Videojogos. O vício do século

Videojogos. O vício do século


A OMS já reconheceu a adicção dos jogos eletrónicos como um distúrbio mental. Ao i, dois pais contaram qual a relação dos filhos com os jogos e o psicólogo Pedro Hubert destacou alguns sinais de alerta e deixou conselhos


“Tudo o que é demais enjoa”, diz o provérbio nacional. No entanto, muitas crianças, jovens e adultos não parecem concordar quando se trata de jogos eletrónicos. Não conseguir descolar os olhos do ecrã do telemóvel ou da televisão é agora considerado um vício perigoso.

O alerta já foi dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e incluiu os distúrbios dos videojogos na classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde, descrevendo-a como uma falta de “controlo crescente”, no período de 12 meses, em que se registam consequências negativas como falta de sono, irritabilidade ou exclusão de outras atividades do dia–a-dia.

”Isolamento, síndrome de abstinência, troca de prioridades, maus resultados escolares ou laborais” são outros dos sinais de alerta destacados pelo psicólogo Pedro Hubert, coordenador do Instituto de Apoio ao Jogador (IAJ), ao i. 

A indústria de jogos está a crescer cada vez e o aparecimento do Fortnite – jogo de sobrevivência lançado no ano passado – é a prova viva disso. 

“Ficam o dia todo a jogar se os deixar”, disse Maria [nome fictício], mãe de dois rapazes que já não passam sem o famoso jogo de ação e tiro no qual os jovens conseguem também comunicar entre si.

Já Manuel [nome fictício], pai de um rapaz, contou ao i que deixa o filho jogar o Fortnite no telemóvel e na Playstation, mas que vê isso como forma de “distrair o miúdo”. Ambos os pais contaram ao i que a moda pegou rápido, até porque “os amigos também jogam e todos querem experimentar”, disse Manuel.

Este jogo parece ser o maior êxito de gaming dos últimos tempos e uma mina de ouro para a editora Epic Games, que teve na semana passada um pico de 8,3 milhões de jogadores em simultâneo.

Pedro Hubert explicou ao i que nem todas as pessoas têm a mesma propensão para o vício, mas que os jogos são, no entanto, “criados para serem altamente atrativos, com uma parte gráfica interessante e com histórias que nunca mais acabam”.

“Para que haja dependência é necessário que estejam reunidos três fatores: predisposição para a dependência – só 20% da população é que tem -; depois temos os fatores relacionados com o meio ambiente, a moda, os pares, o marketing, etc.; e, em terceiro lugar, os fatores do próprio jogo, se há prémios garantidos, se são interessantes.”

“Tento que eles joguem só um bocadinho quando chegam da escola mas, se os amigos jogarem à noite, já sei que vou ter direito a birra”, confessa Maria. E Manuel deixa uma garantia: “Ele é obrigado a fazer os trabalhos da escola e a deitar-se quando mandamos. De resto, aproveita o tempo para jogar, mas não vejo isto como um vício.”

Para o psicólogo, os videojogos não representam só coisas más, até porque alguns deles são usados para fins terapêuticos, como é o caso do tratamento da esquizofrenia e do stresse pós-traumático. No entanto, defende que a melhor forma de evitar o vício é mesmo o equilíbrio. “É a palavra-chave”, explicou Pedro Hubert. Estabelecer regras de horas ou dias para jogar, haver um maior controlo por parte dos pais ou autocontrolo e ensinar às crianças desde pequenas quais os perigos são alguns dos conselhos deixados. 

“Cá em casa é assim, mas conheço outros pais que dão mais liberdade aos filhos e não veem mal nisso. Eu vejo porque sei que isso poderá trazer consequências”, salienta Maria. 

 

Realidade Virtual

Os jogos como o Pokémon Go! ou o acabado de nascer Follow JC Go! usam ambos a mesma tecnologia, a realidade virtual, através da qual é possível ver figuras nos mapas da rua e apanhá-los através da câmara do telemóvel. 

Em 2016, quando o jogo das figuras japonesas foi lançado, muitas foram as notícias das loucuras cometidas por algumas pessoas, como despedirem-se para se dedicarem ao jogo, pessoas que encontraram mortos à procura do Pikachu (boneco mais conhecido) ou centenas de acidentes de carro por distração enquanto jogavam e conduziam. 

Porém, Pedro Hubert contou que não teve conhecimento de ninguém com problemas de vício. “Talvez por as pessoas se terem fartado rapidamente” foi a hipótese avançada pelo psicólogo, que também destacou o facto de ser um jogo que obriga a sair de casa e que não vai ao encontro dos horários em que mais utilizadores jogam: “Depois do jantar.” 

Ricardo, de 50 anos, contou ao i que, na altura em que foi lançado o jogo, tanto ele como outros elementos da família jogavam. “Saíamos de casa para jogar, combinávamos mais cedo os almoços para encontrar pokémons e, no carro, deixava o jogo ligado para juntar passos e chocar ovos “, lembrou. 

Esse verão foi também palco de muitas outras aventuras. “Ao pé do mar há outros pokémons e nós aproveitávamos, passeávamos depois dos jantares e, por vezes, parávamos num sítio e fazíamos festas (altura em que um jogador pode acionar um poder para apanhar mais pokémons).” Agora já ninguém joga porque “todos nos cansámos daquilo, era sempre a mesma coisa”.