Quanto a saber se os investimentos feitos irão ter retorno na afirmação da cultura portuguesa no plano da edição internacional, o jornalista do "DN" ouviu a agente literária Nicole Witt, que tem na carteira autores como Agualusa, Lídia Jorge, Odjaki ou José Luís Peixoto, e que esclareceu que houve interesse, nos meses que antecederam a FIL, de grandes grupos editoriais e de independentes em publicar autores portugueses: "Por exemplo, a Almadia publicou Gonçalo M. Tavares." Também José Luís Peixoto lançou vários livros no México, tal como Afonso Cruz que já soma onze traduções, uma das quais entrou no plano de leitura mexicano e teve uma primeira edição de 80 mil exemplares comprados pelo Estado.

De resto, e no diálogo cultural com o México, a jornalista do "Público", Isabel Coutinho deu um exemplo da criatividade que a comissão liderada por Manuela Júdice (actual secretária geral da Casa da América Latina em Lisboa) tem demonstrado, nomeadamente ao fazer-se valer "do paralelo entre a importante tradição do bordado mexicano e os Lenços de Namorados da tradição portuguesa, que aliam os bordados à escrita". Assim, nasceu a exposição "Variações sobre uma tradição: Dos lenços de amor aos bordados com poesia", com curadoria de António Ponte, que abriu na sexta-feira no Museu Regional de Guadalajara. Deste modo, Pedro Tamen e José Luís Peixoto puderam autorizar que escertos dos seus bordados literários originassem bordados literais, e Herberto Helder não teve já hipótese de recusar-se a ser alvo deste género de coices que recebem os mortos dos vivos mais empenhados nas homenagens e comemorações.