Que avaliação faz da decisão do governo de deixar as zonas ardidas em junho de fora das verbas solidárias da Bruxelas?
Não sabemos em que moldes foi apresentada a candidatura a Bruxelas e só tivemos conhecimento do caso através da comunicação social. Feita esta ressalva, há um facto: a comissária europeia Cristina Cretu, quando anunciou o dinheiro para Portugal disse, na altura, que serviria para cobrir os prejuízos de todos os incêndios de 2017. E agora o que vemos é uma clara discriminação na intenção de atribuir as verbas, elegendo uns concelhos e outros não. Municípios como Mação e outros que arderam em junho, julho e agosto do ano passado ficaram simplesmente de fora dos apoios. E se essas regiões não forem apoiadas agora, com o dinheiro que existe, nunca o serão.
O governo justifica-se dizendo que as regiões que sofreram incêndios em junho foram apoiadas por outras medidas. Essas verbas já disponibilizadas chegaram para tudo?
É preocupante que as zonas afetadas pelos fogos de junho fiquem de fora. Ainda está tudo por fazer nas regiões de Pedrógão Grande, de Figueiró dos Vinhos ou de Castanheira de Pêra. A opinião pública tende a olhar só para a reconstrução das casas e para as indemnizações às famílias das vítimas mortais e aos feridos, mas isso é uma agulha no palheiro, é o responder só às necessidades mais imediatas a seguir à tragédia. Existem outros universos de prejuízos, muito graves e em relação aos quais falta tudo.
Como por exemplo?
Desde logo, a vertente da Agricultura. A seguir aos incêndios, houve um levantamento de prejuízos agrícolas bastante exaustivo e levado a cabo no terreno por várias entidades, mas depois o governo percebeu que não havia dinheiro para fazer face a tudo e limitou os apoios a cinco mil euros. E no que diz respeito à recuperação da floresta, que é uma vertente importante porque se está a trabalhar não só na mitigação de prejuízos mas também na prevenção, está também tudo por fazer. Os nossos concelhos estão a assistir a uma explosão de eucalipto sem qualquer tipo de controlo. Nada mudou. Por outro lado, as responsabilidades das câmaras aumentaram no capítulo da limpeza, mas não as autarquias não têm dinheiro para fazer face a esse encargo extra. Conheço casos, como o de Penela, que é um concelho pequeno, em que fazer toda a gestão de combustíveis custará cerca de meio milhão de euros e, nos trabalhos de limpeza da primeira fase, teve de ser a câmara a pagar tudo do seu bolso. Portanto, e apesar de terem sido enviadas algumas ajudas de outras medidas, como diz o governo, a verdade é que há ainda muito por fazer.
Entretanto, o governo vai entregar metade das verbas a instituições do Estado. Concorda com essa decisão?
Em termos morais não creio que seja o correto. No final do ano passado, quando a comissária europeia Cristina Cretu anunciou os 50 milhões, fê-lo numa visita precisamente à zona de Pedrógão Grande. Esta região, pela dimensão da tragédia e pelo facto de ter sido a primeira a conhecer um grande número de vítimas mortais, foi a grande detonadora das ajudas a Portugal. Fomos os primeiros a trilhar o caminho. Este é o primeiro ponto. E o segundo ponto é bastante claro para nós: não podemos usar o dinheiro solidário da União Europeia para financiar entidades estatais cujo financiamento deve vir do Orçamento do Estado. E para pagar despesas que já foram feitas e que deveriam ser acauteladas pelo próprio Estado. O Estado tem de se responsabilizar por essas despesas e salvaguardar dinheiro para as pagar. Não pode estar a servir-se de verbas que foram entregues solidariamente para ajudar à reconstrução e revitalização dos territórios que foram destruídos.