O peixe do mar português


O mar português, rico em diversidade de espécies piscícolas, incapaz de garantir as necessidades dos portugueses, é ainda um contribuinte para o défice da balança comercial quando poderia ser o oposto


Portugal possui uma das maiores áreas marítimas da Europa e do mundo, vivendo nela uma ampla diversidade de espécies de peixes, moluscos, crustáceos e outros seres. A riqueza do mar português, mais do que comprovada, é no entanto incapaz de garantir as necessidades de consumo de pescado dos portugueses. 

Há muito tempo que a captura − pesca tradicional − e a produção em aquicultura de pescado em Portugal são manifestamente insuficientes, representando apenas 40% das necessidades dos consumidores. Para se ter uma pequena ideia, em Portugal, uma pessoa consome cerca de 56 kg de pescado por ano, o que nos coloca como o primeiro consumidor de pescado da Europa e o terceiro do mundo.

Ora, que um país com tanto mar e diversidade seja incapaz de produzir para se alimentar só pode ser um indicador de fragilidade nas suas políticas públicas, além de provocar um fardo deficitário na balança comercial (641 milhões euros – INE, 2014).

Se observarmos com atenção alguns factos, percebemos. Ora vejamos:

A frota pesqueira portuguesa tem vindo a diminuir, aproximadamente 50% nos últimos 30 anos, representando atualmente cerca de 11% das embarcações europeias, encontrando-se uma elevada percentagem em mau estado e ou pouco atualizada tecnologicamente. 

Pelo contrário, a aquicultura vem tendo um acréscimo, mas o panorama não é muito melhor: a produção nacional representa apenas cerca de 6% do pescado capturado, sendo uma das maiores causas para o fraco crescimento a morosidade do seu licenciamento que, apesar de ter melhorado, não é a adequada. Até há cerca de dois anos, obter o licenciamento de uma atividade de aquicultura demorava entre cinco e sete anos; atualmente demora 12 a 18 meses. Dadas estas vicissitudes, o setor tem vindo a crescer a um ritmo muito lento para as necessidades.

Relativamente à promoção do nosso pescado, reconheço o esforço que as instituições públicas com responsabilidade na matéria têm feito, tendo em conta os diminutos recursos que são colocados ao seu dispor. É, no entanto, preciso algo mais consistente, prolongado e com maior visibilidade, para assegurar novos hábitos de consumo dos portugueses. 

No entanto, e paradoxalmente, as nossas empresas de atividade económica de transformação de pescado (conservas, congelados, pré-cozinhados, etc.) têm obtido resultados de excelência, respondendo às necessidades do mercado português e aumentando a sua capacidade de exportação. Este desempenho deve--se essencialmente à capacidade demonstrada pelos empresários do setor para arriscar financeiramente e na inovação.

Também se reconhece o esforço que se tem sido feito na mudança deste paradigma global, sendo exemplo disso as recentes leis que permitem agilizar e incentivar os empresários a investir no setor.

Mas urge que os poderes públicos sigam um percurso determinado e continuado no traçar de ações de política pública que sejam inovadoras, agregadoras, facilitadoras e dinamizadoras na concretização da captura, produção e transformação do pescado português.

Desenvolver a aquicultura como atividade alternativa para suprir as necessidades de consumo de pescado e evitar um desastre ambiental − esgotando estoques de algumas espécies piscícolas −, bem como promover uma pesca tradicional responsável, sustentável e orientada para espécies com ampla reprodução e que não se encontrem em perigo de extinção, são algumas soluções.

Assim como uma orientação e promoção da alteração dos hábitos de consumo dos portugueses para espécies piscícolas com maior abundância no mar português e com menor risco de impacto no equilíbrio ambiental. Reforçar ainda o apoio à investigação e à sua aplicação na atividade económica, social e ambiental, e facilitar e valorizar o trabalho dos nossos empreendedores e empresas, 

Tudo isto pode ajudar a consolidar uma alta cadeia de valor do peixe do “mar português”.

 

Gestor e analista de políticas públicas

Escreve quinzenalmente à sexta-feira


O peixe do mar português


O mar português, rico em diversidade de espécies piscícolas, incapaz de garantir as necessidades dos portugueses, é ainda um contribuinte para o défice da balança comercial quando poderia ser o oposto


Portugal possui uma das maiores áreas marítimas da Europa e do mundo, vivendo nela uma ampla diversidade de espécies de peixes, moluscos, crustáceos e outros seres. A riqueza do mar português, mais do que comprovada, é no entanto incapaz de garantir as necessidades de consumo de pescado dos portugueses. 

Há muito tempo que a captura − pesca tradicional − e a produção em aquicultura de pescado em Portugal são manifestamente insuficientes, representando apenas 40% das necessidades dos consumidores. Para se ter uma pequena ideia, em Portugal, uma pessoa consome cerca de 56 kg de pescado por ano, o que nos coloca como o primeiro consumidor de pescado da Europa e o terceiro do mundo.

Ora, que um país com tanto mar e diversidade seja incapaz de produzir para se alimentar só pode ser um indicador de fragilidade nas suas políticas públicas, além de provocar um fardo deficitário na balança comercial (641 milhões euros – INE, 2014).

Se observarmos com atenção alguns factos, percebemos. Ora vejamos:

A frota pesqueira portuguesa tem vindo a diminuir, aproximadamente 50% nos últimos 30 anos, representando atualmente cerca de 11% das embarcações europeias, encontrando-se uma elevada percentagem em mau estado e ou pouco atualizada tecnologicamente. 

Pelo contrário, a aquicultura vem tendo um acréscimo, mas o panorama não é muito melhor: a produção nacional representa apenas cerca de 6% do pescado capturado, sendo uma das maiores causas para o fraco crescimento a morosidade do seu licenciamento que, apesar de ter melhorado, não é a adequada. Até há cerca de dois anos, obter o licenciamento de uma atividade de aquicultura demorava entre cinco e sete anos; atualmente demora 12 a 18 meses. Dadas estas vicissitudes, o setor tem vindo a crescer a um ritmo muito lento para as necessidades.

Relativamente à promoção do nosso pescado, reconheço o esforço que as instituições públicas com responsabilidade na matéria têm feito, tendo em conta os diminutos recursos que são colocados ao seu dispor. É, no entanto, preciso algo mais consistente, prolongado e com maior visibilidade, para assegurar novos hábitos de consumo dos portugueses. 

No entanto, e paradoxalmente, as nossas empresas de atividade económica de transformação de pescado (conservas, congelados, pré-cozinhados, etc.) têm obtido resultados de excelência, respondendo às necessidades do mercado português e aumentando a sua capacidade de exportação. Este desempenho deve--se essencialmente à capacidade demonstrada pelos empresários do setor para arriscar financeiramente e na inovação.

Também se reconhece o esforço que se tem sido feito na mudança deste paradigma global, sendo exemplo disso as recentes leis que permitem agilizar e incentivar os empresários a investir no setor.

Mas urge que os poderes públicos sigam um percurso determinado e continuado no traçar de ações de política pública que sejam inovadoras, agregadoras, facilitadoras e dinamizadoras na concretização da captura, produção e transformação do pescado português.

Desenvolver a aquicultura como atividade alternativa para suprir as necessidades de consumo de pescado e evitar um desastre ambiental − esgotando estoques de algumas espécies piscícolas −, bem como promover uma pesca tradicional responsável, sustentável e orientada para espécies com ampla reprodução e que não se encontrem em perigo de extinção, são algumas soluções.

Assim como uma orientação e promoção da alteração dos hábitos de consumo dos portugueses para espécies piscícolas com maior abundância no mar português e com menor risco de impacto no equilíbrio ambiental. Reforçar ainda o apoio à investigação e à sua aplicação na atividade económica, social e ambiental, e facilitar e valorizar o trabalho dos nossos empreendedores e empresas, 

Tudo isto pode ajudar a consolidar uma alta cadeia de valor do peixe do “mar português”.

 

Gestor e analista de políticas públicas

Escreve quinzenalmente à sexta-feira