Epidemia de lixo alastra em Lisboa

Epidemia de lixo alastra em Lisboa


A famosa canção “cheira bem, cheira a Lisboa” já não corresponde à realidade da capital portuguesa. As ruas cheiram mal e os moradores e comerciantes queixam-se do amontoar de lixo na cidade. A aplicação de multas, defendem, poderia resolver o problema


São duas da tarde de uma terça-feira. No Cais do Sodré, há o entra e sai habitual junto ao metro. A maior parte dos transeuntes são turistas que andam de mochila às costas e câmara na mão a conhecer a capital. Apesar da grande afluência de pessoas, as ruas da zona parecem estar minimamente limpas. Mas algo sobressai num dos pontos mais turísticos da capital: a calçada portuguesa está pintada de negro e são visíveis as manchas de gordura e as pastilhas elásticas já desfeitas coladas no chão.

Mas esta não é uma das zonas que mais sofre com o problema do lixo. Quem passa pela Praça Luís de Camões e entra numa das ruelas que dão acesso ao Bairro Alto depara-se com os caixotes cheios, caixas amontoadas ao lado dos contentores e um cheiro nauseabundo.

Quintino Moreira vem a descer a Rua das Gáveas. Veste uma camisa às riscas vermelhas e brancas e está a transportar uma caixa para o café onde trabalha. Tem 58 anos, é empregado de balcão da Carioca – um estabelecimento na Rua da Misericórdia. Ao i conta que o lixo se tem acumulado nas ruas das redondezas, principalmente ao fim de semana, mas que na zona onde mora, no Lumiar, também já viu coisas semelhantes. Na semana passada, o lixo “esteve cinco dias sem ser recolhido. Os caixotes estavam cheios e o lixo” espalhava-se pelo chão.

Quanto à lavagem da rua, defende que devia ser feita com mais frequência.

“Não há regras, há falta de civismo”, afirma. E adianta que se fossem passadas multas aos infratores talvez o caso mudasse de figura.

 

Cheiro intenso a urina

Mais ao cimo da rua está André Ribeiro, de 28 anos. Trabalha num restaurante naquela zona. André também tem notado que a quantidade de lixo nas ruas tem aumentado e parece-lhe que, em parte, o turismo tem contribuído para este problema. “Fizeram obras aqui e colocaram caixotes de lixo novos, mas não adiantou em nada. Os turistas saem à noite e atiram o lixo para o chão”, declara ao i.

A lavagem das ruas é feita à segunda-feira, mas André considera que de pouco adianta: “Lavam daqui [aponta para cima] e o lixo fica parado na esplanada. Não adianta em nada, as ruas cheiram mal. Chegamos aqui às 10h da manhã e está um cheiro intenso de urina e lixo na rua”.

Quem decide passear pelas ruelas do Bairro Alto durante a tarde não fica indiferente ao cheiro a lixo e aos caixotes a transbordar em todos os cantos. Ao chegar à Rua Luz Soriano, o cenário mantém-se. São 15h15 e o contentor do lixo já esgotou a sua capacidade. Apesar da quantidade de detritos amontoados à sua volta, nada impede as pessoas de colocarem lá mais um saco, sem regras: de um restaurante saem dois funcionários com um saco enorme, cheio de lixo, para o colocarem a céu aberto, mesmo ao lado dos caixotes.

 

Pragas de baratas e percevejos

Sentado à entrada de casa, Paulo Jorge Gamas, de 48 anos, diz-nos que tem visto bastante lixo nas ruas. Paulo nasceu e viveu toda a sua vida no Bairro Alto e acredita que o fenómeno se tem agravado com o turismo, mas também devido aos “maus hábitos de alguns comerciantes e de alguns moradores”.

Os dias mais críticos são “logo a seguir ao fim de semana”. No mês passado notou uma diminuição na frequência da recolha do lixo. Paulo considera que é “muito pouco” lavar as ruas uma vez por semana e garante que há dias em que se passa em certos sítios perto da hora almoço e o cheiro é nauseabundo.

Para combater o problema, diz que seria necessário haver mais organização: “Acho que isto é um bocado falta de organização, têm de começar a pressionar mais as pessoas para cumprir, não é deixar tudo sujo”.

Além do mau cheiro e do lixo amontoado, o morador fala ainda em pragas de baratas e percevejos, que de vez em quando aparecem no bairro.

 

A caminho da bica

Um pouco mais abaixo, na Bica, o cenário parece ser diferente. Apesar de a calçada continuar pintada de negro, não há lixo amontoado nas ruas. Contudo, também há queixas.

Maria Reis tem 49 anos e mora há 15 nesta zona típica da capital. Ao i confessou que o cenário tem piorado – e quando chove o piso fica escorregadio devido à gordura. 

“Saio de casa e tenho copos na porta, garrafas de vidro partidas, tenho que ter cuidado”. Maria também se queixa do cheiro, que se agrava em dias de mudança de tempo, e aponta o dedo ao turismo.

Também ela notou o aparecimento de pragas. “A Baixa pombalina, em Lisboa, está infestada de animais rastejantes. Principalmente aqui na Bica é uma praga”.

Maria Reis sugere que a Polícia ande mais atenta para penalizar quem suja e polui as ruas.

Não são só os portugueses que se apercebem do amontoar de lixo. Mariana Torres Lima tem 24 anos, mora no Rio de Janeiro e está de passagem por Portugal. Ao i confessa que reparou que Lisboa tinha mais lixo do que outras cidades que visitou. “Estive no Porto e achei que lá era bem mais limpo, até elogiei a cidade e aqui percebi que era diferente”, afirma. Contudo, considera Lisboa melhor do que o Rio de Janeiro: “Achei melhor do que o Rio de Janeiro, que é onde moro”. Apesar de a capital brasileira ter mais caixotes do lixo, no seu entender as ruas de Lisboa são mais limpas.

 

E as zonas habitacionais?

Em Alvalade as ruas parecem estar mais limpas. A calçada é branca e mal se veem beatas no chão. Ao final da tarde os caixotes estão em ordem e não há lixo amontoado. Diogo Silva, 22 anos, funcionário num café, diz-nos que não nota que a quantidade de lixo nas ruas tenha aumentado nos últimos tempos. A recolha funciona bem, “as pessoas desempenham o seu papel e normalmente não falham”.

Quanto à lavagem da rua, Diogo gostava que fosse feita com “um bocadinho mais de frequência”. Contudo, acha que a autarquia está a fazer “o importante e o suficiente” relativamente a esta matéria.

Leonel Coelho, de 56 anos, não concorda. Para este empregado do ramo da restauração em Alvalade, a quantidade de lixo aumentou na zona. Já as ruas, diz que não as vê serem lavadas “há anos”. “Estão num péssimo estado”, sentencia.