Li há dias uma entrevista notável do padre Camillo Ripamonti, responsável do Serviço Jesuíta Italiano de Apoio aos Refugiados, que me impressionou tanto pela clareza da análise como pela simplicidade e rigor das propostas.
Ele distingue com nitidez as prioridades, a saber: busca e socorro das pessoas em dificuldades no mar; luta contra o tráfico e os traficantes, cortando–lhes as hipóteses de fazer negócio, o que só se consegue com a criação de corredores humanitários e vias legais para que quem necessita possa chegar à Europa em condições decentes; e, por fim, investimento em África – em infraestruturas – para que as pessoas possam viver livremente nos seus países e com dignidade.
Todo este pensamento assenta numa ideia óbvia que ele sintetiza desta maneira: as migrações são um fenómeno estrutural dos nossos dias.
Donde, mais do que reprimir, é preciso orientar os que querem partir, integrar os que chegam e atacar as causas dessa vontade ou necessidade de emigrar.
Tudo isto parece óbvio, mas não é.
Uma das coisas que mais me tem impressionado na discussão pública e mediática sobre a questão das migrações e dos refugiados – e, dadas as catástrofes humanitárias provocadas pelas guerras exportadas, carece hoje de fundamento a distinção jurídica entre umas e outros – é a do sentido unilateral (e monolítico) das análises veiculadas sobre o tema.
Raros são, com efeito, os trabalhos jornalísticos, ou até científicos, que procuram indagar diretamente junto dos migrantes e refugiados as razões da sua vontade de partir e de se acolher na Europa.
Pode parecer intelectualmente despiciendo, mas a verdade é que a audição, o registo e a divulgação das histórias concretas de cada uma dessas pessoas poderá ajudar mais a sensibilizar a opinião pública para o problema do que muitos discursos abstratos e, reconheça-se, por vezes incongruentes dos que, ainda assim, na Europa, se preocupam genuinamente com o problema.
O facto de esta questão ser abordada, sobretudo mediaticamente, do ponto de vista das sociedades de receção e daqueles que tentam, oportunisticamente, apropriar-se dos medos que estes fenómenos sempre geram contribui decisivamente para alimentar a demagogia e fomentar o ódio aos que nos procuram.
Ouvir, contudo, mais vezes e por via de um trabalho jornalístico persistente e bem feito, a voz pessoal dos refugiados, ou dos migrantes permitirá, estou certo, introduzir na opinião pública europeia fatores de ponderação social e provocar movimentações políticas realistas, tendentes a concretizar soluções tão racionais como as descritas pelo padre jesuíta.
O foco mediático exclusivo nas situações de tensão e de catástrofe humanitária sem, em contrapartida, tentar dar a conhecer as razões concretas de tantas pessoas que, com crianças nos braços, se lançam em aventuras que eles sabem poderem ser trágicas, acaba por banalizar o mal, sem explicar as suas razões.
Esta unilateralidade na abordagem do problema, mesmo quando também reproduz o pensamento e as propostas dos europeus bem-intencionados, desfoca, com efeito, o sentido do drama, permitindo inclusive transformar em vítimas da situação os que verdadeiramente o não são.
Houve tempo em que o jornalismo era arrojado e, com independência e coragem, contribuía decisivamente para fomentar movimentos humanitários que evitaram tragédias e solucionaram problemas.
Tendo-se deixado acantonar e subservientemente utilizar, o jornalismo atual acaba, como com Trump, desprezado e neutralizado.
Escreve à terça-feira