Ele não, Brasil?


Uma coisa que julgo será consensual é que nos próximos anos vamos assistir aos maiores negócios de privatização de que há memória neste século


O povo decidiu e, portanto, está decidido. Ou não? Mesmo após três dias da eleição do novo presidente da República Federativa do Brasil, o povo veio para a rua gritar “Ele não!”.

A verdade é que ele, sim. Bolsonaro é o nono presidente da vi República e uma nova via na política interna brasileira está aberta.

Durante estes dias tive a oportunidade de privar com vários colegas brasileiros por ocasião da Conferência de Plenipotenciários da UIT, que se realiza no Dubai. Ouvi de tudo e troquei impressões para todos os gostos. Conclusões? Muito poucas! Existe no ar um sentimento de incerteza e imprevisibilidade.

As únicas matérias em que observei alguma convergência foram nas questões da liberalização económica e da separação de poderes.

Como já o havia referido há três semanas, logo após a primeira volta das eleições, Bolsonaro vai seguir em frente com uma política ultraliberal de privatizações e a redução do peso do Estado na economia. À frente estará Paulo Guedes, a quem será entregue um superministério.

Um tema que não existiu, numa campanha em que o novo presidente pouco interveio. Um tema que fez saltar de alegria os mercados, onde os investidores mais vorazes esfregam as mãos de contentamento com a perspetiva de desossar a vaca brasileira.

O Brasil é dos países do mundo com maior riqueza e em que o Estado se encontra amplamente integrado na economia. Porventura só encontra comparação com a China, e o que o separa do gigante oriental são os recursos naturais, que parecem inesgotáveis.

Até onde irá a agenda liberal de Paulo Guedes? Até onde irá a febre da privatização? A quem serão entregues empresas de comunicações, petrolíferas ou energéticas?

Das poucas vezes que se ouviu Bolsonaro sobre a matéria, foi um categórico não à entrada da China no setor energético. Será verdade? Conseguirão Bolsonaro e Guedes resistir à pressão dos investidores?

Uma coisa que julgo será consensual é que nos próximos anos vamos assistir aos maiores negócios de privatização de que há memória neste século.

O outro ponto, a separação de poderes ou, se quiserem, a não ingerência da presidência no judicial e legislativo, também não levanta grandes dúvidas.

Bolsonaro não é louco! A democracia brasileira, mesmo que jovem, está bem consolidada e a melhor prova é que nem a gigantesca onda de corrupção que assolou o país nos últimos anos a colocou em risco.

O nome mais falado para liderar o Ministério da Justiça ou o STJ é o de Sérgio Moro, o que, a acontecer, é um claro sinal de respeito pela separação de poderes.

Neste quadro, os brasileiros mostram–se tranquilos e não temem que mesmo a maioria no Congresso de Bolsonaro faça abanar as instituições democráticas. Era totalmente irracional, mesmo para um homem ultraliberal ou, se quiserem, de extrema-direita, inverter o curso democrático do país, depois de o ter vencido por essa mesma via. Não estamos no séc. xx, não estamos numa Europa mutilada por guerras e crises e democracias instáveis. Estamos no séc. xxi e, até prova em contrário, a democracia é a melhor forma de governação que o homem desenhou.

Será provavelmente mais interessante ver a forma como Bolsonaro e a sua equipa vão gerir as dez mil nomeações diretas que têm ao seu dispor.

Embora menos visíveis e menos sonantes, será interessante ver quem vai ser indicado para as comunicações ou a cultura, por exemplo.

Porquê? Porque o setor das TIC representa 10% do PIB brasileiro, está em crescimento e vai ter impacto muito direto, nos próximos anos, em outros setores de atividade. E a cultura porque tenho curiosidade de ver se a inteligência de Bolsonaro vai até ao detalhe de indicar alguém que entretenha e acalme a sempre incómoda, agitadora e influenciadora elite intelectual brasileira.

Aguardemos pelo elenco e pelos próximos episódios. Uma coisa é certa: por mais que se conteste, a verdade é que foi ele (Bolsonaro), sim!

 

Escreve à quinta-feira