O chorrilho de ocasiões desperdiçadas frente ao PAOK, especialmente na primeira parte, já anunciava um desfecho assim. Afinal, como diz o velho ditado, “quem não marca arrisca-se a sofrer”. E foi obviamente o que aconteceu ao Benfica nesta terça-feira: aos 76 minutos, um rapaz egípcio de nome esquisito fez o 1-1 que gelou a Luz e deixou a águia a fazer contas à vida – e obrigada a marcar golos na Grécia, na segunda mão do playoff de acesso aos tão desejados milhões da fase de grupos da Liga dos Campeões.
O tal rapazito egípcio, que tinha saído do banco aos 52 minutos pela quinta vez esta temporada, chama-se Amr Warda, tem 24 anos e esteve presente no último Mundial com a sua seleção. Não é, todavia, daí que a maior parte dos adeptos portugueses que se recorda vagamente do seu nome vai buscar essa lembrança; tem mais a ver com a passagem meteórica do médio pelo Feirense no início da passada temporada.
Durou três dias. Warda foi oficializado como jogador dos fogaceiros a 8 de agosto, por empréstimo precisamente do PAOK, e no dia 11 estava formalmente dispensado. Insólito? Sim, é verdade, mas não tanto como a razão apontada para tal decisão do clube de Santa Maria da Feira. Nunca houve uma explicação oficial por parte da direção do Feirense, mas os relatos que surgiram na maioria das publicações desportivas apontava para um caso de assédio… a mulheres dos próprios colegas.
Warda terá, logo após o primeiro treino no clube, abordado as esposas de dois dos seus novos colegas: uma na unidade hoteleira onde o Feirense instala os jogadores e respetivas famílias e outra através do Facebook. O assédio terá sido de tal forma evidente que os referidos colegas terão mesmo quase chegado a confrontar fisicamente o médio egípcio, com a SAD do clube a instaurar-lhe de imediato um processo disciplinar e a afastá-lo dos treinos da equipa. Nas redes sociais, o jogador ainda se defendeu, dizendo estar “apenas à espera do certificado internacional” para se poder estrear pelo Feirense e garantindo sempre ter sido um “homem respeitoso”. “Nos últimos dias, tive de aprender o quão más algumas pessoas podem ser. Tive de aprender que algumas pessoas não se importam de prejudicar outras com falsos testemunhos e alegações, desde que sirvam os seus interesses. Sempre fui um homem respeitoso e rejeitei qualquer comportamento inapropriado. Como tal, não aceito que as pessoas tratem outras de forma desrespeitosa”, escreveu então, revelando ainda ter contratado uma firma de advogados suíça para processar quem o acusou de assédio. No mesmo tom, o seu empresário, Mamdouh Eid, garantia que era “tudo falso” e que o médio estava a treinar “integrado e sem qualquer problema”.
Apesar de todos os clamores de inocência, a verdade é que Warda foi mesmo dispensado três dias depois. Regressou a Salónica, mas foi de imediato emprestado ao Atromitos, terminando a temporada com 28 jogos e 11 golos – números muito interessantes, que lhe valeram um lugar nos convocados do Egito para o Mundial e o regresso à base para esta temporada. Foi suplente utilizado em todos os cinco jogos efetuados pelo PAOK até agora, todos eles para as pré-eliminatórias desta Liga dos Campeões, e teve a coroa de glória na Luz, apontando o primeiro golo nas competições europeias – e provavelmente um dos mais importantes da carreira até ao momento.
brilhante e ambicioso A chegada de Warda ao futebol europeu deu-se em 2015/16 e pela mão de um português. Leonel Pontes era na altura o treinador do Panetolikos e, após ver um vídeo do médio a jogar no Ittihad Alexandria, ainda no Egito, não hesitou. “Adorei. Precisávamos de um número 10, que jogasse como médio de ataque ou pela ala. Era tecnicamente evoluído e tinha uma relação muito boa com a bola. Tinha capacidade de desequilíbrio no um para um, era bom no passe para golo e também na finalização. Colocava algum brilhantismo no jogo, acrescentava algo artístico, gostava de adornar os lances e criar situações de desequilíbrio sozinho e assumir o jogo em ataque apoiado, mas também era muito forte em contra-ataque, na progressão com bola. Mostrava todas essas características no vídeo, mas era um vídeo e nunca sabemos o que pode sair dali”, lembrava o técnico português ao jornal desportivo online “Bancada” em outubro de 2017.
“Posteriormente informei-me sobre o jogador. Ele tinha ambição de vir para a Europa, acreditava que no Egito não tinha o espaço ideal. Conseguimos trazê-lo para o Panetolikos e comigo jogou sempre, correspondeu às expetativas e ao que tinha visto no vídeo. Acredito que com regularidade e numa equipa melhor pode ser melhor jogador e pode fazer uma boa carreira”, completava Leonel Pontes, que até foi posteriormente treinar o Ittihad por indicação do próprio Warda.
Para o sucedido em Santa Maria da Feira, o técnico madeirense não conseguia encontrar explicações, garantindo não rever o jogador em tais acusações. “Não sei muito bem o que se passou, mas não consigo associá-lo ao tipo de problemas que se falaram. Estava muito curioso para perceber a evolução dele em Portugal, mas lamentavelmente não ficou. Poderia ser um jogador sensação em Portugal, porque a fase de adaptação à Europa já estava feita”, frisava então o antigo técnico do Marítimo e adjunto de Paulo Bento no Sporting e na Seleção nacional.
Nesse plantel do Panetolikos jogavam quatro portugueses, um dos quais Luís Rocha, que por lá se mantém ainda hoje. Ao i, o antigo lateral-esquerdo do Vitória de Guimarães lembra igualmente um “jogador muito evoluído tecnicamente, com muita facilidade de drible”. “Em geral joga a extremo pelo lado esquerdo e como é destro faz muito jogo interior, finaliza bem e é daqueles jogadores que tem golo, aparece bem a finalizar. O ano passado foi dos melhores jogadores do campeonato. Como pessoa tem uma auto estima elevada, por vezes demasiado… mas é um bom rapaz e sempre muito alegre”, conta Luís Rocha, que também não encontra explicações para os alegados motivos da dispensa no Feirense: “Lembro-me dessa história, também se falou muito disso aqui na Grécia. O que posso dizer é que no tempo todo em que joguei com ele aqui nunca houve problema nenhum em relação a essas situações.”