Melhor Filme Popular? O que se passa afinal com os Óscares?

Melhor Filme Popular? O que se passa afinal com os Óscares?


O anúncio da criação de uma nova categoria nos Óscares e de que a cerimónia deixaria de ser transmitida na íntegra deixou Hollywood em alvoroço. E, para lá da controvérsia, poderão as alterações anunciadas trazer a mudança desejada pela Academia?


A época pode não ser de Óscares mas eles estão aí e a dar que falar como não havia memória provavelmente desde a troca de envelopes que levou Warren Beatty e Faye Dunaway a anunciarem “La La Land” como vencedor errado na cerimónia de 2017. Metáfora para a decadência de uma cerimónia que não pára de perder audiências, talvez. E vem daí mesmo o alvoroço em que mergulhou Hollywood desde o anúncio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas norte-americana das alterações aprovadas já para a cerimónia de 2019, que deixará de ser transmitida na íntegra, mas não só. Surpresa, surpresa, no próximo ano os Óscares contarão com uma nova categoria, para Melhor Filme Popular.

Numa altura em que não apenas os Óscares mas as cerimónias de entrega de prémios de cinema em geral geram cada vez menos audiências, a alteração foi aprovada pelos membros da Academia no passado dia 7 e por voto secreto — um método de votação habitual para decidir assuntos em torno dos quais não há um consenso.

Em cima da mesa está ainda a possibilidade de introduzir várias interrupções para publicidade durante a transmissão da cerimónia — por exemplo, durante os segundos em que os vencedores se levantam para subir ao palco, e em parte dos discursos de aceitação dos prémios — que passará também a ter um limite de três horas de transmissão televisiva. Com isto poderá ficar de fora a transmissão da entrega dos prémios dedicados às categorias técnicas.

Nas redes sociais, a reação foi rápida e incisiva. “A sério, esta categoria de ‘melhor filme pop’ é a pior ideia que a Academia teve desde que me pediu para cantar com a Branca de Neve”, comentou no Twitter o ator Rob Lowe, que em 1989 apareceu na entrega dos Óscares ao lado da princesa da Disney num momento ridicularizado na altura. Mas não só nas redes sociais rebentou a polémica. A própria imprensa não demorou a troçar da recém-criada categoria, com sugestões para a criação de outras, como “melhor animal em papel secundário”, “melhor ator num filme com Meryl Streep que não seja Meryl Streep”, ou ainda “melhor filme com pior pontuação no Rotten Tomatoes”, um agregador online de críticas de cinema e televisão.

Entre os poucos que aplaudiram publicamente a decisão, o realizador de “Ted” e de “Transformers: Era da Extinção”, Mark Wahlberg, que à Variety se mostrou satisfeito com as alterações. “Talvez se tivessem [criado] esta categoria há mais tempo, tivéssemos ganho alguns [Óscares]. Tivemos alguns filmes comerciais que tiveram realmente sucesso e que achamos que teriam notoriedade para isso.”

Da Warner Brothers, Michele Robertson, consultor para a estratégia para a corrida aos Óscares do estúdio responsável por filmes como “Dunkirk” (2015) ou “Mad Max” (2015), premiados em edições anteriores, prefere esperar para ver. “Estamos todos numa posição de esperar para ver. Muita coisa pode mudar, e não estamos nos bastidores.”

 

Black Panther e a pressão da ABC Segundo fontes não identificadas citadas por várias publicações, as alterações surgem por pressão da ABC, que não só detém os direitos de transmissão da cerimónia como desde 1996

pertence ao grupo da Disney, que estreou este ano “Black Panther”. Um filme que rendeu já 1,3 mil milhões de dólares em receitas de bilheteira — 700 milhões só nos Estados Unidos.

Garantem ainda fontes ouvidas pela Variety, a decisão está mesmo relacionada com uma tentativa de assegurar a presença de franchises como “Star Wars” ou os títulos da Marvel na cerimónia. E num artigo intitulado “A nova categoria de ‘filme popular’ é uma ideia terrível”, Todd VanDerWerff escreve na Vox que o anúncio de que os prémios de 2019 incluiriam um Óscar para Melhor Filme Popular “soa a uma jogada de pânico da Academia, com receio de que ‘Black Panther’ [da Disney, detentora da ABC, que detém os direitos de transmissão da cerimónia] não seja nomeado para Melhor Filme.”

No entender do crítico da Vox, um episódio que não é mais que uma extensão daquilo que aconteceu em 2009, o ano em que o número de nomeados para Melhor Filme foi alargado para dez, depois de filmes como “O Cavaleiro das Trevas”, de Christopher Nolan, e a animação “Wall-E”, da Pixar, terem ficado de fora da corrida aos prémios. Dois anos depois, os limites para as nomeações para o Óscar de Melhor Filme voltaram a mudar para um intervalo “entre cinco e dez” nomeados. Entre o género de títulos que a Academia gostaria de passar a ver entre os nomeados para os Óscares, estariam filmes como “Baby Driver”, de Edgar Wright, ou “Planeta dos Macacos: A Guerra”, de Matt Reeves.

Dizem os críticos às alterações anunciadas que o risco de que os Óscares se transformem numa espécie de MTV Movie & TV Awards não é de menosprezar – até porque, juntamente com a criação desta nova categoria, foi anunciado o fim da transmissão da cerimónia na íntegra, com a entrega dos Óscares que premeiam as categorias técnicas a ficar de fora. Isto depois de este ano, na edição que teve o popular “A Forma da Água”, de Guillermo del Toro como grande vencedor, a cerimónia ter tido apenas 26,5 milhões de espectadores – um recorde para os últimos anos, mas ainda assim numa fasquia muito inferior aos registados em 1998 ou 2003, os anos de “Titanic” (57 milhões de espectadores) e de “O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei” (43 milhões).

Com as redes sociais tomadas pelo assunto Óscares a meio ano da cerimónia de entrega dos Óscares de 2019, veio o argumentista Larry Karaszewski, recentemente eleito vice-presidente da Academia, justificar: “Não estamos a falar de honrar filmes que não merecem… Acho que a ideia é ter um prémio que melhore os blockbusters.” Mas sobra ainda a alguns a esperança de que a Academia volte atrás na decisão, como um consultor para os Óscares não identificado ouvido pela Variety: “Ainda há tempo para voltar atrás nisto. Eles ainda podem dizer ‘ouvimos-vos, percebemos, não vamos fazê-lo este ano’. E estaria tudo desfeito. Seria a atitude mais adulta a tomar.”