“Eles não sabem, mas sonham…”


Divagações sobre o Dia Mundial do Sonho


Hoje comemora-se o Dia Mundial do Sonho. A palavra é tão bonita que a podemos ver em termos da sua verdadeira aceção ou em termos metafóricos. Quem não sonha? Quem não tem sonhos? Dos reais ou dos fantasiados? O que é certo é que não há nada mais “narcisista”, no bom sentido, do que o sonho: estamos sempre, mas sempre, lá. São parte da nossa vida e ainda lhes damos muito pouca importância! E será que têm a ver alguma coisa com a Lua? Há quem diga que sim…

O Dia Mundial do Sonho, conhecido como “World Dream Day”, foi criado na Universidade de Columbia, em 2002, com o objetivo de que as pessoas dessem mais importância a esta faceta extraordinária do ser humano e que refletissem mais sobre os sonhos, fosse a interpretação dos sonhos reais, fosse a prossecução dos sonhos entendidos como objetivos de vida e desejos a conquistar.

Os “inventores” deste dia pretendem incentivar o público a partilhar ideias, sonhos e recursos, formando sinergias que permitam a melhoria da sociedade, através da concretização dos sonhos quase utópicos.

Abordarei hoje os sonhos reais, ou seja, os que se passam dentro de nós, quando dormimos, e nos quais estamos sempre, mas sempre, presentes, com maior ou menor protagonismo, sendo heróis ou vilões, deliciando-nos com eles ou acordando esbaforidos porque se tratava de um sonho persecutório, de um pesadelo.

A descoberta do chamado sono-REM (associado a movimentos rápidos dos olhos – “rapid eye movements”) permitiu perceber onde se enquadravam os sonhos, no período de sono. Embora uma pessoa sonhe (e muito!) na fase REM, quando acorda é raro lembrar-se dos sonhos todos – a maior parte das vezes nem sequer de um. O “banco de dados do sonho” tem um buffer muito pequeno e a informação desvanece-se num instante. Se formos acordados repentinamente é mais fácil lembrarmo-nos do sonho, ou de alguns pormenores (como acontece nos pesadelos), ou então se os sonhos ocorrerem de madrugada.

Os sonhos variam, em qualidade e características, ao longo do sono – no início têm menos enredo e pormenores. Mais para o fim (de madrugada), tornam-se mais saborosos em conteúdo com grande riqueza de detalhes. De madrugada, o ambiente real já é percetível, mas como por vezes não nos apetece deixar de sonhar integramo-la no sonho: uma vez, em criança, com cerca de 5 anos, lembro-me de estar a sonhar e de ouvir um barulho ritmado – pam, pam, pam –, integrei no meu sonho como uma porta que batia e fui fechá-la. Mas estava a dormir e então despertei – o que estava a “bater” eram foguetes de alvorada porque estava numa aldeia e era dia de festa.

Onde vai uma pessoa buscar as “dicas” para os seus sonhos? A tudo. A tudo o que foi vivido, quer nesse dia, quer antes, tudo o que se pensou, tudo o que raciocinou, com uma enorme componente de fantasia e num “espaço” onde a mistura de cenários e de atores é total, com enredo livre. Não admira que alguns dos sonhos (aliás, durante toda a vida) sejam tão extravagantes e juntando coisas que na vida real não fazem sentido, mas fazem. Há uma narrativa e uma vontade de expressar emoções e sentimentos, frustrações e momentos bons, que não fazemos quando acordados, mas que precisamos de extravasar – como escreveu Freud, os sonhos são a nossa “via romana para o inconsciente” e permitem que “deitemos cá para fora” muita coisa traumática, mas também relembremos muita coisa boa.

Baseando-se os sonhos nas memórias, na informação e no cruzamento (por vezes caótico e críptico) desses dados, pode dizer-se que qualquer pessoa tem muito material para elaborar sonhos, para lá de toda a memória antropológica, de milhares de anos de existência humana, guardada no arquivo genético, bem como da memória de nove meses de segurança, paz e tranquilidade da vida intrauterina.

Este material para construir sonhos, seja bom ou perturbador, engraçado ou atemorizador, é imenso, pelo que, por mais bizarra que seja a sua descrição, nunca deveremos dizer que “é mentira”, porque há sempre, mas sempre, algo de muito sério em cada “história” que cada sonho conta.

Um aspeto que tem sido associado aos sonhos é a Lua. Durante muito tempo e em muitas culturas, a Lua foi um planeta mágico, que tanto podia inspirar amantes como lobisomens. O nosso satélite foi sempre uma fonte de enigmas, até porque muda de fases, está suficientemente perto para se verem alguns detalhes a olho nu, eclipsa-se de vez em quando, emite luz suficiente para se ver a sua face oculta, embora não totalmente, mas não fere os olhos ao olhar-se para ela, como o faz o sol. Foi sempre uma boa razão para mistérios, até porque comanda, em parte, as marés e até influencia os ciclos menstruais (embora, curiosamente, não altere os nascimentos, ao contrário do que é comummente dito – sei disso porque fiz uma análise de todos os partos ocorridos em 1980-81 e 82, altura em que não se faziam ainda “partos programados” como hoje e os bebés nasciam “quando lhes apetecia”, e não houve qualquer relação significativa entre as fases da Lua e o número de partos).

Quando alguém anda um bocado “perdido”, ausente da realidade, dizemos que está “aluado”, e um doido não perigoso ou um sonhador também podem ser apelidados de “lunáticos”.

É natural que a Lua tenha uma influência nos comportamentos e fenómenos humanos. Mas é um dos muitos milhares de fatores estruturais, genéticos, educativos e sociais. É portanto duvidoso que, só por si, o nosso satélite “mande” as pessoas matarem-se, despedaçarem-se ou outra coisa semelhante. Ou até acordarem e desejarem, aos dois anos de idade, olharem para ela… desculpem, astrólogos e admiradores de horóscopos…

Mas não acabemos com a mística. Quando os astronautas foram à Lua, pensou-se que ela ia deixar de ter mistério. Felizmente não aconteceu. Quanto mais não seja, um nascer de Lua Cheia ou um luar radioso de Verão sobre o mar despertam emoções muito fortes. Manter o misticismo e a magia da Lua (e dos astros, em geral) é um bem da Humanidade, e assim se alimentam os sonhos (os tais, entendidos como projetos) e se estimula a criatividade.

Claro que daí a uivarmos à meia noite vai um salto, claro. No meu caso acho que sei. No vosso, não sei… Ah. E hoje, 25 de setembro, curiosamente, é dia de lua-cheia… Cuidado, portanto!!!

 

Pediatra

Escreve à terça-feira