Greves marcadas, um braço de ferro por causa do descongelamento de carreiras, falta de funcionários nas escolas, problemas na plataforma de distribuição gratuita dos manuais e duras críticas por parte dos professores que só a dois dias úteis de as escolas abrirem portas ficaram a saber se vão, ou não, dar aulas. É este o cenário do arranque do próximo ano letivo que, com tudo isto, se adivinha conturbado.
Apesar das dificuldades em perspetiva, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, considera que “estão criadas todas as condições para que o ano escolar possa começar a tempo” e com “normalidade e tranquilidade”, disse ontem o governante à TSF. Declarações que foram alvo de uma chuva de duras críticas dos principais sindicatos do setor, que apontam o dedo a várias falhas e dizem haver “falta de respeito” pelos professores por parte da tutela.
Resultados dos concursos por antecipar
Quando assumiu funções, uma das primeiras promessas do ministro da Educação foi a antecipação dos concursos de professores. Este é o terceiro ano letivo lançado por Tiago Brandão Rodrigues e até agora a promessa continua por cumprir, sendo esta uma das principais “guerras” dos professores.
Só ontem ao final do dia cerca de 80 mil professores contratados ficaram a saber o seu futuro para o próximo ano letivo. As listas do concurso anual de contratação de professores revelam que a tutela contratou cerca de seis mil professores para o arranque das aulas, entre 12 e 17 de setembro. Destes seis mil contratados, metade (cerca de três mil) ficaram com horário incompleto.
Além deste concurso foram colocados 14 mil professores dos quadros, através do concurso de mobilidade interna extraordinário. Do total destes professores, onze mil ficaram com horário completo e os restantes três mil são incompletos. Este concurso foi realizado no ano passado e este ano repete-se por imposição do parlamento, o que gerou uma guerra, com o governo a recorrer ao Tribunal Constitucional. Mas o Palácio Ratton recusou apreciar o pedido de fiscalização enviado pelo primeiro-ministro.
É através deste concurso de mobilidade interna que os professores dos quadros conseguem mudar de escola para se aproximarem da sua área de residência ou que os docentes sem turma atribuída (horário zero) conseguem ter serviço letivo (dar aulas).
Os professores têm agora um prazo de 48 horas para aceitarem a colocação através da internet e têm 72 horas para se apresentarem ao serviço na escola onde foram colocados. Desta forma, ficam com apenas um dia útil para alugar casa e para organizar a sua vida familiar de forma a que estejam a trabalhar já na segunda-feira, no dia em que as escolas abrem portas. Há casos de docentes que ficam colocados em escolas situadas a centenas de quilómetros de suas casas.
Onda de descontentamento
Horas depois das declarações do ministro sobre o arranque do ano letivo, os sindicatos teceram duras acusações a Tiago Brandão Rodrigues lembrando as várias medidas em falta para o arranque do ano letivo.
A Fenprof frisa que “começar o ano escolar não é apenas o abrir das portas das escolas, são as condições em que as escolas abrem as portas e são essas condições que falta perceber se estão ou não criadas”.
Também o secretário geral da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, lembra que as escolas não viram reforçado o número de auxiliares, tal como prometido pelo governo. Desta forma, o novo ano vai começar “sem que as escolas estejam dotadas dos funcionários de que precisam” como é o caso de pessoal nas cantinas, na segurança, nas secretarias ou psicólogos, alerta Dias da Silva.
Em algumas escolas estão a decorrer atrasos na entrega de vouchers que permitem aos encarregados de educação ter acesso aos manuais escolares gratuitos para os alunos do 1.º ao 6.º ano.
Já o presidente do STOP, André Pestana, diz que “não se compreende porque não se define, de uma vez por todas, que o resultado destes concursos tenha de sair no máximo até meados de agosto”, considerando que “basta haver vontade política nesse sentido, sem qualquer custo financeiro” e que iria trazer uma “evidente melhoria na preparação do arranque do ano letivo.
Protestos agendados
Além de todas estas críticas, os sindicatos aproveitam para lembrar que ainda estão em curso as negociações com o governo relativas ao descongelamento de carreiras dos professores, havendo já protestos agendados para a altura do arranque do ano letivo.
Há cerca de dez meses que está em curso um braço de ferro entre o governo e os professores por causa do tempo de serviço que os docentes viram congelado e que o Executivo não quer agora considerar para efeitos de progressão na carreira com o respetivo acerto salarial.
Em causa estão nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço congelado dos quais o governo só quer considerar dois anos, dez meses e 18 dias, cerca de 30% do total de tempo de serviço que os professores viram congelado. O argumento apresentado pelo Executivo é o custo da medida, que diz ascender a 600 milhões de euros.
Esta foi a razão que levou os professores a uma greve que se estendeu durante um mês e que atrasou o final do ano letivo passado. A próxima reunião está marcada para a próxima semana (dia 7) havendo já greves marcadas para a mesma altura. Os sindicatos já estão a avisar que não estão “disponíveis para manobras dilatórias. Não vamos estar mais um ano em compromissos e textos. Já demos para esse peditório”, frisa Mário Nogueira.
No horizonte estão já vários protestos marcados para o primeiro dia de aulas, dia 17 de setembro, como plenários nas escolas e uma semana de greves entre os dias 1 e 4 de outubro e uma manifestação nacional a 5 de outubro, quando se assinala o Dia Mundial do Professor.
Por tudo isto, João Dias da Silva adivinha que, ao contrário do que diz o ministro, o arranque do ano letivo será de “grande intranquilidade”.
DUAS ALTERAÇÕES
Flexibilização curricular alargada
A flexibilização curricular foi testada no ano letivo passado em 236 escolas básicas e secundárias, públicas e privadas, através de um projeto-piloto. Este ano, o Ministério da Educação quer alargar o número de escolas e o número de turmas a que vai aplicar as alterações previstas nesta reforma curricular, desenhada pelo secretário de Estado da Educação João Costa.
Até à data, a tutela não divulgou quantas escolas vão avançar com a flexibilidade curricular, sendo esta uma decisão que cabe a cada diretor. Ou seja, não vai ser uma medida obrigatória para todas as escolas do país.
As escolas que avancem com a flexibilização curricular vão ter mais liberdade para gerir as horas e o conteúdo de cada uma das disciplinas, que devem estar focadas “no essencial”. Além disso, as escolas podem criar novas disciplinas, sendo que algumas se podem fundir, como a Física e a Química com as Ciências Naturais, ou alargar a fusão da História com a Geografia (que já acontece no 6.º ano) a outros anos escolaridade. Outro dos cenários possíveis é a escola parar de cumprir o programa da disciplina durante uma semana do 1.º período do ano letivo para trabalhar outros temas.
Manuais gratuitos até ao 6.º ano
Este ano o governo vai alargar a distribuição gratuita de manuais escolares a todos os alunos do 1.º ao 6.º ano que frequentem a escola pública. No total serão cerca de 500 mil alunos que terão acesso gratuito aos manuais escolares. Fora desta medida estão os livros de fichas que são usados diariamente nas aulas. No ano letivo passado só os alunos do 1.º ao 4.º ano (1.º ciclo) tiveram acesso aos manuais gratuitos, que no final do ano letivo têm de ser devolvidos às escolas em boas condições. Ou seja, sem estarem rasgados ou escritos, para que sejam reutilizados por outros alunos. Para fazer a distribuição dos manuais, a dia 1 de agosto, o ministério lançou a plataforma “MEGA – Manuais Escolares Gratuitos”. Todos os encarregados de educação têm de se registar na plataforma para que lhes seja atribuído um código que está associado ao número de contribuinte. Este funciona como um voucher e vai permitir ao encarregado de educação receber os livros escolares numa livraria que esteja registada no MEGA. No entanto, a necessidade de confirmação dos números de contribuintes pelas escolas e o elevado número de alunos inscritos na plataforma está a gerar atrasos na distribuição dos manuais.