A Igreja Católica mudou a sua perspetiva sobre a pena de morte. O Catecismo afirma agora que o Estado não deve matar em circunstância alguma, porque “a dignidade da pessoa não se perde após ter cometido muitos crimes graves”. Reconhecimento tardio, embora bem-vindo; resta agora é saber se alguém está para o ouvir.
Milhares de pessoas foram executadas no mundo em 2017. Além dos 993 contabilizados pela Amnistia Internacional, somam-se os que a China vai matando sem mostrar a ninguém. Nos Estados Unidos, 23 homens foram executados em oito dos 31 estados onde a pena de morte é aplicada. Mais 39 pessoas entraram nos corredores da morte, juntando-se às 2800 que já lá se encontravam.
Há uma ligeira descida no número de mortos às mãos da justiça, ténue, que não serve para alentar otimismos de que os Estados estejam para deixar de matar. Antes pelo contrário. Os populismos demagógicos gostam de apregoar do alto dos palanques políticos “bala contra bala, sangue para vingar o sangue”. Como se mostrar aos criminosos os caninos do Estado os deixassem brancos de pavor. Antes pelo contrário.
Como sublinha a Amnistia, “a pena de morte é um sintoma da cultura da violência, não uma solução para esta”. É uma sanção extrema que não traz repercussão direta em forma de harmonia e bem-estar social, algo que, mesmo erradamente, poderia servir de atenuante para a sua aplicação. O Estado mata sem melhorar a condição da sociedade. Então para que mata?
Mata-se por uma questão emocional, e não racional. O Estado quer dar às famílias das vítimas uma recompensa, uma vingança. Quer aplicar por intermédio da justiça a velha máxima do olho por olho, dente por dente. Quer cortar a erva daninha que estraga a vista do jardim.
O Estado mata porque pode e porque é mais simples cortar o braço do que curar a doença do corpo. Em vez de encarar de frente as causas para a violência, o Estado aplica a solução drástica e irreversível, aquela que, uma vez cumprida, não deixa espaço para recurso: a de assassinar o violento.
Sejamos a favor ou contra nesta questão, se sabemos que o sistema tem falhas, se sabemos que é criado por seres humanos, com seres humanos, se sabemos que se podem colocar inocentes nos corredores da morte, porque insistem os governos em matar? Desde 1973, os Estados Unidos executaram 160 presos que se revelou estarem inocentes. O que se perde ao condenar um inocente, na desumanização da sociedade, jamais se recompensa com o possível alívio de executar um criminoso especialmente violento ou particularmente asqueroso.
Percebemos que as ditaduras, as falsas ou falhadas democracias apliquem a pena de morte porque, dentro do seu controlo político da sociedade, matar num arremedo de justiça é arma para combater opositores e dissidentes. O mesmo não deveria acontecer nas democracias.
O que ganhou a sociedade norte- -americana com os 23 presos executados no ano passado? A violência não diminui, os crimes particularmente violentos continuam, as zonas livres de presença policial, onde quem manda são os criminosos, mantêm–se ameaçantes nos grandes aglomerados urbanos um pouco por todo o país. Pouca ou nenhuma redenção social advém da morte de um cidadão desajustado das regras de convivência.
Ao invés, a cultura pública de violência gera reações mais violentas. Alguém que mata sabe que só lhe resta continuar a matar para continuar vivo porque, no momento em que for apanhado, corre o risco de ser condenado à morte.
Se perguntar a alguém quais os sítios mais seguros do mundo, muito dificilmente obterá como resposta um dos países onde os Estados mais executaram em 2017: China, Irão, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão.
A Islândia, o país mais seguro do mundo há 11 anos, condenou a última pessoa à morte em 1913, uma sentença que seria posteriormente comutada em pena de prisão. E na revisão constitucional de 1995 ficou escrito que a pena de morte é inconstitucional.
Portugal, o quarto país mais seguro do mundo na lista do Global Peace Index de 2018, elaborado pelo Institute for Economics and Peace, foi o primeiro Estado soberano moderno da Europa a abolir a pena de morte. E tem uma moldura penal que estabelece um limite de 25 anos de pena máxima de prisão.
Se a pena capital não é eficiente nos seus propósitos de melhorar a sociedade, se em nada contribui para conter a violência que pretende punir (e gera até o efeito contrário, o de maximizar essa violência), se se corre o risco de condenar inocentes à morte, desumanizando-nos, porque há países que pensam em recuperar uma prática provadamente ineficaz no combate ao crime? Será só excesso de filmes americanos de ação ou interessa a uma certa elite no poder que o Estado continue a matar, sobretudo, pobres e negros?