A lei do menor esforço

A lei do menor esforço


Parece que a humanidade se rege pela lei do menor esforço, com todas as tecnologias a serem inventadas para poupar tempo e esforço ao ser humano. Tudo hoje é muito mais simples que no passado


Nos meus primeiros anos de faculdade, estudava eu Economia no ISE (sem o G, de gestão, que havia de ser acrescentado mais tarde), lembro-me bem das esperanças que nos vendiam quanto ao futuro. Seria um tempo de lazer, porque as máquinas, mais tarde ou mais cedo, haviam de fazer as tarefas dos homens, libertando-os do trabalho. Nesse futuro, então longínquo, o lazer governaria os nossos interesses, com cada um a aplicar o seu tempo naquilo que mais o realizasse (nunca percebi porque não poderia ser o trabalho, mas enfim…).

Parece que a humanidade se rege pela lei do menor esforço, com todas as tecnologias a serem inventadas para poupar tempo e esforço ao ser humano. Tudo hoje é muito mais simples que no passado. Temos a vida muito facilitada. Os nossos antepassados se, por necessidade, queriam água, tinham de a carregar. Se, por conforto, a queriam quente, tinham de carregar a lenha. Hoje, como que num toque de mágica, as torneiras dão-nos água quente ou fria, conforme os nossos desejos. No passado, as viagens eram autênticas aventuras. Hoje não há viagens demoradas. Hoje conseguimos tudo com menos esforço e, financeiramente, antes mesmo de qualquer esforço. A sociedade está organizada com esse objetivo e o crédito bancário existe para que se possa colher antes mesmo de semear.

Retomo o começo, perguntando: não será possível libertar os seres humanos da canga do trabalho? Não será possível entregar o trabalho às máquinas libertando o ser humano para outras tarefas, provavelmente mais nobres? A resposta parece evidente, e será sim. Mas como, se é através do trabalho que garantimos a nossa sobrevivência?

Sabemos que o desenvolvimento tecnológico tem aliviado o esforço humano nos setores económicos aonde chega. E tem chegado, de um modo inexorável, especialmente aos setores económicos de mão-de-obra intensiva. O desemprego provocado pela chegada da tecnologia é conhecido. Até hoje, a questão tem sido pacífica (razoavelmente) pelo facto de ocorrer ao mesmo tempo uma maior procura de trabalho nos setores produtores de tecnologia. Essa libertação e o recrutamento de força de trabalho são, contudo, bastante assimétricas, provocando tensões evidentes nos sistemas sociais, em especial nos sistemas de segurança social. Isto, porque se libertam os menos qualificados e mais velhos e se recrutam os mais qualificados e mais novos, naturalmente mais aptos para lidar com as tecnologias emergentes.

Na sequência da Primeira Revolução Industrial ocorreram enormes transformações sociais e a sociedade passou a valorizar muito mais o relacionamento entre os seres humanos e as tecnologias que se afirmavam. Com a introdução, em Inglaterra, dos teares jenny (inventados em 1764), que reduziram drasticamente a mão-de-obra necessária para a indústria têxtil, ocorreram inúmeras revoltas operárias, num movimento contra a industrialização que se opunha à substituição de trabalhadores por máquinas. Entretanto, a produção de máquinas acabou por integrar trabalhadores com aptidões profissionais mais especializadas, dando-lhes a oportunidade de empregos mais qualificados.

Desde então, a história do desenvolvimento económico e das relações do trabalho com o capital não tem deixado de colocar, de forma repetida, a mesma questão: de que modo e com que regras os seres humanos devem ser trocados por máquinas? Até onde poderá ir essa substituição? A quem pode ela interessar? Como reorganizar a sociedade para que os benefícios do progresso tecnológico sejam equitativamente repartidos?

Marx resumiria tudo isto à luta entre o trabalho e o capital, entre os trabalhadores e os detentores dos meios de produção, tudo se resumindo, ao fim e ao cabo, às relações de poder entre os que têm e os que foram despojados.

Mas será possível e sustentável uma sociedade do lazer?

Lembro-me de, na década de 90, ter lido um artigo que girava à volta de uma afirmação feita pelo japonês Shoichiro Toyoda (chairman da Toyota) e que, na sua opinião, justificava a decadência do Ocidente. Dizia ele que uma sociedade que mede o seu bem-estar por aquilo que não faz, pelo tempo de lazer, está votada ao fracasso. Filosofia oriental, dizem-me…