Muito se tem falado dos problemas de alojamento que surgem quando chega a hora de mudar de cidade para iniciar a vida universitária. Mas estaremos assim tão longe de realidades mais antigas? Serão os desafios de hoje assim tão distantes dos que eram encontrados pelos alunos que enfrentaram esta realidade há uns anos?
Cármen Saraiva, hoje professora de Físico-Química, teve de deixar a família em Braga para, em 1992, poder ingressar no ensino superior. “Na altura, tive de me mudar para Coimbra. Foi a minha mãe que tratou de tudo. Foi ela que procurou sítio para eu ficar. Mas já na altura era complicado ter de mudar de cidade para estudar. Até existiam sítios onde apenas se podia tomar banho uma vez por semana. Pode ser difícil de acreditar, mas é verdade. Acabei por ficar num apartamento de uma senhora que tinha uma filha e que aproveitou para alugar os quartos que tinha a mais”, conta ao i. Apesar de já não ter os valores na memória, na altura, viver nesse quarto, que dividia com uma estudante do secundário, custava a pagar. “Claro que os preços das casas aumentaram muito nos últimos tempos, mas já nessa altura havia dificuldades. Por isso é que existiam muitas soluções como as repúblicas e os lares para as raparigas, por exemplo.”
Quando a república ou os lares não eram opção e não havia dinheiro para colégios, as casas partilhadas com famílias eram mais frequentes do que se possa pensar. Apesar de, para muitos, parecer uma moda recente, os estudantes conheceram esta dinâmica já há muitos anos. “Em alguns bairros de Lisboa, durante muitos anos, o negócio sempre foi aproveitar as casas para arrendar quartos a estudantes. Há freguesias, como Alvalade, onde aproveitavam os logradouros para fazer anexos que tinham apenas este objetivo, espaços que hoje ou estão abandonados ou destinados a arrecadação. Também era vulgar as pessoas fazerem obras em casa só com o propósito de dar alguma autonomia aos hóspedes. Muitas famílias viam nesta dinâmica uma ajuda preciosa para pagar a renda que, na altura, já era considerada muito elevada”, conta ao i Rita Silva, que sempre viveu naquela zona.
Tal como hoje em dia, uma das primeiras decisões a serem tomadas depois de se saber que a mudança de cidade ia acontecer era onde e como viver. Além das contas que se faziam, recolhiam-se hipóteses. Ao i, Ana Dionísio conta que para estudar Biologia Marinha teve de se mudar para os Açores em 1996. “Nessa altura existiam lares e residências universitárias, mas não tinham muita capacidade e só aceitavam pessoas com bolsa. Quem não estava nessa situação, normalmente acabava por ficar nas repúblicas”, começa por contar. “Quando cheguei, fiquei dois dias numa pensão. Arranjei logo onde ficar. A minha república tinha cerca de seis pessoas, mas havia repúblicas maiores. A maior era a da Zebra e tinha 15 pessoas. No fundo, eram residências para estudantes não oficiais. Eram casas que só funcionavam com estudantes e iam passando de uns para os outros.”
Com a família longe, conciliar estudos, relações pessoais e tarefas domésticas era muitas vezes, tal como é atualmente, uma prova de malabarismo. E, neste sentido, todos parecem concordar: as residências universitárias podem ajudar, até porque são uma das principais formas de facilitar a integração.
E, atualmente, nem todas as residências são exclusivas para os bolseiros mais carenciados. Na capital, por exemplo, muitas residências estão associadas a universidades ou à Igreja, sem que, no entanto, esteja proibida a entrada a estudantes que não tenham ligações a estas instituições. Têm em comum o facto de existir uma série de regras, como horas de entrada e saída à noite ou proibição de levar visitas para o quarto, mas também uma série de facilidades como ajuda nas tarefas domésticas e refeições incluídas.
Na residência Montes Claros e no Colégio Universitário Pio xii, ambos para rapazes, há refeições, mas também limpeza dos quartos e de roupa pessoal, além de várias atividades, campos de futebol e até piscina. Ainda que os preços subam e fiquem, para muitos, acima da média, a verdade é que há quem recorde ter sido das melhores decisões tomadas.
Ao i, José Paulo do Carmo recorda os tempos que passou no Colégio Pio xii e diz que vivia em Fátima quando, aos 18 anos, teve de se mudar para Lisboa para poder continuar a estudar. “Fui diretamente para o Pio xii. Passei a lidar com 300 pessoas e foi fundamental ir para ali. Há uma ideia de que são muito rígidos, mas não senti nada disso. Tinham a porta aberta a noite toda”, conta. Além disso, “havia a regra de que não se podia levar namoradas, mas contornava-se. E posso dizer que são sítios onde se desen-volve um espírito de camaradagem diferente”.
Ainda que a escolha tenha sido dos pais, José Paulo do Carmo não esconde que, “para quem não está integrado, este tipo de dinâmica é fundamental. Há sempre alguém a convidar para alguma coisa”. Basta uma pesquisa rápida para perceber que um quarto pode chegar facilmente aos 570 euros, fora o valor da inscrição. No entanto, e porque nem tudo tem preço, o foco da maioria dos alunos estava noutros pontos, alguns deles sem valor pecuniário: “O ponto alto era a gala, onde os caloiros eram apresentados às caloiras das diversas residências femininas.”
À margem de tudo isto sempre existiram também edifícios ligados à Igreja que eram aproveitados para ajudar quem mais precisava de ter onde viver para poder lutar por um futuro melhor. À semelhança da história do padre Joaquim Fatela, que sempre ajudou estudantes de Beja a encontrar um lugar num dos edifícios do Príncipe Real, a preços simbólicos, a Igreja sempre teve um papel de apoio social, como explica ao i o padre António Rego: “O que conheço são os colégios católicos e as casas, que já não abundam. Mas tempos houve em que havia muitas ofertas religiosas. Primeiro, os pais ficavam mais descansados porque sabiam que havia orientação e, depois, serviam muito para ajudar os mais desfavorecidos. Entretanto começou a haver um certo preconceito por serem casas religiosas e a sociedade foi mudando.”