Quantas crianças e adolescentes, de muitas idades, raparigas ou rapazes, têm diariamente um ritmo quase infernal de vida e cometem, dia após dia, os mesmíssimos erros alimentares?
Se é verdade que somos o que comemos, também o é que não basta comer, é preciso pensar porque o fazemos e pautar a alimentação por princípios lógicos, fundamentados, variados, que respondam às necessidades várias do corpo humano. Este aspeto é tanto mais relevante quanto nos referimos a idades em que o corpo, a mente e o estilo de vida estão em constante mudança, o que leva a exigências diferentes.
Ouçamos os próprios, pois são aqueles a quem temos de responder, de modo objetivo e científico, para que nunca venham a dizer “não sabia!” ou “ninguém me disse!”.
Por exemplo, a Inês, de 14 anos, que frequenta o 9.o ano, fez uma pergunta muito simples: para que precisamos de comer? As perguntas mais simples são, em muitos casos, as mais pertinentes e, curiosamente, as menos respondidas. Precisamos de nutrientes por diversos motivos, designadamente para:
1. Mantermo-nos vivos, com órgãos eficientes. As nossas células funcionam à base de energia (designada por ATP, sigla de adenosina trifosfato) que vem da transformação da glucose (açúcar do sangue, proveniente de vários tipos de alimentos) com o oxigénio que nos chega da respiração. É esta “mistura” que as faz viver – comer e respirar;
2. Manter a temperatura. O nosso corpo funciona como uma caldeira que, mesmo nos dias frios, tem de manter uma temperatura média de 37 oC, o que requer muita energia, principalmente nos dias mais frios;
3. Renovar células e tecidos que precisam de reciclagem ou de reparação… e são muitos milhões por dia;
4. Crescer (especialmente em certos momentos da vida, como a infância e a adolescência); na adolescência, praticamente todos os órgãos e tecidos estão em fase de grande crescimento, e com períodos de aceleração, de onde decorre a necessidade de uma energia suplementar;
5. Desenvolver atividade intelectual, incluindo a gestão da informação, memória, pensamento, sentimentos, raciocínio e tanta coisa mais;
6. Desenvolver atividade física, seja mexermos os braços e as pernas, falarmos ou andarmos, seja exercício físico ou desporto;
7. Pelo simples prazer de comer;
8. Pelo momento social que o ato alimentar representa, em termos de partilha e de comunhão, e de ocasião para conversar, estar, olhar cara a cara os amigos, combater o stresse do quotidiano.
Ufa. Tanta coisa… e estas diversas facetas estão representadas em todas as pessoas mas, conforme o temperamento, a fase da vida, o momento do dia ou o tipo e intensidade de atividade, podem contribuir em fatias diferentes para o conjunto.
Da pergunta da Inês decorre uma conclusão fundamental: a nutrição tem de se pautar por variedade e adequação porque não podemos comparar, por exemplo, um dia em que nos levantamos cedo, trabalhamos ou temos um teste na escola, e ainda atividade física intensa, com outro em que acordamos tarde e passamos o dia a olhar para a televisão ou a fazer qualquer coisa que repouse e não exija muito do nosso cérebro.
Portanto, serão princípios a seguir: equilíbrio, adequação e proporcionalidade. Repartição adequada e composição lógica. Prazer e variedade. Sabores múltiplos e sentido da descoberta. Regras e momentos de transgressão. São estes os princípios pelos quais devemos pautar a alimentação e a nutrição.
Ao comermos o que quer que seja, não será exatamente isso que entra nas nossas células porque há um longuíssimo percurso a fazer desde que pomos na boca um alimento até que qualquer dos nossos incontáveis biliões de células utilize os seus componentes.
O processo começa antes de levar a comida à boca, porque o apetite (para não lhe chamar fome, dado que não é verdadeira fome, no sentido do sofrimento que esta causa e pelo qual ainda muitos passam neste planeta), cheirar e ver a comida e pensar na hora da refeição desencadeia processos cerebrais, expressos em descargas hormonais, aumento de enzimas, produção de saliva e de ácido gástrico e tantos outros fenómenos. “Já me estou a babar…” “Estou com água na boca!” “Tenho o estômago a dar horas.” Quem nunca disse uma frase destas?
A transformação dos alimentos em nutrientes – para a qual contribui o aparelho digestivo, mas também o fígado, os rins e, afinal, todo o corpo – é altamente complexa, embora corresponda a um ato tão natural que nem pensamos muito nele. De qualquer modo, se pretendemos um resultado final equilibrado e “vencedor”, é fundamental refletirmos sobre o que ingerirmos, como o fazemos, a que ritmo, a que horas, etc.
Há diferenças substanciais entre os alimentos. Cada um tem a sua composição e também uma maneira própria de ser metabolizado e de aproveitamento dos seus componentes. Os espinafres, por exemplo, que têm muito ferro, não cedem o deles e ainda roubam ferro do interior do intestino – o Popeye, o célebre marinheiro dos desenhos animados que ficava ultraforte só por comer uma lata de espinafres, à luz da ciência atual, afinal não iria longe…
As proteínas são estruturais: fazem crescer os órgãos, como os ossos e músculos, e dividem-se em pequenas peças – os aminoácidos – que desempenham várias funções, específicas e deveras inteligentes, desde a formação dos órgãos aos anticorpos e outras defesas do organismo. Os hidratos de carbono são fontes de energia por excelência. As gorduras têm vários papéis, incluindo no desen-volvimento cerebral e na defesa contra o frio, mas também no funcionamento cerebral e neurológico. Além disso, há outros que são bem conhecidos e evidentes, como a água, vitaminas, minerais, fibra e tantos outros.
O espaço é curto, mas a mensagem é que devemos confiar na sabedoria da natureza que, na sua inteligência, fabrica uma enorme diversidade de vegetais e de animais que o ser humano consome exatamente para poder, conforme o tempo, as necessidades e tantos outros fatores, ir buscar o que necessita de uma forma complementar.
Se cada elemento só existisse num alimento, quando esse faltasse, morríamos. É o que acontece com algumas espécies, que veem destruídos pelo ser humano os habitats onde tinham o que precisavam.
Bom Dia da Alimentação e do Pão. Pelo menos hoje, comam com inteligência. E, já agora, sempre…
Pediatra
Escreve à terça-feira