Brasil: emoção à vista

Brasil: emoção à vista


Será a guerra do pé esquerdo contra o pé direito, o momento de uma escolha entre dois modelos cuja diferença é praticamente incalculável


O Brasil está prestes a vivenciar uma das maiores emoções de sua história política. Poucos se deram conta disso: ainda paira no ar uma certa apatia em relação às eleições presidenciais – apesar dos intensos movimentos que se puderam verificar nas prévias do primeiro turno.

O alto volume dos votos brancos e nulos que tivemos, bem como as abstenções, são a prova cabal da indiferença e a constatação de que os brasileiros, grosso modo, ainda não se deram conta do grande momento histórico que estão passando.

Nem mesmo o deslumbramento dos eleitores de Bolsonaro, somando-se à persistência de todos os lulistas que votaram em Fernando Haddad, dimensiona o grau de envolvimento que iremos verificar nos próximos dias.

Será a guerra do pé esquerdo contra o pé direito, o momento de uma escolha entre dois modelos cuja diferença é praticamente incalculável, o que vai mensurar o tipo de personalidade política de cada eleitor. Mas as discussões até agora, no rastro do que ocorreu no primeiro escrutínio, adejam ainda na superfície do senso comum, sem a compreensão e a profundidade do que realmente está acontecendo na história política do Brasil.

Nos próximos dez dias e até a véspera da eleição, o brasileiro vai finalmente tomar a si a grande responsabilidade dessa transição. Até agora, o que se viu foi a grande brincadeira entre grupos definidos e até os não definidos, uma espécie de tripúdio em caráter esportivo sobre valores e tabus da sociedade – consequência do descrédito da classe política e também da insatisfação generalizada nos âmbitos da economia e da segurança pública.

Mas como se diz por aqui, no jargão popular nordestino, chegou a hora “de a onça beber água”. Não há mais a diversidade de candidaturas e nem de partidos com linhas conceituais pouco claras. Não há mais liberais, centro-esquerda ou centro-direita na competição; o que está em jogo são os dois modelos ideológicos que vêm ao encontro de uma sociedade extremamente dividida – divisão essa que ficou acentuada desde as eleições de 2014, quando PT e PSDB dividiram o país meio a meio.

As consequências posteriores daquelas eleições, ao longo dos últimos quatro anos, acirraram ainda mais os ânimos depois do impeachment da Dilma Rousseff e a prisão (ainda questionável), do ex-presidente Luís Ignácio Lula da Silva. Esses dois episódios irritaram feridas não cicatrizadas e criaram um ambiente carniceiro de ódio, guerra e sanha de vingança.

O advento das novas eleições, por outro lado, levou grande parte dos eleitores a optar por um caminho muito além daqueles dois polos. É quando surge um fenômeno eleitoral chamado Jair Bolsonaro, incorporando um discurso ainda mais extremista para um tipo de brasileiro que deseja (muito mais que benefícios sociais) a preservação de valores tradicionais e a ruptura de comportamentos humanos lentamente alcançados ao longo das décadas.

São fatores que levarão esse pleito a uma das campanhas mais emocionantes da História. Talvez maior que o segundo turno de 1989, a primeira eleição presidencial logo após o regime militar, quando Lula e Collor disputaram voto a voto e levaram o Brasil às lágrimas. Talvez maior ainda que aquela outra de 2002, quando Lula venceu pela primeira vez depois de duas tentativas malogradas.

Por enquanto, arriscamos em dizer que os brasileiros ainda não compreenderam, mas os próximos dez dias irão confirmar esse envolvimento emocional que ainda não chegou à sua plenitude. Pelo que se vislumbra, estamos criando um Brasil do tipo “ame-o ou deixe-o”, que foi a maior propaganda do governo militar em sua operação de caça aos dissidentes. Desta vez, infelizmente, tendo por base um sentimento natural do próprio cidadão, conforme o lado que professa.

Quem viver verá!

* Jornalista, escritor e dramaturgo brasileiro