Teoria da relatividade


Sempre que posso viajo, e mesmo quando isso acontece por motivos profissionais (e acontece muitas vezes), procuro satisfazera curiosidade, ver, escutar, conhecer, saber, observar


Existem muitas razões para viajar, conheço várias e, com a experiência das pessoas e a capacidade de aceitação que a idade nos dá, imagino que haja outras que não conheça. Cada um terá as suas. Também eu as tenho, mas há uma que, hoje como sempre, se sobrepõe às outras: a curiosidade. Uma curiosidade de saber, aprender, mudar, de rasgar horizontes, certezas, medos, confortos. Uma curiosidade de escapar à pequenez da viagem apenas à volta do quarto que a cada um cabe no seu dia-a-dia. Algo tão importante e que faz tanta falta.

Como no estudo, na leitura, na advocacia, no ensino, etc., também na viagem a curiosidade foi sempre um poderoso motor que me impeliu e tornou e torna todas estas coisas prazerosas e, quero crer, frutíferas. Sempre que posso viajo, e mesmo quando isso acontece por motivos profissionais (e acontece muitas vezes), procuro satisfazer a curiosidade, ver, escutar, conhecer, saber, observar. Até porque outros lugares e gentes nos dão, entre outros, o suculento e alimentício fruto da perceção de como as coisas são relativas e de como “o nosso mundo” é apenas um dos possíveis e, felizmente, um dos melhores. Tantas vezes a experiência da viagem põe as coisas em perspetiva e no seu sítio. A não ser que a tenhamos muito incapaz de abertura e dura como pedra, a viagem abre “a cabeça”. E aguça o olhar, relativiza as certezas, adoça ou endurece (conforme) as opiniões, estimula ou suaviza (também conforme) as lutas ou as preocupações. O que é importante no “nosso mundo” pode parecer tão pequeno noutros, o que é aparentemente importante ou necessário pode afinal não ser, o que passa despercebido pode revelar-se crucial, o que parece grande pode revelar-se mesquinho, desnecessário, ridículo, risível, quando não mesmo cruel, soberbo ou arrogante.

E isso é tanto mais assim quanto mais nos afastamos do “quarto” a que estamos habituados no chamado Primeiro Mundo, um mundo abundante, confortável, onde o básico está satisfeito, e onde, adquirido isso, tomamos por importantes insatisfações e anseios que outros nem sequer sonham ou imaginam, por lhes faltar chegar ainda ao conforto e à saciedade que temos e de que nem nos apercebemos. Longe de mim querer diminuir ou amesquinhar a luta constante por mais e melhor no nosso mundo, e ainda mais longe fazer o elogio da precariedade, da pobreza ou da falta de meios. Nada disso, e antes pelo contrário. Apenas uma profunda sensação de como tudo é tão relativo, e tão pequena a importância que damos a muitas coisas, quando abrimos bem os olhos para terras e gentes onde falta o que temos e nem nos apercebemos que temos.

Como me aconteceu recentemente, quando pude, uma vez mais, ver, com olhos de ver (e, sem isso, a viagem é apenas um movimento físico de deslocação), coisas como a que a fotografia que ilustra este texto mostra, ou escutar, observar ou apreender outras semelhantes. Realmente, não há como viajar para abrir “a cabeça” e, entre o mais, relativizar as coisas. E aprender sobre os outros e o mundo deles, mas também, e muito, sobre o nosso e sobre nós mesmos.

 

Escreve quinzenalmente à sexta-feira