Lehman Brothers. Dez anos depois do colapso, o que aprendemos com a crise

Lehman Brothers. Dez anos depois do colapso, o que aprendemos com a crise


Os sinais da crise já eram visíveis antes da falência do gigante financeiro norte-americano, mas a economia e o setor financeiro ficaram profundamente abalados após 15 de setembro de 2008. Portugal mergulhou numa crise profunda que culminou com a entrada da troika no país, anos mais tarde. A opinião é unânime: os efeitos ainda se…


15 de setembro de 2008. Um tribunal federal norte-americano recebeu a formalização da falência do Lehman Brothers. Um gigante financeiro – o quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos – que com o seu colapso mudou para sempre a história económico-financeira mundial ao simbolizar a maior crise desde o crash de 1930. No dia a seguir foi a vez da seguradora AIG ser alvo de um resgate milionário da Fed no valor de 85 mil milhões de dólares (mais de 72 mil milhões de euros).

A crise já foi ultrapassada? Nem por isso. Pelo menos é esta a opinião dos economistas contactados pelo i. Mas há mais: também admitem que aprendemos pouco com os erros, apesar de reconhecerem algumas melhorias, nomeadamente ao nível dos reguladores.

“Como diz uma expressão inglesa, ‘aprendemos muito no curto prazo e nada no longo prazo’, porque a tendência para passarmos do medo ao esquecimento é muito forte. Mas apesar de termos tendência para esquecer as lições podemos dizer que há uma herança que ainda se mantém que é a da maior regulação financeira, especialmente nos EUA e no que diz respeito ao nível de capital exigido aos bancos”, refere ao i o economista do Banco Carregosa. Rui Bárbara diz ainda que “a recuperação económica foi a mais ténue de todo o pós-II Guerra Mundial”, ou seja, o ritmo de crescimento agregado foi o mais baixo de todas as recuperações económicas desde meados do século XX.

Também Steven Santos, gestor do BiG, garante que ainda estamos a sentir impactos da crise financeira, nomeadamente na intensificação da regulação do setor financeiro, na restrição de certas atividades por parte dos bancos nos EUA e no aumento dos requisitos de capital exigidos aos bancos. “Com a crise financeira global, aprendemos que o endividamento na economia real e a alavancagem nos investimentos financeiros deverão ser moderados e que o capital próprio deverá ser sempre privilegiado”, diz ao i.

Nuno Mello, team leader & senior broker da corretora XTB, lembra que aprendemos que é necessário impor regras mais restritas no que diz respeito a rácios de capital de todo o sistema bancário mundial e controlo dos mesmos. Já em termos de impactos dá vários exemplos: “a diminuição dos lucros do sistema bancário devido à imposição de medidas regulatórias apertadas, a recuperação económica pós crise que provocou uma diferença ainda maior entre os mais ricos e os mais pobres, alimentando o populismo nos Estados Unidos e Europa, com os eleitores a culparem as minorias e estrangeiros pela sua situação económica”, refere ao i.

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O início do fim

Antes do colapso do Lehman Brohters, os sinais já eram visíveis. Desregulação financeira, derivados financeiros sobrevalorizados mas apoiados pelas agências de rating, créditos hipotecários de alto risco (subprime) funcionaram com um rastilho para a crise que rebentou. Antes da queda do gigante norte americano já tinham sido intervencionados alguns bancos. Em fevereiro tinha sido nacionalizado o britânico Northern Rock Unido e um mês depois foi a vez do banco de investimento americano Bear Stearns, que acabou engolido pela JP Morgan por 236 milhões de euros (cerca de 201 milhões de euros). Já no início de setembro, as agências de financiamento imobiliário dos Estados Unidos Fannie Mae e Freddie Mac foram resgatadas pelo governo americano. 

Ainda no mesmo dia em que o Lehman Brothers caiu foi anunciado que o Bank of America (que também esteve em negociações para comprar o Lehman) comprou a corretora Merryll Lynch e pouco depois que os bancos de investimento Goldman Sachs e Morgan Stanley se convertem numa ‘holding’. Em outubro é a vez de os bancos norte-americanos Wells Fargo e Wachovia se fundirem, concentrações feitas com o objetivo de sobreviver à turbulência.

Nessa altura já era evidente que a economia internacional estava perante uma feroz crise financeira. Os Estados Unidos aprovaram rapidamente um resgate aos ativos tóxicos da sua banca de 700 mil milhões de dólares e depois um plano de estímulo de 790 mil milhões (quase 600 mil milhões e 676 mil milhões de euros, respetivamente).

 Mas foi a Europa a mais atingida: o setor bancário europeu era mais débil e enfrentava fortes desequilíbrios das finanças públicas, com os Estados, famílias e empresas endividados. Ingredientes perfeitos para o caos que se seguiu: a crise financeira deu lugar à crise económica e, a partir de 2010, a crise das dívidas soberanas levou mesmo a resgates à Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre, enquanto Espanha recebeu apoios para o setor financeiro, num total de quase 500 mil milhões de euros.

 

E Portugal?

A par das políticas de austeridade, reformas do mercado laboral e reduzidos gastos com educação, saúde, pensões, assistiu-se a múltiplas operações de capitalização dos bancos. Estas, nos últimos dez anos, pesaram 23,7 mil milhões de euros, o equivalente a 23 pontes Vasco da Gama. Ainda em 2008 ocorreu a nacionalização do Banco Português de Negócios (BPN), em novembro, e a intervenção do Banco de Portugal no Banco Privado Português (BPP) em dezembro.

Quatro anos depois, já com a intervenção da troika, os bancos foram obrigados a recapitalizarem-se e a recorreram à ajuda do Estado. O BCP pediu emprestados 3000 milhões de euros ao Tesouro e o BPI 1500 milhões de euros. Já a CGD recebeu 1650 milhões de euros, 750 milhões de euros em ações e 900 milhões de euros emprestados.

Mas nem assim o setor ficou mais tranquilo. Em agosto de 2013 assistiu-se à queda do Banco Espírito Santo (BES), depois de ter apresentado um prejuízo semestral histórico de 3,6 mil milhões de euros. No final de dezembro de 2015 é a vez do Banif ser resgatado, com a operação a ser vendida ao Santander Totta.

Dez anos depois do colapso do gigante financeiro, a CGD continua em processo de reestruturação, o BCP em reorganização – agora com o grupo chinês Fosun como maior acionista -, o Novo Banco – o banco nascido na resolução do BES, pertencente agora ao fundo norte-americano Lone Star – também tem em marcha um plano de reestruturação. Já o BPI passou a ser controlado quase na totalidade pelo grupo espanhol CaixaBank.

A verdade é que após as ajudas ao sistema financeiro, o setor caminhou a passos largos para movimentos de consolidação financeira. Mas também aí surgem vozes críticas que apontam para o risco de os bancos que operam no mercado nacional estarem, na sua maioria, detidos por mãos espanholas. Um cenário que tem ganho maior revelo com as recentes aquisições do Banif, do BPI e do Barclays, que pesam mais 40% do sistema financeiro.