A construção da mentira no debate sobre habitação


Repare-se que cidades como Berlim, Barcelona, Amesterdão ou Nova Iorque têm mecanismos e instituições que garantem o controlo das rendas e que foram os períodos de desregulação que criaram mais problemas no acesso à habitação


Apesar do tema estar na ordem do dia, só deram entrada na Assembleia da República dois projectos de Lei de Bases de Habitação (PS e PCP). Esperando-se que o processo legislativo se desencadeie brevemente, será importante que o debate não se deixe enredar nos termos em que as associações de grandes proprietários ou velhos responsáveis pelas políticas de habitação do país o querem confinar.

Para que nada mude, os paladinos do actual sistema de relações feudais não fazem a defesa do seu legado mas, posicionando-se como autoridades ou especialistas, imputam, a quem quer mudar de paradigma, ideias que não defendem ignorando experiências internacionais a decorrer. Ensaiemos alguns exemplos. Quando se questiona a forma como se está a fazer a reabilitação das cidades logo se ouve que qualquer alteração estagnaria a reabilitação e que o que se defende é uma cidade em ruínas. Sendo difícil que uma cidade em ruínas possa ser objectivo de quem quer que seja, este argumento apenas serve para inscrever como um dogma as políticas de reabilitação e respectivos incentivos em vigor.

Quando se coloca a questão da propriedade logo se diz estar perante um “gonçalvismo” ou a nacionalização. Mas será que devemos aceitar que num contexto de carência habitacional um proprietário possa deixar devoluto o seu património habitacional? Em situação de risco de segurança o Estado tem o dever de intervir tomando posse administrativa e realizando obras coercivas. Porque não aplicar um sistema de posse administrativa semelhante para colocar no mercado fogos devolutos que proprietários não têm capacidade financeira imediata para reabilitar? Quando se fala no controlo de rendas logo se confunde com o congelamento das ditas. Repare-se que cidades como Berlim, Barcelona, Amesterdão ou Nova Iorque têm mecanismos e instituições que garantem o controlo das rendas e que foram os períodos de desregulação que criaram mais problemas no acesso à habitação. O tema é complexo, não tem uma solução milagrosa, nem conseguirá ser resolvido amanhã mas importa ter consciência que há quem esteja no terreno para tentar obstaculizar o debate.