Há festa na vila. Em Coruche há espaço para História e tradições… mas não para imitações

Há festa na vila. Em Coruche há espaço para História e tradições… mas não para imitações


Nas Festas de Nossa Senhora do Castelo, a História é passada de avós para netos e as tradições voltam às ruas da vila. Corridas de touros, concertos e a centenária procissão marcam as festas de Coruche


A memória e a tradição saem à rua nas festas em honra de Nossa Senhora do Castelo. Conhecida pela sua procissão centenária e pelas corridas de touros, é no Cortejo Histórico e Etnográfico que o passado volta à vida e as memórias se avivam. De 14 a 18 de agosto, Coruche enche-se de História, música e muitas atividades.

Este cortejo serve não só para relembrar, mas também para ensinar: “Há pessoas que nunca viram nem sabem como se trabalhava, sobretudo os miúdos mais novos. No meu tempo, nós víamos as nossas mães e as nossas avós a trabalhar no campo e sabíamos o que isso era”, explica Filipe Justino, presidente da comissão de festas, mais conhecido por sr. Pita – o diminutivo que a mãe lhe chamava e que acabou por virar alcunha. “São coisas que se vão perdendo. Para que a tradição não desapareça, é interessante ter a memória preservada”, acrescenta.

“Tentamos sempre recriar no nosso cortejo aquilo que são os quadros representativos do trabalho agrícola, dos trabalhos no campo e das casas agrícolas”, explica o presidente da Câmara Municipal de Coruche, Francisco Silvestre Oliveira. Este ano, o cortejo tem como tema a “Terra Brava, da Charneca à Lezíria”. “Este tema tem muito a ver com o facto de os coruchenses terem feito o desbravar destas terras e tornado estes campos mais férteis”, acrescenta o autarca, lembrando que foi isso que permitiu o nascimento das povoações no território do vale do Sorraia.

As vestes que vão ser usadas pelas 11 horas do dia 17 – data em que se celebra o feriado municipal – são autênticas. “Cada pessoa trata do seu traje à moda antiga. Regra geral, as pessoas guardaram [as vestimentas] e agora há netos que usam os trajes que os avós ou bisavós vestiam noutros tempos”, conta o presidente da comissão. A organização do Cortejo Histórico e Etnográfico é da responsabilidade da câmara municipal que, em conjunto com as juntas de freguesia, associações locais, casas agrícolas e ranchos folclóricos, reúne todos os anos entre 800 e 1200 figurantes que recriam as atividades tradicionais do concelho.

Para além dos figurantes, fazem parte do cortejo várias máquinas agrícolas decoradas onde são recriados quadros representativos seja “de uma ganadaria, de uma vinha, da cultura do milho, do arroz, do tomate, em cada uma das suas vertentes”.

Esta tradição é um dos principais atrações das festas em honra de Nossa Senhora do Castelo, que anualmente chegam a juntar mais de 50 mil pessoas, entre habitantes da região e emigrantes, explica Francisco Silvestre Oliveira. Há quanto tempo existe este cortejo? Não se sabe ao certo, mas o autarca recorda-se de assistir a este evento há mais de 40 anos. 

 

Bailes e corridas de touros

O início das festas é marcado pelo fogo-de-artifício, que ontem à noite iluminou os céus durante cerca de 25 minutos. “O fogo realiza-se na margem do rio Sorraia, na margem oposta à vila de Coruche, entre os campos que estão semeados de milho e arroz” e conta “com fogo-preso, fogo–de-lágrimas, fogo de todo o tipo”, diz o presidente da câmara municipal.

Antigamente era a autarquia que organizava a festa, mas de há 16 anos para cá tem sido a comissão de festas a preparar a parte do baile e dos eventos tauromáquicos. “Há muitas atividades taurinas nos dias 16 e 18, com largadas de touros nas ruas do centro histórico, corridas à corda com um grupo açoriano que já há dez anos faz o favor de nos vir animar”, enumera o sr. Pita. Trata-se de um costume da ilha Terceira mas, segundo a organização, “já passou a ser tradição” em Coruche. Os campinos açorianos amarram os touros a uma corda e com ela dirigem e manipulam o animal. “Mas é preciso ter um certo cuidado e jeito”, alerta o sr. Pita.

Numa altura em que o final das touradas tem marcado a atualidade, o presidente da comissão de festas diz que ainda não se deparou com movimentos antitouradas e acredita que a “larga maioria” da população “é pró-toiro”. “Até se justifica pela quantidade de ganadarias que temos no nosso concelho. O que ainda preserva o touro bravo são as corridas – se não existissem, o touro bravo já estava extinto”, garante. Os touros usados nas festas em honra de Nossa Senhora do Castelo são criados no concelho de Coruche ou nos concelhos vizinhos de Benavente e Salvaterra de Magos. “O mundo rural tem esta particularidade: gostar dos animais, gostar da festa brava”, sublinha Francisco Silvestre Oliveira.

Para quem prefere dar um pezinho de dança, o cartaz da festa é bastante convidativo, com Ana Malhoa, D.A.M.A e Quinta do Bill. “Aqui é só espetáculos ao vivo, não queremos imitações”, afirma Filipe Justino. 

 

Procissão centenária

As celebrações religiosas começaram ontem com a tradicional alvorada. “Há lançamento de foguetes e a banda filarmónica da Sociedade de Instrução Coruchense vai pelas ruas da vila a tocar músicas numa volta tradicional”, afirma Carlos Potiers, juiz da Irmandade de Nossa Senhora do Castelo. 

À porta da igreja, que nestes dias se torna pequena para quantos vêm a Coruche de propósito para prestar devoção a Nossa Senhora do Castelo, são celebradas as missas. É do alto da vila que sai hoje, pelas 18h00, a procissão, que soma já 502 anos de existência. O percurso ronda os cinco quilómetros, demorando cerca de duas horas.

“Normalmente, a procissão abre com o estandarte da irmandade. Depois vêm os diferentes estandartes das várias paróquias ou entidades relacionadas com a igreja”, terminando com o andor onde vai a imagem da santa padroeira. 

Na preparação para as festas, a irmandade organiza anualmente as novenas onde, entre 6 e 14 de agosto, se reza o terço todas as noites, com a participação de párocos convidados nos últimos três dias.